Núcleo OBEDUC - MG/RJ/RS

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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

ÉTICA, CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE. PROJETO EM EDUCAÇÃO CIENTÍFICA E CIDADANIA: DISCUSSÕES SOBRE QUESTÕES SOCIAIS, ÉTICAS E AMBIENTAIS EM ATIVIDADES MINERADORAS NO BRASIL


IX CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE INVESTIGACIÓN
EN DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS
Girona, 9-12 de septiembre de 2013
COMUNICACIÓN




 Ronan Tocafundo Daré

Instituto Federal Minas Gerais – IFMG. Congonhas, MG, Brasil.

ronan.dare@ifmg.edu.br

Maclovia Corrêa Silva

Universidade Tecnológica Federal do Paraná – PPGTE/UTFPR. Curitiba, PR, Brasil.

macloviasilva@utfpr.edu.br

Gustavo Pereira Pessoa

Instituto Federal Minas Gerais – IFMG. Congonhas, MG, Brasil.

gustavo.pessoa@ifmg.edu.br
RESUMO: Este trabalho apresentará o projeto multidisciplinar “Ética, Ciência, Tecnologia e Socie­dade” - ECTS. Trata-se de um projeto “Guarda-Chuva” no qual alunos com idades entre 16 e 17 anos elaboraram e desenvolveram subprojetos de pesquisa com o Objetivo de discutir Educação Científica e Cidadania e com Metodologia baseada no Método de Projetos. Os Aportes Teóricos foram ideias de Habermas sobre “Princípio ético” e “Agir Comunicativo”; e de Collins sobre Controvérsias Científicas e Tecnológicas. O Resultado do ECTS foi a construção desses subprojetos, dos quais apresentaremos o Mineração, Meio Ambiente e Sociedade que investigou questões socioambientais em uma atividade Mineradora no Brasil. Conclui-se que o ECTS possibilitou a formação de alunos-pesquisadores e o diálogo com saberes e conhecimentos que contribuíram para a educação científica crítica desses jovens.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Científica, Princípio Ético, Ciência, Tecnologia, Sociedade.
OBJETIVO
O objetivo do presente trabalho é apresentar o projeto “Ética, Ciência, Tecnologia e Sociedade” (ECTS) como alternativa para incluir discussões e reflexões sobre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA) no ensino secundário e contribuir com a formação de jovens em contextos de Edu­cação Científica e Cidadania.
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O ECTS é um projeto multidisciplinar que pode ser compreendido como um “guarda-chuva” no qual são abrigados vários subprojetos criados por alunos de uma escola secundária, de ensino básico, técnico e tecnológico, da rede pública federal brasileira.
No desenvolvimento do ECTS realizamos leituras e discussões de textos relacionados à CTS; ao “Agir Comunicativo” e ao “Princípio Ético” de Habermas (2003); e às Controvérsias Científicas e Tec­nológicas de Collins e Pinch (2010). A partir das leituras levantamos com os alunos questões éticas, sociais, controversiais e ambientais que poderiam estar presentes no entorno da escola, no seu coti­diano, na mídia, nas redes sociais, etc. Concomitantemente foram ministradas aulas expositivas sobre o Método de Projetos (MP) de Kilpatrick. Essas leituras, discussões e aulas formaram o arcabouço teórico dos trabalhos que veremos a seguir.
MARCO TEÓRICO
Criado pelo americano Kilpatrick em 1918, o MP, instruído por diretrizes pedagógicas, propicia aos alunos a oportunidade de construir seus conhecimentos a partir da elaboração e aplicação de projetos (Santomé, 1998). Sua dinâmica permite aos alunos e aos professores apropriarem conhecimentos por meio de experiências socioeducativas. O MP foi utilizado nas ações dos subprojetos criados pelos alu­nos por permitir a articulação entre teoria e prática nas discussões sobre ciência no contexto da ética construída socialmente.
Essa ética construída socialmente pode ser encontrada em Habermas (2003). Segundo o autor, a norma moral deve compreender um domínio de validez universal; ou seja, ela deve ser reconhecida e construída por todos os sujeitos que interagem, que convivem em uma comunidade e formam a socie­dade. Na concepção do autor, o ser ético representa a superação do coletivo sobre o individualismo por que prioriza o reconhecimento recíproco e a construção participativa entre sujeitos comunicativos em condições dialógicas ideais. As condições dialógicas ideais permitem aos indivíduos se reconhecerem reciprocamente como pessoas que possuem igual dignidade nas interações de comunicação, sem que haja relações de poder e coação entre os falantes. Tais interações devem ser imbuídas de um compro­misso ético em que o falante se responsabiliza pela validez daquilo que fala e o ouvinte pode exigir os fundamentos dessa validez; e ainda, essa interatividade deve ser reconstruída a partir da razão para que possa consolidar, ou mesmo validar, uma ordem, uma proposta, uma afirmação, etc. (Habermas, 2003)
Para Habermas (2003), os desenvolvimentos científicos e tecnológicos não são os responsáveis pelos problemas da sociedade moderna. Tais problemas surgem em situações nas quais as decisões que habitam a esfera social são tomadas unilateralmente e deixam de lado discussões sobre questões vitais, como éticas e morais, em torno das quais a sociedade norteia os projetos humanos sociais.
No agir comunicativo prevalece o sentido do que é justo socialmente. Quando um sujeito ao rea­lizar uma ação se pergunta sobre o que é justo, ou reflete sobre o resultado social dessa ação, ele age segundo um novo princípio: o Princípio Ético.
Em Collins e Pinch (2010), encontramos fundamentação teórica para realizar discussões sobre controvérsias científicas e tecnológicas que estiveram presentes em muitos subprojetos. Esse Marco Teórico fundamentou as ações metodológicas do projeto ECTS e dos Subprojetos dos alunos, como veremos a seguir.
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METODOLOGIA
O start up do ECTS ocorreu com provocações feitas aos alunos, nas aulas de física, sobre até onde a ciência e a tecnologia poderiam ir:
Deveria haver limites para a ciência e a teconoligia? Se sim, quais seriam esses limites? Quais os parâmetros para defini-los?
Em seguida, foi construído por meio de aulas expositivas, leituras de textos e discussões em aulas, o arcabouço teórico sobre MP, ética, ciência, tecnologia, sociedade e controvérsias científicas, que fun­damentou os debates sobre as provocações feitas inicialmente.
Nas aulas de física foram criados momentos nos quais houve diversos brainstorming, como:
1. Em prol da ciência e da tecnologia tudo pode? – É ético sacrificar animais?
2. O homem está brincando de Deus? (Criam-se alimentos transgênicos; clonam-se animais; ética na biotecnologia)
3. A tecnologia cria uma sociedade de consumo? De consumismo?
4. As Atividades Mineradoras realmente trazem progresso para a região? A que preço?
Os alunos foram divididos em grupos e propuseram uma questão a ser pesquisada, tendo como tema central ética, ciência, tecnologia e sociedade. Cada grupo escreveu e desenvolveu um projeto de pesquisa fundamentado no MP. Em geral, esses subprojetos tratavam de estudos de caso com elabora­ção de hipótese, coleta e análise de dados, discussão de resultados, conclusões, apresentação de resulta­dos, escrita de artigos simples e relatórios. A esses projetos daremos o nome de Subprojetos do ECTS.
A pluralidade das questões de pesquisa elencada nos subprojetos caracterizou o ECTS como um projeto multidisciplinar, pois tais questões perpassavam várias áreas do conhecimento com destaques para Química, Física, Biologia e Filosofia. Dentre os vários subprojetos desenvolvidos, selecionamos para apresentar nesse trabalho, como um dos resultados práticos do ECTS, a investigação científica Mineração, Meio Ambiente e Sociedade. A escolha desse subprojeto foi pela importância econômica, social e ambiental das atividades mineradoras na região onde vivem os alunos.
Resultados
O resultado epistemológico do ECTS caracterizou-se pela possibilidade de oferecer a estudantes de ensino secundário uma formação de aluno-pesquisador, os quais dialogaram com saberes e conhe­cimentos que contemplaram o tema Educação Científica e Cidadania, sob a luz do Princípio Ético e do Agir Comunicativo.
Consideramos como resultado prático do ECTS os vários subprojetos de pesquisa realizados pelos grupos de alunos. Dentre esses, o subprojeto Mineração, Meio Ambiente e Sociedade (MMAS) que será apresentado nesse trabalho.
O MMAS foi desenvolvido por dois grupos diferentes que investigaram as consequências das ati­vidades de uma empresa mineradora na qualidade de vida dos moradores de duas comunidades, do­ravante denominadas C1 e C2, na região na qual está situada a escola onde os alunos estudam. A hipótese comum aos dois grupos foi que as comunidades possuem forte dependência socioeconômica dessas atividades; que tais atividades interferem no cotidiano dos habitantes; resultam em impactos no ar, no solo, na água e na qualidade da vida.
Na C1 a pesquisa foi realizada com aplicação de 70 questionários semiestruturados junto às famílias que lá residiam. O questionário era composto por 25 questões que levantaram informações sobre saúde pública, satisfação da população com a empresa mineradora, situação socioeconômica das famílias, princípio ético, questões ambientais, cumprimento de Leis Ambientais e situações dialógicas entre a empresa e a Comunidade.955
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Esse levantamento teve por objetivos verificar as consequências das atividades mineradoras na C1 e criar indicadores para analisar os impactos dessas atividades nessa comunidade. Após a aplicação dos questionários os alunos tabularam os dados e geraram gráficos que permitiram analisar informações e estabelecer parâmetros que indicassem situações de benefícios e malefícios dessas atividades minera­doras. Nessa pesquisa, pôde-se constatar, por exemplo, que a maior parte dos moradores desconhece a existência de normas regulamentadoras das atividades mineradoras, como o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRADs) e as Normas Reguladoras de Mineração (NRM). Com efeito, eles não exercem o direito de cidadão de cobrar o cumprimento de responsabilidades cíveis e sociais por parte das mineradoras. Como conclusão final, os alunos inferiram que os moradores de C1 apresentaram estado de alienação em relação aos impactos das atividades da mineradora, em parte devido à postura de aceitação de determinadas situações impostas pela empresa e também pela inexistência de situações dialógicas entre as partes. Dessa forma, concluíram que o Princípio Ético não é verificado nas ações dessa empresa.
O segundo grupo desenvolveu sua pesquisa na C2 e investigou o impacto socioambiental que ocorre na comunidade devido a um processo de desapropriação. Foram aplicados questionários se­miestruturados nas 25 famílias que restaram na região, onde moravam 90 famílias. O questionário era composto de 14 questões que levantavam informações sobre saúde pública, insatisfação da população com a desapropriação, situação socioeconômica das famílias e Princípio Ético no processo de desa­propriação. Os alunos também realizaram visitas in loco e entrevistaram três moradores que possuem representatividade na região. A escolha desses representantes ocorreu por serem os que moram há mais tempo na comunidade e resistem em deixá-la. Além dos moradores, os alunos entrevistaram um repre­sentante da prefeitura para confrontar as informações obtidas entre moradores e setor público. Não foi possível entrevistar a empresa mineradora. As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas à luz do Princípio Ético e do Agir Comunicativo.
O problema social inicia-se com a expansão de uma empresa mineradora, pois no local escolhido há uma comunidade estabelecida há mais de 50 anos. A escolha do local foi por questões técnicas e tecnológicas sem considerar o lado humano-social.
Iniciou-se, há seis anos, uma negociação direta entre empresa e moradores visando às desapropria­ções. Porém, o que se observa é a força do poder econômico sobrepujando os moradores. A mineradora ofereceu apenas duas opções a essas pessoas: a primeira foi a compra da casa por um valor que não pos­sibilita ao morador comprar outro imóvel, nas mesmas condições, em outro local. A segunda opção foi a transferência desse morador para outro imóvel em um bairro construído para essa finalidade. Porém, de acordo com as entrevistas, o novo bairro é distante, sem recursos e com pouca infraestrutura. A mi­neradora iniciou a desapropriação negociando melhores valores financeiros com setores estratégicos da comunidade, como lideranças e setores econômicos. Acredita-se que a intensão era de desestabilizar a população. Em seguida, a empresa comprou e desativou locais destinados a obras sociais, como centros socioculturais e locais públicos de diversão, fato que deixou os moradores que restaram em situação de vulnerabilidade. Somam-se a esses fatos a poluição e degradação ambiental que deixa o local quase inóspito. Com efeito, os moradores da comunidade se veem obrigados a aceitar as condições impostas pela empresa e deixar o local onde moraram por muitos anos. Como consequência, eles foram privados dos seus valores sentimentais, fato que traz consigo uma violência simbólica.
A seguir, apresentaremos as conclusões sobre o ECTS como metodologia de trabalho em Educação Científica e Cidadania; e as conclusões comuns aos dois grupos que pesquisaram as comunidades C1 e C2 sobre as consequências das atividades mineradoras nessas comunidades.956
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CONCLUSÕES
O design proposto no ECTS requer postura investigativa tanto de alunos quanto de professores. Os professores deixam de ser uma personificação do conhecimento para se tornarem facilitadores e orien­tadores da aprendizagem em um ambiente de ensino marcado pela análise, investigação, elaboração de estratégias, criatividade e resolução de problemas. Nesse paradigma, os alunos desenvolvem formas de organização do pensamento lógico, realizam atividades de relevância educacional, adquirem autono­mia intelectual para fazer pesquisas e despertam a vocação cientifica. O ECTS permitiu, por meio de experiências socioeducativas, melhor interação entre todos os envolvidos (principalmente alunos e pro­fessores) e maior compreensão e domínio de conteúdos escolares. Os contextos criados permitiram aos alunos se posicionarem criticamente diante de questões controversas envolvendo ciência, tecnologia, meio ambiente e sociedade da qual eles fazem parte e são agentes construtores. O projeto permitiu a esses alunos amadurecerem em relação aos seus papéis na sociedade dos quais se destacam as responsa­bilidades socioambientais; o agir comunicativamente e o reconhecimento dos seus deveres de cidadão na construção de uma sociedade justa e igualitária. Nesse sentido, podemos dizer que o ECTS é um modelo didático-pedagógico que contribui para a educação científica crítica dos alunos.
Por fim, o resultado prático do ECTS foi o desenvolvimento, pelos alunos, de vários subprojetos com a aplicação do MP que se revelou uma alternativa para a formação de jovens pesquisadores, um estímulo à “curiosidade” para aprender e uma forma de desenvolver a autonomia dos alunos. Dentre os vários subprojetos realizados, destacamos o MMAS e apresentamos os seus resultados devido à forte presença socioeconômica das atividades mineradoras na região do entorno escolar. A análise dos resultados, realizada pelos alunos, permitiu constatar, por exemplo, que, em ambas as comunidades, os moradores possuem forte identificação com a região devido ao longo tempo de moradia das famí­lias no local; a população apresenta baixa escolaridade; os moradores dependem economicamente das mineradoras e há dificuldades de estabelecer ações comunicativas entre as partes. Também foi possível constatar que a mineração na região é permeada por controvérsias: elas trazem desenvolvimento eco­nômico, geração de empregos e investimentos sociais para a região. Entretanto, o desenvolvimento econômico ocorre à custa de impactos socioambientais; a geração de empregos levou a um monopólio que facilita a dominação e o poder; e os investimentos sociais ocorrem à custa de incentivos fiscais, o que permite questionar as reais intenções das empresas.
REFERÊNCIAS
Collins, H., Pinch T. (2010). O Golem: o que você deveria saber sobre ciência. Tradução de Laura Cardellini Barbosa de Oliveira. - 2 ed. Belo Horizonte: Fabrefactum.
— O Golem à solta: o que você deveria saber sobre tecnologia
Habermas J. (2003). Consciência Moral e Agir Comunicativo. Tradução de Guido A. Almeida. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro
Santomé, J. T. (1998). As origens da modalidade de currículo integrado. In: Globalização e interdisci­plinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre, Artes Médicas.