IX CONGRESO INTERNACIONAL
SOBRE INVESTIGACIÓN EN DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS
Girona, 9-12 de
septiembre de 2013
COMUNICACIÓN
2436
INVESTIGANDO
DISCURSOS E SABERES EXPERENCIAIS DOS PROFESSORES DE CIÊNCIAS SOBRE A
INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO PÚBLICOSECUNDÁRIO NO RIO GRANDE DO SUL (BRASIL)
Erika Regina Mozena, Fernanda Ostermann
UFRGS-
Brasil
RESUMO: Este trabalho em andamento visa
compreender os discursos e os saberes dos professores de ciências de escolas
públicas secundárias do Rio Grande do Sul (Brasil) sobre o tema
interdisciplinaridade, sob uma visão de mundo sócio-histórica-cultural,
pensadateorico-metodologicamente a partir da relação entre a linguagem e seu
uso situado como proposto por Bakhtin, e a noção de saber docente e seus
condicionantes articulados por Maurice Tardif. A necessidade desse
estudoconfigurou-se a partir das mudanças curriculares operadas no Brasil, na
direção de se institucionalizar a interdisciplinaridade na escola básica e das
lacunas apresentadas pelas pesquisas da área. Estudos preliminares apontam para
o fato de que os professoresentendem a interdisciplinaridade essencialmente
como a discussão de um único tema tratado de maneira isolada por todas
asdisciplinas.
PALAVRAS-CHAVE:
interdisciplinaridade,
ensino médio, Bakhtin,Tardif, saber docente
OBJETIVOS
Este trabalho de doutoramento em andamento visa compreender os discursos
situados e os saberes dos professores de ciências de escolas públicas
secundárias do Rio Grande do Sul (Brasil) sobre o tema interdisciplinaridade. O
ensino de nível secundário (ensino médio) no Rio Grande do Sul e no Brasil vem
passando por mudanças sucessivas e atualmente as diretrizes curriculares
nacionais1 propõem a interdisciplinaridade como base de
organização do ensino, sendo que 20% da carga horária total devem ser
destinados para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares, oque mostra a
importância de se conhecer e compreender os condicionantes envolvidos nas
concepções e escolhas dos professores com relação à interdisciplinaridade. Como
as pesquisas na área de ensino de ciências apresentam algumas lacunas, este
trabalho pretende aprofundar o tema.
1. DCNEM (2012) – Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino
Médio. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.
php?option=com_content&view=article&id=17417&Itemid=866 acessado em
janeiro de 2013.
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MARCO
TEÓRICO
Pautamos nossa visão de mundoe ametodologia de compreensão dos
discursos dos professores numa perspectiva dialógica2pensadaa partir dos textos de Bakhtin (1995, 2003) e alguns de
seus estudiosos: Brait (2007), Cereja (2007) e Veneu (2012).
Nessa perspectiva, assim como Bakhtin,
compreendemoso homem (no caso o professor) como sujeito social, histórico e
cultural, responsável por suas escolhas e responsivo ao outro, tendo sempre em
vistaa importância da linguagem na formação e na vida do ser humano. Assim, a
palavra é o foco central do estudo da linguagem, já que o signo reflete e
refrata a realidade em transformação e nos permite compreender as ideologias
pertinentes aos diferentes estratos sociais.Dessa maneira, para Bakhtin, o
enunciado concreto é a externalização da atividade mental orientada pelas
interações sociais.
Partindo também do pressuposto de que
qualquer análise de enunciados nunca é neutra, procuramos neste trabalho
fundamentar nossa compreensão do discurso e dos atos do professor em sua ação
cotidianana epistemologia da prática docente proposta por Maurice Tardif, para
quem a docência é um diálogo situado, com vistas a transformar o mundo, e
também um saber social3, partilhado por grupos específicos. O foco
da sua epistemologiaé o estudo dos saberes docentes, pensados a partir da
prática efetiva e situada do professor, além dospróprios discursos dele.
Para Tardif (2012), o trabalho do professor
consiste essencialmente em gerir relações sociais. Assim para este autor, o
professor se constrói dialogicamente na interação eu-mundo-outro, pois se
relaciona com o seu objeto de trabalho fundamentalmente através da interação
face a face com os alunos, através da qual desenvolve e usa seus saberes: “ensinar
é, obrigatoriamente, entrar em relação com o outro” (Tardif, 2012, p.222).
Portanto, o saber do professor está sempre
ligado a uma relação de trabalho com o outro, situado num espaço e num tempo
próprio e enraizado numa instituição (a escola) e numa sociedade. E nesse
processo dialógico de interação, o professor também se cria, também se
transforma.
A importância do contexto situado no grande
diálogo da ação docente também é fundamental na teoria de Tardif, já que os
saberes docentes são construídos ao longo de toda a vida na relação do professor
com a profissão docente, seja quando aluno nos bancos escolares, seja na
formação inicial para o magistério, ou dentro da escola atuando como professor,
configurando-se assim num “saber que se desenvolve no espaço do outro e para o
outro” (Tarfif, 2012, p.186).
Também numa linha em que é possível integrar
Tardifa Bakhtin, os saberes docentes propostos por Tardif se aproximam do campo
da argumentação e do julgamento. Tardif também valoriza o discurso dos
professores, pois segundo ele, os argumentos dos professores com seus juízos e
valores, expressam seu conhecimento prático e nos permite chegar ao cerne de
sua epistemologia: os saberes docentes.
Assim, a finalidade de uma epistemologia da
prática profissional, segundo Tardif (2012), é revelar os saberes docentes,
compreender sua natureza e como são integrados concretamente nas tarefas dos
professores:comoele os produzem, internalizam, aplicam e os transformam em
função dos condicionantes espaço-sócio-temporais do seu trabalho.
METODOLOGIA
Esse estudo, com sua perspectiva bakhtiniana,
será realizado através da análise dos sentidos concretos dos enunciados
completos envolvendo o tema interdisciplinaridade,proferidos pelos professores
num
2. A relação dialógica remete-nos ao diálogo,
uma atividade de interação linguística entre o eu e o outro num território
socialmente situado. Pode-se compreender a palavra diálogo como toda
comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.
3. Para Tardif, a palavra social designa “relação
entre mim e os outros repercutindo em mim, relação com os outros em relação a
mim, e também relação de mim para comigo mesmo quando essa relação é presença
do outro em mim mesmo” (Tardif, 2012, p.15)
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contexto
determinado. Por meio dessa análise procuraremos então relatar a nossa
compreensão ativa e a nossa consequente atitude responsiva, além dos saberes
profissionais percebidos.Assim, a busca pelacompreensão ativa do tema
interdisciplinaridade e dos saberes docentes, será efetuada através de três
etapas, descritas a seguir:
1. Identificação dos interlocutores:
não apenas analisar os participantes imediatos do diálogo e suas práticas, mas
também o papel que desempenham na Educação e nos enunciados específicos.
2. Contexto extraverbal: analisar o
momento histórico, as finalidades do ato enunciativo, assim como a esfera
social de circulação do signo.
3. Conteúdo temático: analisar o seu
conteúdo (sentido global do enunciado) e as formas de discurso. Essa análise
necessariamente está ancorada com a identificação dos interlocutores e com o
contexto extraverbal dos enunciados.
Pautados também na perspectiva da
epistemologia da prática docente de Tardif, visamos uma pesquisa não sobre o
ensino ou sobre os professores, mas para o ensino e para os professores.
Procuraremos, assim, estudar os saberes docentes com relação à
interdisciplinaridade tais como são mobilizados e construídos em situações de
trabalho, em função dos seus condicionantes.
RESULTADOS
Os professores envolvidos nesse estudo são professores de ciências
de escolas públicas secundárias (Física, Química ou Biologia) que participaram
de um curso de formação continuada de professores sobre a proposta curricular
que vigorou de 2009 até 2011 no Rio Grande do Sul, cuja principal tese era o
desenvolvimento de certas competências (principalmente, Ler, Escrever e
Resolver Problemas) conjugadas ao trabalho interdisciplinar e à
contextualização (Rio Grande do Sul, 2009). Ao final desse curso de 90 horas,
com aulas presenciais e apoio à distância, os professores produziram e
aplicaram projetos interdisciplinares, que atualmente têm caráter obrigatório
por lei.
A partir dos 103 trabalhos selecionados, que
foram lidos e classificados conforme localização e seus temas, desenvolvemos as
seguintes análises:
1. Identificação dos interlocutores. A
princípio os professores escreveram seusprojetos finais do curso para o
multiplicador (ministrante do curso de formação continuada), alguém com
conhecimentos em educação, com algum conhecimento da proposta curricular e
que, inclusive, deveria aprovar o professor no curso. Mas não necessariamente
este foi seu único interlocutor, já que em muitos casos esse trabalho foi
apresentado aos gestores das próprias escolas (diretores e coordenadores) e aos
seus pares na escola. Em várias ocasiões foram pensados em conjunto pelos
membros da escola. Outros leitores supostos para os trabalhos também são
outros membros das universidades envolvidas, membros das Secretarias de
Educação do Estado. Sendo assim, os professores procuraram se esmerar, apresentando
trabalhos que julgam adequados dentro da proposta curricular e do que esperam
dos órgãos gestores e não necessariamente representam as suas crenças e
práticas.Não presenciamos qualquer tipo de crítica à metodologia de trabalho
interdisciplinar e nem mesmo aos referenciais curriculares, tanto que eles
foram citados na grande maioria apenas nas referências bibliográficas.
Provavelmente, com ou sem referencial, os trabalhos seriam os mesmos, resultado
um pouco preocupante, pois mostra como os cursos de formação continuada não
mudam a dinâmica da sala de aula e como as propostas curriculares do Governo
não são levadas a sério pelos professores.
O fato do interlocutor ser alguém
hierarquicamente ou intelectualmente superior a ler o texto pode levar o
professor a escolher melhor as palavras, a usar de clareza, de palavras
rebuscadas e a “mostrar serviço”. Esse trabalho parece ter sido entendido pelo
professor como uma propaganda do seu trabalho e 2439
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das suas qualidades. Também é preciso levar
em conta que o projeto foi elaborado tendo em vista uma apresentação do mesmo
em um seminário e os professores buscaram nessa ocasião o reconhecimento por
seu trabalho que não obtêm nem dos gestores das escolas e nem dos pais dos
alunos.
2.. Contexto extra-verbal4. Ainterdisciplinaridade apresentada pelos professores nesses
trabalhos expressa como eles entendem que ela deveria ser ou conseguem realizar
no cotidiano difícil de uma escola pública brasileira, onde além das
dificuldades e desafios inerentes à profissão, os professores enfrentam falta
de condições adequadas de trabalho, falta de espaço físico e adequado, má
remuneração, além de mudanças políticas que ocasionam reviravoltas nas
políticas educacionais.
Os professores trabalharam em grupos, em
geral com os professores da própria escola e utilizaram muito poucoa ajuda dos
multiplicadores nosambientes on-line para confecção dos trabalhos. Muitas vezes
isso pode ter ocorrido por falta de tempo dos professores, que trabalham em
média 36 horas semanais dentro da sala de aula, outras vezes por falta de
interesse deles mesmo.
Pelo entusiasmo com que os professores
apresentaram seus trabalhos durante os semináriosinterdisciplinares,
parece-nos que eles julgaram seus trabalhos adequados e que estão sendo muito
proveitosos para os alunos, ou seja, uma avaliação bastante positiva.
Conteúdo temático. Ao final do processo,
dentre os 160 projetos disponíveis, foram selecionados 103 projetos,
distribuídos por 72 municípios do Estado do Rio Grande do Sul.
Com relação aos temas dos trabalhos, 26 deles
(25%) elegeram o tema Copa do Mundo (ou África), já que ao final do semestre
este evento realizou-se na África do Sul. Com relação aos outros temas, suas
escolhas em geral, foram justificadas pela atualidade ou por demandas da
própria região, como os 8 trabalhos sobre o homem e o meio ambiente, os 7
relacionados à água (em geral no estudo dela em sua região) e também os 6 trabalhos
sobre o lixo, entre outros.
Fig. 1. Frequência dos temas dos projetos
interdisciplinares dos professores no curso Lições do Rio Grande 2010.
Com relação à interdisciplinaridade, os
trabalhos analisados se “comportaram” da seguinte maneira:
– trabalhos em que todas as disciplinas
atuam. Em geral são temas amplos (copa do mundo, energia, meio-ambiente, lixo)
e apenas multidisciplinares.
4. Todo o contexto e a coleta de dados
envolvida nesta pesquisa está esmiuçada em Mozena, Ostermann e Cavalcanti (2011)
e Ostermann, Mozena e Cavalcanti (2012). 2440
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– trabalhos com número reduzido de
disciplinas, em geral por área de conhecimento que mostram mais sintonia entre
as disciplinas. Exemplos: fogos de artifício, radiação.
Com relação à disciplina Física, observamos
trabalhos em que:
– o professor de física só consta com o nome
e/ou a disciplina física, não havendo qualquer especificação de como a física
seria trabalhada nesse projeto. Exemplos: eleições, AIDS etc.
– trabalhos em que a física não se relaciona
de maneira coerente ao tema. Exemplos: drogas, bullying, crack, namoro, entre
outros.
CONCLUSÕES
Pelos estudos realizados até então, percebemos que os professores
pesquisados usaram, de acordo com suas demandas e condicionantes, a
interdisciplinaridade não como uma visão de mundo ou de como o homem interage
com o conhecimento por ele mesmo produzido, mas como uma metodologia de ensino
pontual e esporádica, caracterizada pela escolha de um tema comum a várias
disciplinas, que é trabalhado de maneira isolada na sala de aula, muitas vezes
sem nenhuma relação entre si.
Assim, ao elegerem, por exemplo, o tema copa
do mundo, os professores não se preocuparam em integrar os conhecimentos de
suas disciplinas dentro do tema. Ao contrário, cada um trabalhou isoladamente
o assunto,sendo assim, apenas o tema interdisciplinar, pois o conteúdo
continuou sendo disciplinar. Por exemplo: física: física do futebol, química:
doping, biologia: a origem da vida na África, geografia: A África do Sul,
filosofia: o Apartaid, etc.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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da linguagem. São Paulo: HUCITEC.
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verbal. São Paulo: Martins Fontes.
BRAIT, B. (2007). Bakhtin: conceitos-chave.
São Paulo: Contexto.
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BRAIT, B. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, pp. 201-220.
MOZENA, E.R.; OSTERMANN, F.; CAVALCANTI, C.
(2011). Lições do Rio Grande: um relato sobre o processo de elaboração dos
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OSTERMANN, F.; MOZENA, E.R.; CAVALCANTI, C.
J. H.(2011). Curriculum
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http://lsg.ucy.ac.cy/esera/e_book/base/ebook/strand9/ebook-esera2011_OSTERMANN-09.pdf
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Tecnologias.Porto Alegre: SE/DP. Disponível em:
http://www.educacao.rs.gov.br/ dados/refer_curric_prof_vol2.pdf
TARDIF, M. (2012).Saberes docentes e formação
profissional. Petrópolis: Vozes.
VENEU, A.A.(2012).
Perspectivas de professores de física do ensino médio sobre as relações entre o
ensino de física e o mercado de trabalho: uma análise bakhtiniana. Dissertação
de Mestrado do programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde.
Rio de janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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