Núcleo OBEDUC - MG/RJ/RS

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quarta-feira, 10 de junho de 2015

Impacto do Mestrado Profissional em Ensino de Física da UFRGS na prática docente: um estudo de caso

 Confira a Tese no link abaixo:


https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/78481/000899819.pdf?sequence=1

O impacto de um mestrado profissional em ensino de Física na prática docente de seus alunos: uma análise bakhtiniana sobre os saberes profissionais


 Dias Alvarez Schäfer, Eliane; Ostermann, Fernanda O impacto de um mestrado profissional em ensino de Física na prática docente de seus alunos: uma análise bakhtiniana sobre os saberes profissionais Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, vol. 15, núm. 2, mayo-agosto, 2013, pp. 87-103 Universidade Federal de Minas Gerais Minas Gerais, Brasil

Confira esse artigo no link abaixo: 


http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=129528214006

O TEMA DA INTERDISCIPLINARIDADE NAS DISSERTAÇÕES DE MESTRADO PROFISSIONAL


Confira este trabalho no link abaixo:



http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/snef/xxi/sys/resumos/T0410-1.pdf






                                                    Aluno de IC Julio Moreira Apresentando o trabalho no SNEF.

OS MESTRADOS PROFISSIONAIS EM FÍSICA E ASTRONOMIA NO CONTEXTO DOS DEMAIS MESTRADOS PROFISSIONAIS BRASILEIROS.

 Confira no Link abaixo o Trabalho do Núcleo MG - SNEF 2015.


http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/snef/xxi/sys/resumos/T0872-1.pdf

OS MESTRADOS PROFISSIONAIS NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS E O ENSINO NA PERSPECTIVA DA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA



Confira este trabalho no link abaixo:

http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/snef/xxi/sys/resumos/T0652-1.pdf

RACIONALIDADES NA PESQUISA EM FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS

 Confira o trabalho do Núcleo RJ no SNEF 2015.

http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/snef/xxi/sys/resumos/T0328-1.pdf

DESENVOLVIMENTO DE DISPOSITIVOS PEDAGÓGICOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

Confira:


http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/snef/xxi/sys/cursos/popup_curso.asp?curId=CO12

AVALIANDO A QUALIDADE DOS PRODUTOS EDUCACIONAIS COM ENFOQUE CTS DOS PROGRAMAS DE MESTRADO PROFISSIONAL DAS INSTITUIÇÕES DO RIO DE JANEIRO

XXI Simpósio Nacional de Ensino de Física

Confira as fotos do SNEF 2015


Link abaixo: http://dica.ufu.br/index.php/component/content/article/2-uncategorised/24-ciencia-viva

APROPRIAÇÃO DISCURSIVA DE MODELOS DE FORMAÇÃO DOCENTE EM TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE UM MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE FÍSICA

Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Física Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física Mestrado em Ensino de Física
APROPRIAÇÃO DISCURSIVA DE MODELOS DE FORMAÇÃO DOCENTE EM TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE UM MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE FÍSICA
 Dissertação de Mestrado Josiane de Souza Porto Alegre 2015
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Física Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física Mestrado em Ensino de Física APROPRIAÇÃO DISCURSIVA DE MODELOS DE FORMAÇÃO DOCENTE EM TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE UM MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE FÍSICA Josiane de Souza
Dissertação1 realizada sob orientação da Profª Drª Fernanda Ostermann e co-orientação da Profª Drª Flavia Rezende Valle dos Santos, apresentada ao Instituto de Física da UFRGS para preenchimento parcial dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino de Física Porto Alegre 2015
1 Trabalho parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
A todos aqueles que compartilham o meu sonho de que a educação pode transformar o mundo.
Agradecimentos Minha querida mãe Eva, te agradeço por ser quem sou. Sei que tu tinhas teus sonhos, mas os sacrificaste para me dar todas as condições para que eu pudesse realizar meus próprios sonhos. Sei que o caminho não foi fácil, que muitos apertos nós passamos, muita dor, muito sofrimento. Mas, no fim, cá estamos nós, vitoriosas, mostrando ao mundo que somos mulheres de fibra e que nada poderá nos derrubar ou separar. Obrigada por acreditar em mim! Te amo! Professora Fernanda Ostermann e professora Flavia Rezende, parece muito formal assim as chamar, pois nesses anos de convivência vocês foram para mim muito mais do que orientadoras. Me ensinaram a perceber os detalhes tortuosos da vida acadêmica e a encarar com força os problemas, sem perder o sorriso doce e a fala gentil e delicada. Me ensinaram como ser mulher dentro de um ambiente masculino sem perder meu amor próprio. Eu as respeito e admiro imensamente como profissionais e seres humanos.Obrigada pelos incansáveis dias de trabalho e pela compreensão e carinho que sempre tiveram comigo. Obrigada por ampararem minhas lágrimas, por me segurarem quando tropecei e por nunca deixarem de acreditar. Essa conquista é, principalmente, mérito de vocês! Querido Gabriel Reis, encontrar alguém como tu nessa vida é um privilégio. Alguém lá em cima foi muito bom comigo ao te colocar no meu caminho. Só tenho que agradecer teu apoio, tuas palavras doces, te conforto, tua compreensão e toda paciência que tiveste comigo ao longo desses anos. Tu sabes que ainda não acabou (e nem um dia vai acabar) e eu sei que posso contar contigo sempre! Te amo! Jorge, Jeison e Rubian, meus irmãos e minha cunhada, a vida em família é essencial para que nossa personalidade e caráter se forjem. Vocês são alicerces e partes de minha estrutura. Obrigada por estarem sempre presentes (mesmo que implicando, brigando, xingando ou simplesmente amando)! Nonno Ansélio Zilio, a raiz da família, obrigada por sempre me apoiar, mesmo não entendendo o que eu faço, e por sempre me dar carinho. Querida dinda Rosane Fantinelli, todo o apoio e exemplo que me deste me fizeram chegar até aqui. Obrigada por acreditar em mim e por vibrar comigo a cada conquista. Gostaria que soubesse que todas as minhas conquistas, também são tuas! Sandra Oliveira, Camila Oliveira e Lucas Lirio agradeço por terem me recebido na família de vocês de braços abertos e sempre terem demonstrado muito amor e carinho.
Paulo Roberto Lima, Diomar Deconto, Alexsandro Pereira, Nathan Pinheiro e Jader Neto, o que seria de mim sem vocês. Minha vida em Porto Alegre seria muito mais
difícil e triste se não fossem vocês. Com vocês me tornei a rainha dos mendigos, dos lixeiros, tive crises alérgicas com antibióticos, fiquei doente 15 vezes em um ano, tive queimadura de Sol de segundo grau, viajei para vários eventos com uma mala de 26 kg, cheguei de madrugada em um lugar totalmente escuro e com estrada de terra, tirei fotos com flash no avião às 3h da madrugada, expliquei em italiano que meu amigo vestido de pijama não lembrava o número de seu quarto e me diverti muito... Nada disso teria sido possível e pior, não teria sido tão divertido e memorável se não fosse com vocês. Obrigada meus irmãos de coração! Jênifer Matos e Lucas Telichevesky, obrigada por me ajudarem sempre, com dúvidas sobre a Física, com problemas pessoais e a enfrentar esse longo caminho. Esses anos nos proporcionaram momentos para que edificássemos essa amizade, que se tornou sólida e eterna. Estou aqui para o que precisarem. Guardo vocês no meu coração! Sandra Seleri, Luana Tenedini, Priscila Audibert, Denice Saleri e Marina Gonçalves obrigada por me fazerem feliz a cada volta para Carlos Barbosa, obrigada por me acharem louca e ainda assim me amarem. A amizade de vocês me faz forte e me faz acreditar que para sempre existe... Natália Calleya, Felipe Antunes, Ingrid Pelisoli, Frederico Fetter, Bruna Folador, Anelise Audibert, Natacha Dametto e demais colegas da pós, obrigada por dividirem listas, por compartilharem conhecimentos e auxiliarem nas dúvidas. Ninguém tem sucesso sozinho e meu sucesso se deve também a vocês. Obrigada! Professores e colegas do projeto OBEDUC obrigada pelo compartilhamento de conhecimentos, dúvidas, angústias e amizade. Ao longo desses anos pude compreender que a vida acadêmica é linda e gratificante se tivermos as companhias e as colaborações certas. Sou uma pessoa muita grata e feliz por poder fazer parte desse grupo. Vocês são pessoas especiais! Maria Aparecida Duran, ou simplesmente Cida, obrigada por toda gentileza, por todos sorrisos e pelo bom humor cada vez que eu te pedi um documento impossível ou um favor urgente para a elaboração dessa dissertação. Professora Neusa Massoni, obrigada pelas palavras de carinho e por todo apoio em momentos difíceis. És uma pessoa especial com um coração gigante. Espero que nunca percas a fé que tens nas pessoas!! Professora Magale Bruckman obrigada pelo apoio e pelos puxões de orelha. Sabes que tenho uma profunda admiração pelo teu trabalho e pela pessoa que és. Obrigada por acreditar em mim e me mostrar a luz no fim do túnel escuro... Professor Rogério Riffel, obrigada por acreditar em mim e me apoiar. Graças a ti não abandonei o curso de graduação. Obrigada!!
Professor Luis Fernando Ziebell, obrigada por todo incentivo e por toda paciência e compreensão. Obrigada por ser esse professor dedicado e motivador e por ser sério e exigente sem jamais menosprezar ou desmerecer um aluno. És um modelo de profissional! Professor Cláudio Cavalcanti, obrigada pelas palavras de inspiração e pelas aulas de história brasileira. Não posso deixar de agradecer também os momentos de tensão que tivemos, podes ter certeza que a única coisa que restou deles foi uma aluna mais madura e compreensiva,que te admira profundamente. Eliane Alvarez Schäfer obrigada por compartilhar teu trabalho e teu conhecimento. Foste uma fonte de inspiração e instigação. Esse trabalho não existiria se tu não tiveste iluminado o meu caminho.
E para fechar com chave de ouro, gostaria de agradecer alguém que não está mais entre nós, mas que, ainda assim, nunca me deixou sozinha. Querida Nonna Clementina, eu ainda posso ouvir tuas palavras de motivação dizendo que eu deveria aproveitar todas as oportunidades que a vida me desse. Essas palavras me fizeram chegar até aqui e eu te prometo continuar seguindo meus sonhos e fazendo valer a pena cada segundo dessa vida frágil que nós temos. Te prometo que, de onde estiveres, sempre terás motivos para ter orgulho de mim.
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO 5 CAPÍTULO 1 : REVISÃO DA LITERATURA 9 Pesquisando a formação de professores na literatura 9 A formação continuada no cenário internacional 10 A formação continuada em países periféricos 11 A formação continuada em países centrais 15 A formação continuada no cenário nacional 18 Reflexões teóricas acerca da formação continuada 19 Contribuições e dificuldades da formação continuada frente à prática docente 23 Propostas de metodologia, formato e perspectivas para a formação continuada 26 Síntese Crítica 33 CAPÍTULO 2: FORMAÇÃO DE PROFESSORES 36 A profissionalidade docente 36 O Especialista Técnico 39 O Profissional Reflexivo 41 O Professor Intelectual Crítico 44 A formação do professor de Física à luz dos modelos teóricos de formação docente 47 CAPÍTULO 3: QUADRO TEÓRICO - METODOLÓGICO 50 Bakhtin e os enunciados 50 Um dispositivo analítico bakhtiniano 56 Objetivo e questões de pesquisa 57 Procedimentos de análise 58 Identificação dos enunciados 58 Leitura preliminar dos enunciados 61 Contexto Extraverbal 62 Contextos Extraverbais Individuais 68 CAPÍTULO 4: ANÁLISE DOS TRABALHOS DE CONCLUSÃO 70 Análise do trabalho do professor-aluno 1 70 Análise do trabalho do professor-aluno 2 79 Análise do trabalho do professor-aluno 3 84 CAPÍTULO 5: SÍNTESE DOS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS 90 A responsividade dos trabalhos de conclusão 90 A direcionalidade dos trabalhos de conclusão 92 A racionalidade técnica nos produtos 92 A influência dos contextos individuais 94 Considerações Finais 94 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 98 APÊNDICE 1 103 APÊNDICE 2 112
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Lista de quadros e figuras Quadro 1- A autonomia profissional de acordo com os três modelos de professores - adaptada. Quadro 2 - Disciplinas ministradas no MPEF do IF da UFRGS entre 2002 e 2004 Figura 1- Número de dissertações defendidas no MPEF do IF UFRGS de 2004 a 2014 Figura 2 - Autores citados nas dissertações defendidas no MPEF do IF UFRGS
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RESUMO Tem-se percebido uma expressiva expansão de mestrados profissionais (MP) na área de Ensino desde a homologação pela Capes, em 2001, de um documento que afirma a necessidade de desenvolvimento da pós-graduação profissional e o ajustamento do sistema de avaliação às características desse segmento. Considerando que a academia tem designado pouca atenção a essa modalidade de formação continuada, achamos instigante e necessário um trabalho que se voltasse a questões do MP no âmbito dessa área. Por ser pioneiro na extinta área de Ensino de Ciências e Matemática, o MP em Ensino de Física (MPEF) do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi escolhido como objeto de estudo. Esse trabalho teve como objetivo investigar a apropriação discursiva do modelo de formação docente com a qual o MPEF da UFRGS se compromete em três trabalhos de conclusão desenvolvidos por alunos do curso. Através de análise bakhtiniana da proposta inicial do curso e de seu currículo, considerados como contexto-extraverbal, pudemos depreender que o modelo de formação propagado por esse programa de pós-graduação é o do especialista técnico. Em seguida, também através de análise bakhtiniana, pudemos depreender a forma como os professores-alunos se apropriam do discurso propagado pelo programa em seus trabalhos de conclusão, considerados como enunciados. Os resultados de nossa pesquisa apontam que os trabalhos de conclusão analisados apresentam responsividade voltada para os teste de avaliação nacionais e internacionais, para o referencial teórico do trabalho ou para as políticas educacionais, mas não para a realidade das escolas ou questões próprias da sala de aula. Assim como a direcionalidade, que foi voltada à academia, os trabalhos de conclusão geralmente se dirigem à figura do professor orientador e aos docentes do programa, possíveis membros da banca avaliativa. Os contextos extraverbais individuais se mostraram importantes nas escolhas dos professores-alunos sobre conteúdo, referencial teórico e nível de ensino para qual os produtos educacionais foram elaborados. Mas, ainda que esses contextos fossem bem diferentes entre si, todos os trabalhos de conclusão exibem indícios da racionalidade técnica, característica fundamental do modelo do professor especialista técnico. Por ser esse modelo o propagado pelo MPEF, pudemos entender que há fortes indícios de apropriação deste discurso pelos professores-alunos nos trabalhos de conclusão analisados. Palavras-chave: Mestrado Profissional, análise bakhtiniana, formação de professores
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ABSTRACT A significant expansion of professional master’s degree (PM) has been noticed in the Teaching area since the Capes ratification, in 2001, of a document which asserts the necessity of developing the professional post-graduation and of adjusting the evaluation system to this segment’s features. Taking into consideration that the academy has designated little attention to this continuing educational modality, we thought incendiary and necessary a study aiming PM questions within this area. The PM in Physics Teaching (PMPT) from the Physics Institute of Universidade Federal do Rio Grande do Sul, for being the pioneer in relation to the extinct Science and Mathematics Teaching area, was chosen as the object of study. This task had the objective of investigating the discursive appropriation of the teacher training model, which the PMPT at UFRGS engages with three final papers developed by the course students. Through the Bakhtin analysis of the course initial proposal and its curriculum, considered extra verbal-context, we were able to infer that the training model propagated by this post-graduation program is the technical specialist. Then, also through the Bakhtin analysis, we were able to infer the way professors-students appropriate of propagated speech along the program in their course final papers, considered enounced. The results of our research point that the final papers analyzed have responsiveness facing the national and international evaluation exam, the study theoretical reference or the educational policies, but not the reality of the schools or particular classroom questions. As well as the directionality, which was focused in the academy, the course final papers usually head for the teacher advisor and the program teachers, possible members of the evaluative banking. The individual extra verbal contexts showed to be important in order to professors-students choose the subject, theoretical referential and learning level for whom the educational products were developed to. However, though these contexts were very distinct among themselves, all the course final papers have evidence of technical rationality, fundamental feature of the technical specialist professor model. For being this model the one spread by PMPT, we could understand that there are strong evidences of this discourse appropriation by professors-students in the analyzed course final papers. Key-words: professional master's degree, Bakhtin analysis, teacher education
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INTRODUÇÃO Em busca constante pela melhoria da educação básica, as agências de fomento nacionais e internacionais têm colocado o docente no centro das discussões. Maués (2011), no entanto, ao analisar a agenda da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)constatou que este documento não visa ações que garantam formação inicial e continuada de qualidade, nem medidas que busquem trazer maior reconhecimento social à classe docente. Pelo contrário, em diversos países, as regulações advindas desse documento dão destaque à prestação de contas do professor em relação ao êxito ou fracasso escolar (MAUÉS, 2011). Assim, o docente acaba sendo responsabilizado pelo rendimento dos estudantes e sua formação e prática passam a ser componentes nas discussões sobre qualidade educacional. Nessa perspectiva, o investimento da educação continuada proposta pelo Banco Mundial (BM) privilegia o conhecimento do conteúdo das matérias, alegando que ele tem mais influência no rendimento dos alunos do que o conhecimento pedagógico que os professores venham a ter (SANTOS apud REZENDE e OSTERMANN, 2014). Essa política do BM se concretizou em nível de pós-graduação por meio dos mestrados profissionais (MP) na antiga área de Ensino de Ciências e na atual área de Ensino. O mestrado profissional (MP) é uma modalidade de formação stricto sensu, que tem como objetivo suprir as demandas sociais, políticas e econômicas associadas à qualificação de trabalhadores em serviço. Sua origem remonta à década de 90, quando o ensino superior brasileiro passou por diversas mudanças e reformulações legais, sob a influência das agências internacionais de financiamento. Em 17/10/1995, a CAPES, através da Portaria nº 47, publicou a resolução 01/95 regulamentando procedimentos de recomendação, acompanhamento e avaliação de cursos de mestrado dirigidos à formação profissional, associada ao documento intitulado “Programa de Flexibilização do Modelo de pós-graduação Senso Estrito em nível de mestrado”. Esta foi revogada pela Portaria nº 80, de 16 de dezembro de 1998 que dispõe sobre o reconhecimento dos cursos de MP, onde é reiterada a necessidade da formação de profissionais pós-graduados (SEVERINO, 2006, p. 10). Uma das prioridades da CAPES é assegurar as condições para a consolidação dos cursos de MP, garantindo uma resposta positiva à demanda de formação qualificada no país. Entretanto, conceber essa meta significa acompanhar os cursos de pós-graduação, a partir de um sistema de avaliação que seja coerente com os aspectos da concepção, funcionamento, perfil de formação e produção técnico-científica próprios dessa modalidade de curso.
No ano de 2000, a CAPES passou a avaliar a área de Ensino de Ciências e Matemática (NARDI,2011). Essa ação faz parte de um conjunto de medidas ditadas à América Latina pelo Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), sistematizadas no Relatório Delors lançado em 2002 (VIEGAS, SIMIONATO e BRIDI, 2009). Em 2005 o Ministério da Educação e a Secretaria de Educação Básica formularam e implementaram a Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica.
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Em 2007, com a Lei nº 11.502, a CAPES assumiu a missão de induzir e fomentar a formação inicial e continuada de profissionais de magistério e sua valorização em todos os níveis e todas as modalidades de ensino (CLÍMACO, NEVES e LIMA, 2012). Uma das iniciativas desenvolvidas após afirmação desse novo compromisso é o programa de Mestrado Profissional para Professores da Educação Básica que tem como objetivo estimular a oferta de cursos que contribuam para a formação continuada de professores da rede pública e para articulação entre a pós-graduação e a educação básica (CLÍMACO, NEVES e LIMA, 2012). Em outubro de 2008, foi aprovado pelo Conselho Técnico Científico do Ensino Superior da CAPES, um documento geral emitido junto à diretoria de avaliação, denominado Ficha de Avaliação do programa de Mestrado Profissional para o Triênio 2008-2010. Nesse documento, o MP é tratado como um único programa, independente da área a qual se destina. Sendo assim é definido como uma modalidade de pós-graduação stricto sensu que objetiva capacitar para a prática profissional transformadora com foco na gestão e produção ou aplicação do conhecimento usando a solução de problemas ou proposições de inovações (BRASIL, 2008). Como objetivos específicos do MP, são apresentados: - Transferir conhecimento para a sociedade, atendendo demandas específicas de desenvolvimento nacional, regional ou local. - Capacitar profissionais qualificados para o exercício de uma prática profissional transformadora visando atender demandas da sociedade e do mercado de trabalho. - Melhorar a eficácia e a eficiência das organizações públicas e privadas por meio da solução de problemas e geração de inovações. ( BRASIL, 2008)
No entanto, ao avaliarem as novas propostas de MP na área de Ensino de Ciências e Matemática2 e notarem o grande crescimento do número de MPs em relação ao de mestrados acadêmicos3 (MAs), Moreira e Nardi (2009) sentiram a necessidade de estabelecer algumas diretrizes que determinassem uma identidade para essa modalidade de pós-graduação. Segundo os autores, várias propostas de novos cursos de MP se assemelham muito com um mestrado acadêmico. Portanto, a primeira característica que deve ser ressaltada é que o MP não é uma adaptação ou uma variante do MA, nem tão pouco deve preparar o docente para ingressar no doutorado. Outra característica que difere o MP do MA, segundo Moreira e Nardi (2009), é a natureza do trabalho final: enquanto no MA ele é caracterizado por uma dissertação, no MP é um produto educacional, que vise à melhoria do ensino na área de Ciências e Matemática, e um texto relatando a experiência de implementação do produto. A população alvo deve ser constituída por professores em serviço, logo as atividades didáticas devem ser concentradas em um ou dois dias da semana e/ou em períodos de férias para viabilizar a participação dos docentes no curso. Os autores ainda assumem que o currículo deve ter de 30 a 50% da carga horária destinada a disciplinas obrigatórias de conteúdos
2A área de ensino de ciências e matemática da CAPES sofreu uma alteração em 2012, desaparecendo enquanto tal e passando a integrar uma área maior, denominada área de Ensino, que passou a abrigar os programas de pós-graduação em ensino de todas as disciplinas. 366 e 48, respectivamente, dentre 141 cursos e 117 programas, conforme consulta aos dados divulgados no site da CAPES em 14/01/2015 às 20:55h.
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específicos de Física, Química, Biologia e Matemática com enfoque didático, além de disciplinas de natureza pedagógica e epistemológica. Essas últimas com objetivo de dar subsídios aos docentes para elaboração de estratégias e recursos instrucionais inovadores para sala de aula e para que busquem a reflexão sobre o ensino, a aprendizagem e o conhecimento. Os autores chamam atenção para a importância do equilíbrio e integração entre as disciplinas pedagógicas e epistemológicas e as disciplinas de conteúdos específicos. Em vista da importância e abrangência dos cursos de MP na área de Ensino de Ciências e Matemática em contraponto com a pouca atenção que a academia tem dado a essa modalidade de formação continuada(esse ponto será discutido no capítulo de revisão da literatura), achamos instigante e necessário um trabalho que se voltasse a questões do MP no âmbito da atual área de Ensino da CAPES. Por ser pioneiro na área de Ensino de Ciências e Matemática o MP em Ensino de Física (MPEF) do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi escolhido como objeto de estudo desse trabalho. A pesquisa de Schäfer (2013) e os estudos de Schäfer e Ostermann (2013a, 2013b) tornam-se importantes,já que foram realizados no mesmo contexto. As autoras buscaram pesquisar qual o impacto desse curso sobre a prática docente (2013a) e sobre a autonomia profissional dos docentes, cursistas ou egressos (2013b). As autoras realizaram análise bakhtiniana dos discursos produzidos por 20 alunos (cursistas, os quais elas denominam alunos-professores e os egressos) do MPEF a partir de uma entrevista semi-estruturada. Os alunos-professores e egressos relataram que o curso de MPEF contribuiu para a renovação das metodologias e estratégias didáticas de sala de aula, mas veem grande distanciamento entre a realidade escolar que vivem e a formação que obtiveram. A prática desses docentes, segundo Schäfer e Ostermann (2013a), está impregnada de indícios do modelo de professor especialista técnico definido por Contreras (2012). Este fato se dá, pois tanto os saberes oriundos da formação inicial, quanto os saberes definidos pelas instituições onde os docentes trabalham e os saberes da formação continuada (saberes acadêmicos) são marcados pela racionalidade técnica. As autoras afirmam que “a formação obtida no MP representa um reforço às situações vivenciadas pelos alunos-professores nas escolas, como aceitação dos regulamentos burocráticos e o distanciamento em relação ao sentido da profissionalidade” (SCHÄFER E OSTERMANN, 2013b, p.310). Instigada pelos trabalhos acima citados,vários questionamentos surgiram: Será esse um programa comprometido com o modelo da racionalidade técnica? Seu currículo fornece requisitos para tal? E como os docentes em formação assumem, em seu trabalho de conclusão os compromissos que são do programa? Assim, buscamos outra perspectiva para análise dos objetivos e compromissos com os quais o programa de MP da UFRGS está atrelado.
Nosso trabalho, no entanto, não caminha só, uma vez que está inserido em um projeto de âmbito nacional intitulado Impacto dos Mestrados Profissionais em Ensino de Ciências na qualidade da Educação Científica desenvolvido através do Edital do Observatório da Educação 2012 da CAPES/INEP. Trata-se de um projeto em rede, desenvolvido na Universidade Federal Rio Grande do Sul, na Universidade Federal de Minas Gerais, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e no Centro Federal de Educação Tecnológica do
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Rio de Janeiro e conta com a participação de pesquisadores experientes em ensino de Ciências. Neste trabalho, com o objetivo de entendermos o panorama acadêmico sobre a formação continuada e sobre os MPs, realizamos extensa revisão bibliográfica acerca desses assuntos em periódicos nacionais e internacionais. O resultado dessa revisão está apresentado no Capítulo 1 (Revisão da Literatura). No Capítulo 2 (Formação de Professores), apresentamos os modelos de prática e formação docentes delineados por José Contreras (2012) em seu livro “A autonomia de professores”. Em seguida, completando nosso quadro teórico-metodológico, no Capítulo 3, discorremos acerca da filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin e apresentamos um dispositivo analítico baseado em sua obra, que foi utilizado nesse trabalho. Ainda no Capítulo 3, apresentamos as primeiras etapas do procedimento analítico previstas no dispositivo e realizadas em nosso contexto de pesquisa. O Capítulo 4 é destinado à apresentação das análises realizadas em três trabalhos de conclusão desenvolvidos no MPEF da UFRGS e no Capítulo 5 apresentamos a síntese dos resultados obtidos na análise e as conclusões.
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CAPÍTULO 1: REVISÃO DA LITERATURA Pesquisando a formação continuada de professores na literatura A temática formação de professores, que aborda como objetos de pesquisa a formação inicial e continuada de professores, vem se constituindo, desde a década de 90, como a mais profícua no âmbito da pesquisa em educação em Ciências no Brasil. O aumento e valorização deste objeto de pesquisa neste período se devem às políticas de formação e reformas decorrentes da LDB/1996 (SLONGO, DELIZOICOV, ROSSET, 2009). Esta produção, porém, se divide de forma bastante desigual entre a formação inicial e a continuada, sendo a inicial muito mais pesquisada e discutida do que a continuada.
Considerando que o nosso objeto de pesquisa são os cursos de MP para formação continuada de professores, direcionamos essa revisão para a formação continuada e para o MP em ensino de ciências, privilegiando a produção acadêmica divulgada por meio de periódicos científicos. Foi pesquisada grande parte dos periódicos4 nacionais e internacionais da área de Ensino classificados nos extratos A1, A2 e B1 na avaliação da CAPES, no período entre 2009 e 2013.
Nos periódicos nacionais, a pesquisa foi realizada através dos descritores "formação continuada", "formação em serviço" e "mestrado profissional" buscados nas palavras-chave, nos resumos e nos títulos dos artigos. Como nem todos os periódicos pesquisados possuem um campo de busca de palavras nos textos foram lidos títulos, palavras-chave e resumos de
4Extrato A1: American Journal of Physics, Ciência e Educação, Cultural Studies of Science Education, Enseñanza de las Ciencias, International Journal of Science Education, Research in Science Education, Revista Brasileira de Ensino de Física, Revista Electronica de Investigación Educativa, Revista Lusofona de Educação e Science and Education. Extrato A2: Caderno CEDES, Educação em Revista, Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Investigação em Ensino de Ciências, REEC- Revista Electronica de Enseñanza de las Ciencias, Revista Brasileira de Educação, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Revista Electronica de Investigación en Educación en Ciencias e Revista Mexicana de Investigación Educativa. Extrato B1: Alambique, Alexandria, Archivos Analíticos de Políticas Educacionais, Atos de Pesquisa em Educação, Aula- Revista de Pedagogia de la Universidad de Salamanca, Cadernos Brasileiro de Ensino de Física, Contexto e Educação, Currículo sem Fronteiras, Diálogo Educacional, Didasc@lia: Didactica y Educación, Educação em Questão, Educação e Pesquisa, Educação e Realidade, Educação e Linguagem, Educação e Sociedade, Educación y Futuro, Experiências em Ensino de Ciências, Gondola: Enseñanza y Aprendizaje das Ciencias, Imagens e Educação, Interfaces da Educação, Journal of Baltic Science Education, Latin American Journal of Physics Education, Linhas, Movimento, Nuances- Estudos sobre Educação, Práxis, Práxis Educativa, Problems of Education in the Twenty First Century, Pró-posições, Psicologia Escolar e Educacional, Reflexão e Ação, Revista Brasileira de Pós-Graduação, Revista Brasileira de Ensino de Ciências e Tecnologia, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Revista Chilena de Educación Científica, Revista Contemporânea de Educação, Revista de Educação Pública, Revista de Enseñanza de la Fisica, Revista Eletrônica de Educação, Revista Iberoamericana de Educación, TED: Tecné, Episteme y Didaxis, Eureka e Voces y Silencios.
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todos os números e volumes dos periódicos citados na nota de rodapé no período indicado. Foram, então, selecionados todos os artigos que tratavam de formação continuada, mestrado profissional ou formação em serviço de professores de ciências, biologia, física e química. Deixamos claro que os periódicos de ensino de matemática e os artigos acerca dessa modalidade não foram incluídos em nossa revisão, pois decidimos fazer o recorte bem definido nas disciplinas que compõem apenas a área de ensino de ciências. Nos periódicos internacionais, a pesquisa foi realizada através dos descritores "in service teacher education", "master degree", "formación contínua", "formación in servicio" e "formación permanente", buscados nas palavras-chave, nos resumos e nos títulos dos artigos. Certa diferença na escolha dos descritores nos periódicos internacionais se deve ao fato de que a configuração formativa docente internacional difere muito da configuração formativa docente brasileira e, portanto, as nomenclaturas e políticas também divergem. Devido a essa diferença, mesmo com a grande maioria de periódicos apresentando área de busca de palavras no texto, foi necessária a leitura dos títulos, dos resumos e, em alguns casos, de algumas seções dos artigos. Somente dessa forma pudemos averiguar se o conteúdo do artigo se relacionava com a presente revisão. Alguns artigos sobre políticas, estrutura e formulação da formação continuada ou seus equivalentes em outros países foram incluídos, pois consideramos que enriqueceria a nossa revisão. Organizamos os artigos em duas seções: “Cenário Internacional” e “Cenário Nacional”. Não necessariamente os artigos acerca do cenário nacional foram encontrados em periódicos nacionais, nem a totalidade de artigos acerca do cenário internacional foi encontrada em periódicos internacionais. Deixamos claro que essa divisão é feita sobre o assunto a que se referem os artigos encontrados e não aos periódicos pesquisados. Agrupamos 12 artigos referentes ao cenário internacional e 30 artigos acerca do cenário nacional, resumidos e comentados nas próximas seções. No final do capítulo, buscamos fazer uma análise crítica do conjunto de artigos revistos e assim proporcionar um panorama das questões centrais da formação continuada que têm sido tomadas como objeto de reflexão pelos pesquisadores da área. Buscamos, com esta revisão, traçar um panorama do contexto acadêmico atual no qual se dá o desenvolvimento deste trabalho. A formação continuada no cenário internacional
No Brasil, a política de formação continuada mais forte e importante atualmente é os cursos de MP para professores em serviço. Sua origem remonta à década de 90, quando o ensino superior brasileiro passou por diversas mudanças e reformulações legais, sob a influência das agências internacionais de financiamento. Essas reformas são evidenciadas a partir das diretrizes de reformulação do Estado e da educação superior difundidas pelo Banco Mundial para os países periféricos. Segundo Inzunza et al (2011), essas políticas são suportadas pelo neoliberalismo, que aponta que a liberdade individual geraria a competência
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necessária para alcançar maiores níveis produtivos. Dessa forma, a educação passou a ser um tipo de investimento e a questão da qualidade educacional se tornou uma bandeira política dos governos que proporcionaram as reformas na década de 90 nos países periféricos.
Entre os artigos pesquisados, os trabalhos que tratam da formação continuada em outros países que não o Brasil relatam processos formativos desenvolvidos no Chile, na Argentina, em Portugal, em Angola, na Espanha, na Estônia, na República Checa, na Turquia e na Colômbia. Dados do site do Banco Mundial5 classificam o Brasil, Argentina, a Colômbia, a Turquia, a Angola como países periféricos. O Chile, a Espanha, a Estônia, a República Checa e Portugal são classificados como países desenvolvidos e fazem parte da OCDE. Para facilitar a leitura, dividimos a seção em duas subseções: a primeira reúne os artigos que abordam a formação continuada de professores em países ditos periféricos e a segunda, que relata processos de formação continuada em países considerados centrais de acordo com a atual divisão feita pelo Banco Mundial tratada acima. A formação continuada em países periféricos
Uma perspectiva latina sobre a formação continuada é trazida por Lorenzo (2008), em artigo escrito sobre a Argentina, mais especificamente acerca da Faculdad de Farmacia y Bioquímica da Universidad de Buenos Aires. Com o intuito de estabelecer e consolidar uma relação transformadora entre a universidade e a sociedade, superando as práticas tradicionais da cultura universitária, foi criado em 2004, o Centro de Investigação e Apoio à Educação Científica, que tem como objetivos principais: desenvolver investigação didática na área das ciências para produzir conhecimentos que contribuam para o melhoramento da qualidade do ensino, coordenar a transferência de conhecimento entre os níveis educacionais, respondendo à necessidade de cada setor, promover a realização de doutorados na área e constituir um centro de apoio e referência para as ações relacionadas à educação científica. Segundo a autora, a formação científica e acadêmica dos professores argentinos não se encontra, muitas vezes, no nível de exigência dos tempos atuais. E esse fato se dá devido aos professores estarem submetidos a dar aulas em contextos diferentes de sua formação; alguns formados para dar aula na graduação estão realocados no ensino médio e muitos que estão ministrando aulas no ensino médio acabam não o fazendo em sua disciplina de formação. Em geral, todos compartilham na formação uma visão dissociada entre os conteúdos disciplinares e os pedagógicos (LORENZO, 2008). Nesse ponto a autora traz a importância da formação continuada, ao dizer que os professores da escola básica devem ser capazes e estar devidamente preparados para transmitir uma visão motivadora da Ciência, mas para isso, devem ter desenvolvidas as capacidades e conhecimentos necessários para a docência, bem como devem estar incluídos em atividades de pesquisa e inovação educativa. Para tal, a universidade deve comprometer-se com a atualização e capacitação permanente dos professores em atividade, não de forma autoritária, mas através do modelo de integração
5http://www.bancomundial.org acessado em 26 de setembro de 2014.
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multinível, no qual os docentes de diferentes níveis interagem de forma democrática e colaborativa na implementação de um projeto comum. Em outro artigo sobre a Argentina, Chaile e Javi (2013) relatam um curso de formação em serviço para professores da área de Física acerca das Energias Renováveis. Os autores utilizaram uma plataforma online e momentos de avaliação presencial, individual e em grupo, como métodos de implementação do curso. Segundo Chaile e Javi (2013), a humanidade quase está alcançando o pico de produção do petróleo, chegando ao fim da era do petróleo barato e do aquecimento global, produto da combustão e alta liberação de dióxido de carbono na atmosfera. Frente a este panorama, a educação sobre energias renováveis se torna uma estratégia em busca da transição, que possibilite, além da aprendizagem de saberes específicos, a assimilação de comportamentos e valores implícitos em estilos de vida que façam uso racional da energia e busquem uma vida sustentável. Assim, segundo os autores, esse se torna um conteúdo com grande demanda de capacitação docente de diferentes níveis. Segundo Chaile e Javi (2013), energias e energias renováveis são conteúdos que vamos conhecendo na medida em que os pesquisadores em centros universitários vão realizando pesquisas e os organismos e associações interessadas na preservação da natureza, do habitat e do ambiente são ouvidos. Para os autores, as TIC mostram-se eficazes e benéficas quando assuntos dessa alçada são propostos em atividades de ensino e aprendizagem, pois a oportunidade de oferecer um curso online para difundir os saberes das energias renováveis permite fortalecer o conhecimento docente sobre o uso de ferramentas tecnológicas para interpretar o desenvolvimento dos conteúdos dinâmicos em questão.
Em outra perspectiva, Lombana et. al. (2011) apresentam os resultados de um programa de formação continuada para professores de ciências naturais que integrou o trabalho em Museus da cidade de Medellín na Colômbia. Segundo os autores, são escassos em seu país os trabalhos colaborativos entre universidade e museus, dirigidos a qualificação de professores de ciências, com o propósito de utilizar estes novos cenários como ferramentas didáticas de trabalho para fomentar a educação em ciências e artes. Por isso se torna tão interessante e necessário que os pesquisadores da área comecem a pensar e discutir esse assunto. O curso desenvolvido e implementado por Lombana et. al. (2011) permitiu a reavaliação do papel educativo das instituições museísticas. Segundo os autores, as visitas realizadas nos museus fazem parte da educação formal na medida em que se articularam com os alinhamentos curriculares e com os conteúdos e objetivos de cada nível educativo. Nesse contexto, cada museu se converteu em um espaço de aprendizagem, onde cada professor desenvolveu seu trabalho docente sem recorrer à ajuda dos auxiliares do museu (LOMBANA et al., 2011). Segundo os autores, a formação continuada de professores no campo museu-escola fez surgir uma modalidade de atividades diferente das propostas pelo museu ou desenvolvidas pelos professores em sala de aula. O curso permitiu uma mudança de concepção acerca dos museus, onde esses passaram a configurar, mais do que o espaço de centros culturais, centros de apoio ao trabalho docente que se desenvolve no âmbito escolar. Para Lombana et. al. (2011), o professor com adequada fundamentação e formação pode apoiar suas aulas e propostas didáticas para aprendizagem das ciências com a visita a museus,
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articulando o conteúdo conceitual disposto nos museus com o conteúdo curricular do sistema educativo. A 3rd. Regional Conference of Southern Cone on Active Learning Physics, realizada em 2010, serviu de palco para a pesquisa realizada por Tecpan et. al. (2012). Esses autores buscavam investigar as atitudes de professores em processos de formação continuada sobre estratégias de aprendizagem.O workshop sobre Eletricidade e Magnetismo, realizado no âmbito da conferência, com 39 professores da escola básica inscritos, se mostrou um ótimo meio de adquirir os dados necessários à sua pesquisa. Para os autores, estratégias de aprendizagem ativa geram atitudes positivas acerca da ciência, pois os alunos se envolvem no processo de aprendizagem e têm a oportunidade de ver as relações da física com o mundo real. Tecpan et. al. (2012) afirmam que as atitudes se integram por três componentes: cognitivos, conceituais e afetivos, e que esses podem se manifestar através das opiniões. Os dados para investigação foram obtidos através de questionários preenchidos pelos docentes cursistas antes e após o curso. Ao analisá-los, os autores encontraram mais de 140 frases instigantes com mais de 330 contribuições individuais que levaram às conclusões do estudo. O workshop foi ministrado com o cuidado para que, tanto os conceitos metodológicos e de ensino quanto os conceitos disciplinares fossem abordados. Segundo os autores, esse foi considerado um dos pontos altos do curso, pois auxiliou no desenvolvimento do conhecimento conceitual por parte dos docentes cursistas e os levou a uma maior reflexão acerca das estratégias didáticas e de como poderiam implementá-las em seu próprio contexto de ensino. Os docentes, apesar disso, mostraram grande dificuldade em caracterizar as concepções alternativas de seus alunos e escolher qual a estratégia que melhor se encaixaria na sua realidade, limitando-se a valorizar conceitos que em sua opinião seriam mais difíceis para compreensão dos discentes. Tecpan et. al. (2012) consideram que essas dificuldades são necessárias para que o processo de mudança da prática ocorra e as estratégias didáticas vistas no workshop possam ser implementadas no seu dia-a-dia.
O impacto da formação sobre a prática também aparece em um trabalho de Dogan et. al. (2013), pesquisadores turcos ligados a diferentes universidades da Turquia. Esses autores analisaram como um workshop de Verão, acerca da Natureza da Ciência (NDC), pode influenciar a opinião e prática dos docentes. O curso, realizado na Turquia (os pesquisadores não explicitam em qual cidade ou estado) para professores de ciências, foi ministrado de forma a fortalecer nos professores participantes concepções acerca da NDC e propor a reflexão através da prática. Os autores afirmam que melhorar e refletir sobre suas concepções e ainda ter que adequar a prática pedagógica simultaneamente pode ser algo difícil, mas que com exemplos e reflexões conceituais e práticas é possível que isso ocorra. Após análise de entrevistas, de questionários e das práticas docentes realizadas pelos participantes, os autores concluíram que os docentes apresentaram melhorias substanciais em seu entendimento acerca da NDC e que dois deles obtiveram uma compreensão mais aprofundada e a traduziram em suas práticas pedagógicas. O caso desses dois professores se torna especial para Dogan et. al. (2013) na medida em que é louvável que os professores, mesmo tendo ouvido pela primeira vez no workshop algo sobre a NDC, tenham incorporado em sua prática conceitos e elementos que puderam aprender durante o curso de Verão que durou apenas uma semana.
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Para os autores, os conceitos ligados à NDC são de extrema importância para a boa formação do professor de ciências e devem ser incluídos tanto em sua formação inicial quanto na continuada. Dogan et. al. (2013) afirmam que os programas de desenvolvimento profissional e os programas de educação científica devem oferecer a oportunidade para que professores em formação reflitam sobre as suas práticas utilizando componentes da NDC. Para suprir as deficiências da formação dos professores de Física de Angola, Nzau et al (2012) defendem um modelo alternativo de formação continuada, mais próximo à realidade vivida pelos docentes daquele país. Angola viveu durante muito tempo em guerra e logo após passou por um longo período colonial que deixou o país social e economicamente fragilizado. Na área da educação, a fragilidade também se instalou, e, segundo os autores, todas as medidas tomadas atualmente pelo governo para tentar melhorar a qualidade da educação podem ser traduzidas em um conjunto de medidas administrativas e pedagógicas que não acompanha os resultados das investigações recentes em educação e ensino. A falta de uma adequada formação acadêmica e metodológica fragiliza o desenvolvimento profissional dos docentes e afeta a aprendizagem dos alunos. Sendo essa situação emergencial no país, um modelo simples de formação de professores, que se adeque à necessidade de formar professores em um curto intervalo de tempo se torna um desafio tanto para políticos e encarregados da educação, quanto para os professores e pesquisadores da área. Dessa forma, Nzau et al (2012) buscam, através de seu estudo, uma forma de resolver esse problema sugerindo um modelo de formação que atinja os professores em serviço levando em consideração as condições educativas de Angola. Essas condições são muito precárias, nas escolas quase não há material bibliográfico nem tão pouco materiais de laboratório e as TIC têm pouquíssima expressão. A alternativa encontrada por esses autores foi recorrer à teoria dos campos conceituais de Vergnaud, que afirma que o conhecimento encontra-se organizado em campos conceituais e que o sujeito se apropria desses campos através de experiência, maturidade e aprendizagem. Os conceitos são construídos, nessa perspectiva, quando o sujeito é exposto a situações-problema, pois ao enfrentá-las, ele procura interpretá-las através de significados e representações, mobilizando assim, vários conceitos relacionados entre si e outras situações-problema em que já obtiveram sucesso (NZAU, LOPES e COSTA, 2012). Os autores realizaram um estudo, aplicando em um curso de formação continuada, o modelo didático específico e utilizando o campo conceitual específico centrado no conceito particular de força. Com essa aplicação, puderam verificar que além da formação inicial em Física de Angola ser muito deficitária, há urgência de melhoria na formação continuada de seus docentes. O modelo proposto se mostrou promissor, pois foi eficaz na formação dos docentes e em suas práticas em sala de aula, que consequentemente, melhoraram a aprendizagem dos alunos. Segundo os autores, qualquer país de terceiro mundo com condições parecidas às de Angola poderia facilmente aderir a esse modelo formativo, desde que recorressem a especialistas que possam contribuir para a elaboração de modelos didáticos específicos adaptados à sua realidade educativa e cultural (NZAU, LOPES e COSTA, 2012).
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A formação continuada em países centrais O Chile foi um dos primeiros países latino-americanos a figurar como desenvolvido no ranking do Banco Mundial e a compor a OCDE, em 2010. Logo, na década de 90, quando as reformas educacionais foram propostas, o Chile ainda fazia parte do grupo de países periféricos. Após a Reforma da Educação, a formação continuada passou a ser apoio funcional às diversas políticas públicas implementadas. Inzunza et al (2011) afirmam que a maior parte dos programas propostos pelo Ministério da Educação chileno foram executados por agências externas e numa perspectiva mais compensatória do que modificando os elementos estruturais essenciais que atingiriam as desigualdades econômicas, sociais e culturais. Além do aumento de cursos de formação continuada para preparação para os novos programas implementados, um sistema de avaliação docente foi criado, a nível municipal, e os professores que não obtivessem uma nota mínima deveriam realizar cursos de aperfeiçoamento profissional para se adequar à exigência governamental. Segundo os autores, os professores chilenos foram concebidos como fator fundamental nos resultados acadêmicos dos alunos e o currículo, essencialmente, o conceito de currículo da transmissão e didática de conteúdos, ganhou importância considerável na formação inicial e continuada desses docentes que buscam principalmente formação na área do conteúdo específico. Muitas instituições privadas encontraram excelentes oportunidades de lucro, oferecendo aos professores uma formação conteudista, que não necessita de grandes recursos, ou seja, a oferta de cursos aumentou, mas, ao contrário do que o neoliberalismo prega, a qualidade e diversificação dos mesmos não. Temas como diferenças socioeconômicas e seus efeitos na aprendizagem, necessidades educativas especiais, diferenças regionais, entre outros, continuam sendo tratadas de forma marginal pelo currículo de formação, inicial e continuada, chileno, segundo os autores. Inzunza et al (2011), após longa pesquisa estatística e qualitativa, propõem um currículo que se enquadraria nas necessidades reais das escolas e contribuiria para a melhoria da qualidade das escolas chilenas. Para eles, três são os pontos que devem ser melhorados: as políticas nacionais devem ser formuladas pensando não com uma visão tecnicista do professor, mas o docente como um ser reflexivo e crítico e as melhorias escolares devem ser pensadas a partir da realidade escolar e integradas ao trabalho docente.
Em Portugal, as Orientações Curriculares para as Ciências Físicas e Naturais proporcionaram uma nova perspectiva sobre o ensino de ciências a partir de 2002. Segundo Baptista e Freire (2011), este novo currículo fomenta uma abordagem construtivista; enfatiza o desenvolvimento de competências de conhecimento, raciocínio, atitudes e comunicação; promove tarefas de investigação; integra a perspectiva Ciências, Tecnologia, Sociedade e Ambiente e valoriza a avaliação como aprendizagem. Para as autoras, no entanto, as alterações propostas para o ensino de ciências só podem dar certo se houver intenso trabalho colaborativo entre os professores do ensino básico e os pesquisadores da área de ensino das Universidades. Baptista e Freire (2011) assumem que a colaboração pressupõe tomada de decisão conjunta, partilha de informação, comunicação, onde vários participantes, sem relação hierárquica, trabalham em conjunto para atingir os mesmos objetivos. Dessa forma, a colaboração entre investigadores e professores é importante para ambos. Para os professores,
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porque lhes permite refletirem sobre sua prática, partilharem experiências, implementarem novas propostas, enriquecerem a própria prática e tornarem públicas as suas ideias (BAPTISTA e FREIRE, 2011). Para os investigadores, além de se sentirem úteis na prática docente, ficam próximos aos professores tornando sua investigação mais profunda e real. Nesse trabalho, as autoras buscam conhecer quais as perspectivas dos docentes de nível básico acerca do papel do trabalho colaborativo para seu desenvolvimento profissional. Para obter os dados de investigação, Baptista e Freire (2011) realizaram um curso de formação constituído de três fases: na primeira fase os professores e as pesquisadoras analisavam e discutiam aspectos relacionados com investigação educacional e planejavam um conjunto de tarefas de investigação adequadas ao seu contexto de ensino; na segunda fase essas tarefas foram implementadas pelas docentes e na terceira fase as docentes e as investigadoras refletiam acerca da implementação da tarefa didática. Após a analise dos dados obtidos durante as três fases do curso, Baptista e Freire (2011) concluíram que o curso de formação continuada de fato permitiu às professoras a vivência de experiências positivas, indo ao encontro das necessidades docentes e promovendo seu desenvolvimento profissional. No curso desenvolvido as realidades de cada docente foram respeitadas bem como o seu ritmo, o que gerou um clima de confiança entre elas e as investigadoras. Esse clima propiciou que as professoras explicitassem de forma natural seus receios e reflexões, o que facilitou a transposição de obstáculos e a aquisição de novas aprendizagens. Segundo as autoras, as aprendizagens das docentes durante o processo de colaboração promoveram as mudanças em suas práticas, que conduziram ao desenvolvimento profissional. Portanto, o trabalho colaborativo entre docentes e pesquisadores foi muito importante, já que promoveu ao pesquisador o acesso à realidade dos docentes e aos docentes o desenvolvimento profissional.
A parceria escola universidade é trazida também por Pombo e Costa (2009), ao fazerem uma análise do impacto positivo dos cursos de mestrado na prática profissional dos professores de Portugal. Segundo as autoras, as universidades portuguesas passaram a oferecer maior número de cursos de formação pós-graduada na década de noventa. Logo, essa modalidade passou a ser requisitada não somente por professores que almejavam o nível superior, mas também por docentes que queriam melhorar seu desempenho profissional no ensino básico. Assim, a preparação nesses cursos passou também a contribuir para o desenvolvimento dos professores em termos do seu desempenho em funções educativas nas escolas, o que estabeleceu articulações entre a investigação educacional e as práticas dos professores (POMBO e COSTA, 2009). Consequentemente, a maioria dos professores mestres, após finalização do curso, continua participando de trabalhos de investigação e todos mantêm ligações profissionais com a instituição responsável por sua formação de mestrado, o que, na opinião das autoras, é um impacto positivo dessa modalidade de formação. Outro impacto positivo trazido pelas autoras é que os professores mestres consideram ter maior reflexão crítica sobre o processo de ensino e aprendizagem, maior fundamentação didática e, portanto, maior confiança em discussões dentro de grupos disciplinares após a realização do mestrado. Quanto ao curso, os professores mestres acreditam que suas expectativas iniciais foram cumpridas, e obtiveram amadurecimento profissional, aprofundamento de conhecimentos e estabeleceram correlações entre as temáticas abordadas e as práticas letivas
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apresentadas. Ainda, consideram que o impacto positivo na sua prática, proporcionado pelas disciplinas ministradas no curso de mestrado, foi maior quando as linhas de investigação se relacionavam à abordagem CTS, ao trabalho prático no ensino de ciências, às tecnologias da informação e comunicação (TIC) e à resolução de problemas. Não são raros os casos em que falta coerência entre a oferta de cursos para formação de professores em serviço e a necessidade real demandada das diferentes instâncias da comunidade educativa. Preocupados em validar a metodologia de triangulação nos estudos acadêmicos, González et. al. (2009) realizaram um estudo que abordou rapidamente os contrastes entre os cursos de formação continuada oferecidos pela Comunidade de Madrid, Espanha, e as necessidades sentidas pelos docentes da educação básica. Segundo os autores, o sistema de formação em serviço carece de avaliação, principalmente de avaliação sobre o impacto desses cursos para a educação básica. Nem mesmo os Centros de Atualização de Professores (CAPs), responsáveis pela oferta desses cursos na Comunidade de Madrid, têm responsabilidade legal para qualquer avaliação sobre impacto e, portanto, omitem-se. Assim, os autores optaram por recolher os dados através de entrevistas, questionários e grupos de discussão, com professores da educação básica, diretores do CAPs e outros personagens do processo de formação em serviço. Após análise, González et. al. (2009) concluíram que a formação em serviço é apenas um elemento na questão da qualidade e que as escolas configuram unidades organizativas complexas cujo funcionamento e características são cruciais para que se alcancem os objetivos da prática educativa. Sobre a formação e atualização contínua dos professores, os docentes em formação melhor avaliam as propostas que são ministradas na sua escola e desenvolvidas através de programas e projetos elaborados por eles mesmos. Assim, o papel da escola, da sua equipe diretiva e dos facilitadores do processo de formação são valorizados e suas qualidades são colocadas como determinantes nesse processo.
Preocupada em ajudar os professores em formação inicial e continuada a melhorar sua prática, Nezvalová (2011) levantou, documentou e compartilhou o conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK) dos professores de ciências da República Checa para torná-lo acessível tanto aos docentes quanto aos pesquisadores. A autora considera que o ensino de ciências tem um papel crucial a desempenhar na formação do desenvolvimento futuro da sociedade, logo a educação científica e a formação do professor de ciências ganham papel de destaque em qualquer discurso de qualidade que aceite essa perspectiva. Nezvalová (2011) afirma que uma nova maneira de ensinar e aprender sobre a ciência reflete como a própria ciência é feita, enfatizando a investigação como uma forma de alcançar o conhecimento e a compreensão sobre o mundo. A atualização de programas de formação de professores em ciências voltados para PCK pode, segundo a autora, auxiliar na tradução e transformação do conhecimento científico específico pelos docentes em unidades significativas de instrução. Para tal, ela sugere uma proposta de formação continuada pautada no PCK e que utilize a pesquisa-ação como metodologia de ensino. Nezvalová (2011) afirma que essa é uma das poucas metodologias que voltam à atenção, tanto do docente pesquisador quanto do docente cursista, para o conteúdo pedagógico. Nesta proposta, a autora também integra a “teoria” e “sala de aula prática”, o que normalmente não ocorre nos processos formativos e é motivo de queixa
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de muitos docentes que procuram cursos de formação continuada. Nezvalová (2011), por fim, sugere que os participantes, incluindo o investigador, devam ser confrontados com dificuldades (ou sucessos) no ensino de temas específicos da ciência e esses temas devem gerar workshops, estudos dirigidos e grupos de discussão. Estas abordagens, segundo a autora, auxiliam no desenvolvimento de PCK dos professores de ciências. Os resultados do teste internacional sobre Ensino de Ciências (PISA) apontaram que os alunos do nono ano da Estônia são excelentes em conhecimento fatual e conceitual, mas fracos na solução de problemas e na tomada de decisões fundamentadas, o que sugere falta de uso significativo das evidências científicas em seu raciocínio e argumentação (LAIUS e RANNIKMÄE, 2011). Pautados nesses dados, Laius e Rannikmäe (2011) realizaram um estudo onde buscaram avaliar o impacto de um curso de formação continuada na prática docente e sobre os ganhos da alfabetização científica e tecnológica (ACT) dos alunos, inter-relacionados com a criatividade científica e o raciocínio científico-social. Para aquisição de dados e realização da pesquisa, os autores elaboraram um curso de formação continuada pautado em ACT e o ministraram para alguns professores de ciências, especificamente do nono ano. Após a finalização do curso, os pesquisadores foram para as escolas e aplicaram um teste, similar ao PISA, com os alunos dos docentes cursistas. Por fim, analisaram e compararam quantitativamente as notas que os alunos tiraram antes (PISA oficial) e após (teste próprio) seus professores terem passado por esse processo formativo. Segundo os autores, esse exame externo denominado PISA tem grande importância social, principalmente, para os países como a Estônia que vivem uma era pós-soviética, e, portanto, seus resultados são também merecedores de pesquisas e melhorias. Lauis e Rannikmäe (2011) chegaram à conclusão de que a mudança profissional sofrida pelos docentes no curso de formação continuada teve um impacto positivo nos índices de criatividade científica e raciocínio sócio-científico dos alunos. O desenvolvimento desses dois índices foi proporcional ao comprometimento do professor e maiores se mais de um docente da escola trabalharam de forma coletiva nessa mesma perspectiva. Para os autores, a formação continuada pautada em ACT se torna algo eficaz no contexto estoniano, pois contribui para o desenvolvimento da criatividade científica e do raciocínio sócio-científico, fatores avaliados pelo PISA. A formação continuada no cenário nacional Sobre a formação continuada no Brasil, encontramos 30 artigos nos periódicos pesquisados. Para tornar o texto mais claro e organizado dividimos essa seção em três subseções: artigos que trazem reflexões teóricas acerca da formação continuada de professores de ciências, artigos analíticos sobre as contribuições da formação continuada para a vida docente e para a academia e artigos que propõem metodologias, formatos e perspectivas para os cursos de formação continuada.
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Reflexões teóricas acerca da formação continuada Para compor essa subseção encontramos quatro artigos, o que indica que a reflexão teórica não é um tipo de trabalho frequente na produção acadêmica da área de ensino de ciências. Um deles faz uma reflexão acerca dos Mestrados Profissionais em Ensino de Ciências e Matemática e os outros se dedicam à revisões da literatura acerca da modalidade formação continuada. O artigo de Ostermann e Rezende (2009) busca a reflexão sobre os cursos de MP em Ensino de Ciências e Matemática através da discussão sobre a natureza de seus produtos e a relação dos mesmos com projetos de desenvolvimento e de pesquisa. O artigo de Carmo e Selles (2011) se dedica à investigação das perspectivas adotadas pelos pesquisadores acerca da formação continuada de professores de ciências e biologia nos artigos publicados em periódicos nacionais no período entre 1999 e 2009. O artigo de Slongo, Delizoicov e Rosset (2010) é composto por um estudo exploratório que analisou a produção acadêmica sobre formação de professores das ciências naturais publicada nas atas do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências de 1997 a 2005. Por fim, o artigo de Langhi e Nardi (2012) busca apresentar as etapas da trajetória formativa de professores através da revisão teórica dos autores que são referências para o Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências, da Faculdade de Ciências da UNESP.
Ostermann e Rezende (2009) iniciam seu estudo contextualizando o momento de criação do primeiro MP do Brasil. As autoras afirmam que após a homologação em 2001 pelo Conselho Superior da CAPES de um documento que explicitava a necessidade de desenvolvimento da pós graduação profissional, a demanda pela criação de novos cursos de MP aumentou. No entanto, apenas em 2002, quando foram estabelecidos o perfil e os instrumentos de avaliação da pós-graduação profissional, é que a Universidade Federal do Rio Grande do Sul cria o primeiro MP em Ensino de Física do país. Após esse momento, muitos outros programas de MP vinculados à área de Ensino de Ciências e Matemática foram criados. Segundo as autoras, em 2009, existiam 26 desses programas em todo o Brasil. No entanto, Ostermann e Rezende (2009) afirmam que a natureza dos cursos de MP em Ensino e seu possível impacto na sociedade brasileira configuram assuntos com pouca profundidade de reflexão na produção acadêmica das áreas de Educação e Educação em Ciências. Considerando que um dos critérios da CAPES para avaliação dos MP em Ensino é que os trabalhos de conclusão devem apresentar alta qualidade, resultando em publicações didáticas, em periódicos e produtos educacionais, a proposta das autoras é fomentar a discussão acerca da natureza do trabalho de conclusão dos cursos de MP em Ensino, sua relação com projetos de desenvolvimento e de pesquisa, com a prática educativa e com a realidade escolar. Segundo as autoras, a forma que os programas encontraram de colocar a legislação da CAPES em prática nos programas de MP em Ensino foi a obrigação de desenvolvimento de um produto educacional estreitamente relacionado aos trabalhos de conclusão do curso. Essa obrigação carrega consigo um visão tecnicista do ensino que, segundo Ostermann e Rezende (2009), deve ser superada. Para as autoras, essa superação pode ser conquistada se o trabalho final partir da imersão do professor em sua realidade escolar e o desenvolvimento a ser proposto tiver como principal referência os problemas enfrentados no dia-a-dia do docente. O
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que, de fato, pouco acontece, pois, é bastante usual encontrarmos produtos que contemplam unicamente a eficiência do método de ensinar determinado conteúdo, desconectado da realidade escolar (OSTERMANN e REZENDE, 2009). Outra questão que poderia auxiliar na superação do viés tecnicista, segundo as autoras, é a utilização de referenciais epistemológicos e referenciais teóricos atuais sobre ensino e aprendizagem e sobre avaliação. Os primeiros trariam visões contemporâneas sobre a natureza da ciência auxiliando na fundamentação de novas práticas educativas. Enquanto os segundos fundamentariam metodologias de ensino e sustentariam a concepção do produto educacional, orientando a seleção de conteúdos e estabelecendo novas formas de avaliação. Por fim, Ostermann e Rezende (2009) afirmam que a fronteira entre pesquisa e desenvolvimento em ensino de ciências é tênue. Para as autoras jamais um projeto de desenvolvimento pode ignorar os resultados de pesquisa, uma vez que as tendências de pesquisa em ensino acabam, muitas vezes, sendo temas das dissertações elaboradas por estudantes do MP em Ensino. Por outro lado, os pesquisadores não devem ficar alheios a estes projetos, já que podem significar o surgimento de novos e relevantes objetos de estudo.
Carmo e Selles (2011)se debruçam sobre os resultados de pesquisa acerca da formação continuada de professores de ciências e biologia, pois acreditam que os desenhos teórico-metodológicos dessas pesquisas informam entendimentos diferenciados a respeito das racionalidades que sustentam a formação docente. A abrangência e representatividade dos periódicos das áreas de Educação e Ensino de Ciências e Matemática faz com que os autores escolham os mesmos como fonte de estudos. O recorte temporal escolhido por eles é o período que compreendido entre 1999 e 2009, das revistas de Qualis A1, A2, B1 e B2 na avaliação da CAPES. Ao analisar os 13 artigos encontrados e refletir acerca de suas contribuições sobre a formação continuada de professores de ciências e biologia, os autores distinguem em três grupos as concepções teóricas que atravessam as pesquisas e as análises realizadas pelos pesquisadores dos artigos encontrados. O primeiro grupo é composto pelos que defendem a formação continuada a partir de perspectivas de natureza desenvolvimentista, segundo a qual, a aprendizagem docente, implícita nas atividades formativas, se associa a questões de natureza cognitiva ou pela apropriação de pressupostos históricos e filosóficos da ciência para superar obstáculos do ensino. A formação continuada de professores de ciências e biologia é entendida, por esse grupo, como algo que se dá de forma progressiva e que tende a balizar o desenvolvimento profissional docente com referências científicas. O segundo grupo compreende os textos que sustentam as iniciativas formativas em perspectivas que reconhecem o contexto da prática docente como fonte de aprendizado e, portanto, a interpretação dos resultados se propõe a dialogar com autores identificados com a epistemologia da prática. Esta epistemologia é assumida em diferentes perspectivas, desde a centralidade do saber experiencial, como fonte de aprendizagem, até a proposição metodológica da reflexão, para promover crescimento profissional docente, como modo de superação teoria-prática (CARMO e SELLES, 2011). Carmo e Selles (2011) assumem que os pesquisadores dos artigos desse grupo, ao fazerem o uso de metodologias que favorecem o reconhecimento e a valorização do exercício profissional dos docentes, parecem reforçar a importância do espaço escolar e dos professores nas pesquisas sobre formação continuada. O terceiro grupo abrange as pesquisas que não podem ser claramente associadas a nenhuma
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perspectiva teórica-metodológica (CARMO e SELLES, 2011). De modo geral, os autores afirmam que todos os artigos analisados trazem um entendimento heterogêneo sobre a formação continuada de professores de ciências e biologia. Esse entendimento remete a formação continuada a ações pontuais voltadas a aprendizagem docente, em cursos de especialização, atualização, oficinas, palestras, ações extensionistas e etc. Carmo e Selles (2011) entendem essas intervenções como ações que propiciam aos docentes continuar sua formação e dominar o saber produzido pela ciência de referência, o que, para esses autores, é uma forma de hierarquizar os saberes. Assim, assumem que o leque de questões a serem endereçadas nas pesquisas sobre a formação continuada de professores de ciências e biologia deve ser ampliado. Para eles, as contribuições acerca dos saberes docentes trazidas por Maurice Tardif e colaboradores configura uma boa perspectiva teórica que fertilizaria as pesquisas na área e permitiria a problematização das concepções idealizadas de professor e trabalho docente. Carmo e Selles (2011) concluem que há carência de direcionamento das pesquisas sobre o objeto de estudo em questão que verifique as implicações sócio-ideológicas. Os estudos buscam focalizar exemplos de maus professores em seus ambientes de trabalho e construir uma imagem ideal do professor. Segundo os autores, tanto a noção de aprendizagem por ruptura de obstáculos, quanto o tratamento descontextualizado das situações próprias da cultura escolar, não se sustentam quando confrontados com a complexidade docente e, portanto, cabem aos pesquisadores a problematização e compreensão desses aspectos além de simplesmente julgá-los como entraves.
O Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), um dos maiores eventos da área, é revisitado por Slongo, Delizoicov e Rosset (2010). Esses autores realizaram uma revisão dos estudos que tomavam como objeto de análise a pesquisa sobre formação de professores e foram publicadas nas atas do ENPEC no período entre 1997 e 2005. Os autores direcionaram o foco de sua revisão para questões como: a frequência em que o assunto formação de professores aparece nas pesquisas, quais instituições de ensino superior estão ligadas a estas pesquisas, as áreas de origem, os níveis de ensino, ou sujeitos envolvidos e a modalidade de formação abordada. Como essa pesquisa levou em consideração todas as modalidades de formação docente, as autoras dividiram os trabalhos encontrados em dois grandes grupos: formação inicial e formação continuada. Em sua compreensão, formação inicial compreende os estudos que focam a formação de professores em cursos de graduação e formação continuada, por sua vez, compreende todos os processos intencionais de desenvolvimento profissional do docente, seja por meio da atualização de conhecimentos, seja por meio de análises e reflexões sobre a própria prática. Nosso objeto de estudo compreende a formação continuada, portanto, nos focaremos na sessão sobre essa modalidade do artigo de Slongo et al. (2010). Os autores afirmam que, embora os trabalhos encontrados tenham diferentes enfoques, todos compartilham do paradigma do pensamento do professor. Ou seja, as pesquisas sobre formação continuada de professores na área de educação em ciências evoluíram na direção da indagação sobre os processos pelos quais os professores geram conhecimento, além de sobre quais tipos de conhecimento adquirem (SLONGO et. al., 2010). Quanto às expressões mais recorrentes nos trabalhos revisados, as autoras afirmam que "prática pedagógica reflexiva", "professor reflexivo" e "crítica reflexiva" são as que mais aparecem e que o estudioso com maior número de citações é Schon. Esse dado, segundo os
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autores, demonstra que as pesquisas estão cada vez mais preocupadas com a perspectiva do professor como um ser indagador, que assume a sua própria realidade escolar como objeto de pesquisa, reflexão e análise. No entanto, não foram encontrados indícios nos trabalhos acerca das concepções epistemológicas nas quais se ancoram as reflexões docentes. Assim, Slongo et al (2010) demonstram grande preocupação com o fato de que o termo professor reflexivo seja disseminado de forma pouco cuidadosa correndo o risco de configurar uma nova fase da própria racionalidade técnica que critica. Os autores ressaltam que há necessidade de pesquisa acerca das condições de tempo e espaço para que os professores de educação básica realizem suas reflexões fundamentadas sobre a própria prática e que a forma como os adeptos da perspectiva do “professor reflexivo” têm viabilizado essa tendência deve ser discutida nos trabalhos. Langhi e Nardi (2012) realizaram uma revisão teórica dos autores da área de formação de professores utilizados como referências do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências da Faculdade de Ciências da UNESP. Os autores focaram na busca das etapas da trajetória formativa de professores estabelecidas mediante os conceitos e as significações atribuídas pelos estudiosos. Esse estudo enfoca todas as modalidades formativas de docentes, mas como nosso objeto de estudo é a formação continuada, nos voltaremos para a seção de Langhi e Nardi (2012) que trata deste assunto. Os autores afirmam que na literatura analisada há evidências de pelo menos duas concepções principais distintas acerca de formação continuada de professores. A primeira é aquela em que a formação continuada é vista como cursos de curta duração e que dificilmente resultam em mudanças na prática profissional dos docentes. Segundo os autores, quem normalmente formula esses cursos são os mesmos atores responsáveis pela elaboração de cursos de formação inicial e o fazem sob a perspectiva desconexa da prática e da realidade vivenciada pelo professor em exercício. Assim, muitos cursos que levam o título de formação continuada, nessa perspectiva, acabam sendo meras atualizações de conteúdo ou, às vezes, contribuem apenas para que os professores reformulem seus discursos. A segunda concepção abrange um programa de acompanhamento mais contínuo do professor participante, o que segundo os autores é mais condizente com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. Segundo Langhi e Nardi (2012), esses documentos exigem que a formação continuada seja realizada em larga escala ao longo da vida e não apenas em dezenas de horas, devendo integrar-se no dia-a-dia da escola e do professor e ser uma componente essencial da profissionalização docente. Os autores, por fim, apresentam uma concepção própria adicional elaborada após toda a revisão realizada por eles. Para eles, a formação continuada envolve toda a trajetória profissional, abrange toda a continuidade da vida, pois estamos constantemente aprendendo desde os primeiros dias de vida. Para Langhi e Nardi (2012), a formação não pode ser concebida como um processo finito e, assim, a denominação formação continuada deve ser utilizada para definir a trajetória docente como um todo. Portanto, para os autores, não existe uma forma de adquirirmos formação completa e acabada, somos todos seres pensantes e jamais atingimos o grau de formados.
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Contribuições e dificuldades da formação continuada frente à prática docente Essa subseção é composta por sete artigos que buscam evidenciar as contribuições e dificuldades da formação continuada para a vida docente ou para a academia. As contribuições das dissertações de um Mestrado em Educação em Ciências e Matemática para esta área e como os princípios de Educação pela Pesquisa são discutidos nessas dissertações é trazido por Ramos, Lima e Rocha Filho (2009). Rocha, Dornelles e Marranghello (2012) analisam um curso de formação continuada para professores que atuam na Educação em Ciências e Tecnologia e apresentam reflexões acerca das contribuições produzidas por esse curso nas atividades de docência dos egressos. Amaral e Carniatto (2011) após analisarem as concepções e expectativas acerca de projetos de educação ambiental de professores da educação básica em um curso de formação continuada, inferiram obstáculos da vida docente que essa modalidade de formação pode auxiliar na superação. Já Amorim, Souza e Trópia (2010) investigaram a influência na prática de sala de aula de uma professora de química que realizou um curso de formação continuada. Schäfer e Ostermann (2013a, 2013b) apresentam dois trabalhos a respeito de um Mestrado Profissional em Ensino de Física. Um deles (2013a) busca compreender os impactos dessa modalidade na vida docente a partir da análise de entrevistas semiestruturadas realizadas com vinte egressos desse curso. O outro (2013b) enfoca a análise acerca da autonomia profissional exercida pelos mesmos egressos do primeiro trabalho. Nery e Maldaner (2012) investigaram a constituição de professores em processo de produção de propostas de aula de química por meio de um projeto estadual de formação continuada.
Ramos, Lima e Rocha Filho (2009) analisaram nove dissertações desenvolvidas por professores que cursaram o Mestrado em Educação em Ciências e Matemática da PUC-RS entre 2004 e 2008. Nesse período foram defendidas 135 dissertações, mas os autores decidiram analisar apenas aquelas que tinham como fundamento o Educar pela Pesquisa. Nessa perspectiva, a sala de aula se torna um ambiente de investigação e os atores, além de construírem conhecimento de maneira independente, participando intensamente do processo, exercitam e fortalecem valores, tendo em vista que eles são, ainda, incentivados a trabalhar atitudes de respeito e diálogo, num exercício de construção de cidadania (RAMOS et. al., 2009). Os autores assumem que mesmo tendo a mesma fundamentação, os trabalhos analisados abordam perspectivas diferentes. Alguns investigam o processo de formação continuada e trazem a Educação pela pesquisa como processo amplo de ensino e aprendizagem; outros focam na sala de aula e em como os alunos participam e reconstroem conceitos a partir da pesquisa em sala de aula e outros ainda concentram-se na comunicação e produção escrita dos alunos em atividades de pesquisa. Para Ramos et. al. (2009), essas evidências mostram que a grande contribuição das dissertações analisadas à área de Ensino de Ciências e Matemática é sua investigação sobre a sala de aula e a formação continuada de professores buscando compreender o envolvimento dos alunos na aprendizagem e autonomia e como o professor consegue engajar os alunos nessa aprendizagem. Os autores ainda indicam que, além das especificidades de cada estudo, são encontrados muitos pontos comuns nas dissertações estudadas. Um deles é que o elemento essencial para que as mudanças em sala de
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aula ocorram é a disposição interna do professor, além de que é necessário para o docente investir de forma permanente no estudo e reflexão sobre a sua prática. Assim, ao mesmo tempo que a atuação desse docente contribui para consolidar a área de Ensino de Ciências e Matemática também contribui para a constituição do seu ser professor e para a qualificação da sua prática docente (RAMOS et. al., 2009). Rocha, Dorneles e Marranghello (2012) têm, como objeto de pesquisa, o curso de especialização voltado para professores que atuam na Educação em Ciências e Tecnologia, que foi implantado na Universidade Federal do Pampa, em 2008. Esse curso tem dois objetivos principais: a especialização de profissionais para atuação nas áreas de ensino de física e química com enfoque nos PCN para a área de ciências exatas e a complementação da formação do professor com novos conhecimentos, novas habilidades e técnicas investigativas. Para inferir acerca do andamento do curso e sobre as contribuições do mesmo para a vida docente, esses autores utilizaram as respostas dadas por professores em processo de formação continuada a dois questionários abertos. O primeiro questionário foi aplicado durante o curso e o segundo, seis meses após os docentes se tornarem egressos. Segundo os autores, a proposta de formação continuada está dando certo, pois os docentes, após se tornarem egressos, se encontram em plena reflexão e mudanças de suas práticas na escola. Após análise qualitativa das respostas dos docentes aos questionários, os autores afirmam que o curso teve sucesso, pois seus principais objetivos estão sendo alcançados. Os autores estão convencidos de que o curso está contribuindo decisivamente para a melhoria da qualidade de educação nas escolas e esperam que o mesmo esteja contribuindo para a expansão do nível de conhecimento geral dos egressos, suas habilidades e competências (ROCHA et. al., 2012). Este trabalho, na avaliação de Rocha et. al. (2012), é de extrema importância, pois além de terem inferido as contribuições do curso para a vida docente dos egressos, eles puderam detectar dificuldades e pontos em que o curso pode melhorar. Os pontos que os autores encontraram para melhoria do curso são referentes à carga horária de disciplinas e avaliação das mesmas. Entretanto, os docentes ainda trouxeram questões que estão à margem do processo de formação. Segundo os autores, a falta de infraestrutura, carga horária de trabalho elevada, os poucos recursos financeiros para ir até a cidade em que a especialização estava sendo oferecida, a dificuldade em conseguir transporte e alojamento foram quesitos que prejudicaram o rendimento e a frequência dos docentes no curso. Os autores assumem que essas questões devem ser resolvidas através de parcerias entre a universidade e o poder público, através de auxílios financeiros.
Amaral e Carniatto (2011) trazem também as dificuldades encontradas pelos docentes, mas, diferentemente de Rocha, Dorneles e Marranghello (2012), sob a perspectiva da prática docente. As autoras também extraíram suas análises das respostas de um questionário respondido por professores em curso de formação continuada. O curso em questão configurava uma formação continuada em educação ambiental e as autoras tinham como objetivo investigar as concepções e expectativas dos professores com relação ao trabalho com projetos de educação ambiental. As autoras concluíram que não são apenas os obstáculos físicos que podem prejudicar a prática docente: a falta de integração entre os docentes de diferentes disciplinas, a sobrecarga de atividades, a dificuldade para
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compartilhamento de conhecimento e para a reflexão sobre a prática docente e a ausência de equipe pedagógica, dificultam o desenvolvimento de projetos e trabalhos. Ainda assim, Amaral e Carniatto (2011) afirmam que a formação continuada pode viabilizar mudanças significativas no quadro de dificuldades que se apresentam no âmbito escolar, na medida em que a partir de seu estudo, os docentes podem identificar não apenas as deficiências e insuficiências do sistema de ensino, mas também as origens destes problemas. Para as autoras, a formação continuada auxilia no rompimento das atitudes conservadoras da vida docente, tais como a desestruturação do isolamento disciplinar em prol de um ensino unificado em todas as dimensões políticas, econômicas, éticas e culturais. As dificuldades da prática docente também são retratadas por Amorim, Souza e Trópia (2010), em uma análise realizada sobre a prática de uma professora de Química egressa do curso de formação continuada Liderança nas Escolas. Segundo os autores, as deficiências escolares, como a falta de estrutura para trabalhos coletivos, a falta de interesse e disponibilidade de alunos e professores e a falta de tempo para dedicação à pesquisa da própria docente dificultam a elaboração do trabalho e transposição do que foi visto no curso para a sala de aula. Ainda assim, Amorim et. al. (2010) consideram que o curso auxiliou a docente em questões como a comunicação, o desenvolvimento do trabalho individual e da habilidade de documentar e relatar pesquisas e resultados. Para eles, esse último é o grande responsável pela reflexão sobre a prática e, consequentemente, o aprimoramento de seus conhecimentos nos assuntos relacionados ao ensino de Química. Na reflexão sobre a prática, segundo os autores, emergem traços da história de vida profissional e os docentes pensam e repensam seus discursos e ações, individuais e coletivas, para a construção do ensino.
Schäfer e Ostermann (2013a e 2013b) investigaram um curso de MP em Ensino de Física desenvolvido em uma instituição de ensino superior federal. Segundo as autoras, os objetivos para os cursos de MP em Ensino estão estreitamente vinculados à hipótese de que o professor é o único responsável pelo desempenho de seus alunos. Assim, essa modalidade de educação está direcionada a mudanças cognitivas e práticas realizadas a partir do trabalho baseado nos conteúdos e na racionalidade dos profissionais. No entanto, para Schäfer e Ostermann (2013b), a formação nessa modalidade deveria contemplar aspectos individuais e sociais, tendo como base do processo de transformação e participação, a criatividade, a consciência crítica, a liberdade de pensamento e de sentimento, os valores morais, o compromisso com a comunidade e a competência profissional. Dessa forma, os cursos de MP poderiam formar verdadeiros professores intelectuais críticos e não apenas racionais técnicos. Através de entrevistas semiestruturadas, as autoras ouviram vinte alunos em diferentes situações (formados, cursando e recém-chegados) acerca de várias questões que permeiam esse tipo de formação. Através de uma análise bakhtiniana dos enunciados produzidos pelos docentes nas entrevistas foi possível constatar, segundo as autoras, que os professores de nível básico são subjugados aos saberes curriculares, ou seja, aos programas, objetivos, conteúdos e métodos determinados pela escola, cabendo-lhes apenas a aplicação e não a reflexão e mudança de currículo e método de trabalho (SCHÄFER e OSTERMANN, 2013a). O lado positivo é que o MP contribui, na visão desses docentes, para que eles consigam aprender e levar novas metodologias de trabalho para sua realidade em sala de aula. Porém, na
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contramão desse aspecto positivo, os professores notam grande distanciamento entre a sua realidade e a formação obtida no MP. Alguns dos saberes oriundos da formação profissional simplesmente não encontram lugar na prática profissional desses professores, mas outros são facilmente integrados (SCHÄFER e OSTERMANN, 2013a). Schäfer e Ostermann (2013b) ainda afirmam que a formação obtida no MP, muitas vezes, representa um reforço a situações vivenciadas pelos docentes nas escolas, como a aceitação dos regulamentos burocráticos e o distanciamento em relação ao sentido de profissionalidade. Os achados mostraram que apenas um dos entrevistados exercia sua autonomia profissional em todos os quesitos (conteúdo, avaliação e produto educacional), aproximando-se do modelo de professor denominado intelectual crítico. A maior parte dos professores investigados ainda apresenta indícios de racionalidade técnica em sua prática, o que configura, segundo as autoras, um ponto de dissonância entre os objetivos de uma formação continuada e os alcançados pelo programa em questão. O viés tecnicista vem, muitas vezes, da formação inicial do professor e as vivências dele como docente e aluno. A formação continuada, porém, não está conseguindo desconstruir a visão racionalista técnica da atuação docente. Nery e Maldaner (2012) ilustram essa situação ao investigarem o Projeto Folhas, implementado pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Esse projeto configura um amplo programa de formação continuada para os professores da rede estadual com subprogramas de características distintas. O subprograma em questão consiste na produção de textos de conteúdos escolares pelos professores de química com base em um manual de orientações para a produção e validação dos referidos textos. Apesar dos autores considerarem que os professores estão superando a concepção tácita de que o estado tenha trazido esse projeto como uma resposta às necessidades sociais e que é positivo o processo de formação com base na produção escrita e em formato definido, acreditam que o formato prescrito ainda agrega elementos da racionalidade técnica ao processo. Segundo os autores, o professor de nível básico é limitado por ter um formato a seguir, e esse é definido no âmbito do sistema administrativo, ou seja, sua produção é tutelada, não é totalmente livre. Propostas de metodologia, formato e perspectivas para a formação continuada A maioria dos artigos revisados foram agrupados nesta subseção. Os autores dos 19 artigos que a compõem defendem metodologias, formatos de cursos e perspectivas para a formação continuada que englobam desde estratégias mais tradicionais com apoio das tecnologias da informação e comunicação (TIC) ou da história e epistemologia da ciência, até perspectivas alternativas, como o teatro de fantoches. Muitos desses trabalhos se resumem à descrição e avaliação das propostas o que denota uma tendência da pesquisa sobre formação continuada entre os pesquisadores da área de ensino de ciências.
Salvador et al. (2010), por exemplo, atribuem à formação continuada a responsabilidade de atualizar os docentes acerca das novas tecnologias e discussões teóricas
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atuais, pois as constantes inovações tecnológicas, principalmente no que diz respeito ao uso de computadores e internet, têm causado modificações em várias áreas da vida moderna, inclusive na educação. Para ilustrar essa posição, os autores realizaram um trabalho quantitativo que permitiu a comparação dos perfis de cursistas do programa de formação de professores de Biologia da Fundação CECIERJ. Visando às novas tecnologias, o objeto de pesquisa escolhido foram os ambientes virtuais de aprendizagem oferecidos em cursos de formação continuada ministrados na modalidade Educação a Distância. O objetivo desses autores era fazer uma reflexão acerca dos modelos de conhecimento do professor para formação continuada. Esses modelos se referem ao conteúdo dos textos oferecidos no ambiente virtual e podem ser resumidos em: 1) focalizado no conhecimento pedagógico (PK), 2) focalizado no conhecimento conceitual (CK), 3) focalizado no conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK) e 4) focalizado no conhecimento tecnológico, pedagógico do conteúdo (TPCK). Os resultados trazidos pelos autores mostram que diferentes modelos de formação continuada de professores com foco nas bases de conhecimento tecnológico, pedagógico do conteúdo podem ser aplicados separadamente ou integradas sem grande interferência nos percentuais de participação nos cursos. Por outro lado, os com enfoque pedagógico do conteúdo (PCK) e tecnológico, pedagógico do conteúdo (TPCK) podem ser mais atrativos para os possíveis participantes. O modelo TCPK, no entanto, se utilizado na formação continuada, fará com que os seus conhecimentos sejam solidificados mais facilmente, por estarem sendo assimilados já no exercício da profissão. As TIC aparecem como personagens principais no trabalho em que Santos et al. (2012) exploram a (re)significação das didáticas no contexto do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências na educação básica da Unigranrio. Os autores defendem que essa (re)significação se torna necessária porque a função didática na formação dos professores tem sido desvirtuada tanto pelo aligeiramento da abordagem dos temos teórico-práticos da ação docente como pelo afastamento das temáticas e dos conteúdos próprios das áreas específicas (SANTOS et al, 2012). Ao analisarem as dissertações produzidas pelos alunos desse mestrado, Santos et. al. (2012) evidenciaram que é falsa a promessa de emancipação do trabalho docente a partir da suposição de que as tecnologias, por si, poderiam transformar a prática pedagógica, gerando uma nova didática. Os autores afirmam que as TIC, quando apropriadas como elementos constituintes dos objetos de estudo dos mestrandos, são incorporadas ao projeto de ensinar de modo que o foco da ação pedagógica está na intencionalidade do processo de ensino e aprendizagem e não na utilização e elaboração das TIC em si. Para Santos et. al (2012), as TIC e outras questões postas pela modernidade (ecologia, ética, diversidade) deveriam ser vistas como indissociáveis desse processo, não apenas como um objeto para se chegar a ele, pois essa é a única forma para que se tornem elementos que contribuam para a (res)significação da didática como campo epistemológico.
Também preocupados com a importância do campo epistemológico na formação continuada de professores, Moreira e Massoni (2009) fizeram uma investigação acerca da influência de uma disciplina de Epistemologia sobre as concepções de professores mestrandos em Ensino de Física. Para isso os autores ministraram um curso de Física de Partículas para os docentes que haviam terminado de cursar a disciplina Epistemologia e Ensino de Física e
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buscaram, através da análise das transcrições das aulas e de tarefas escritas, evidenciar as concepções dos docentes sobre a natureza da ciência. No corpus de análises Moreira e Massoni (2009) encontraram indícios de que a sequência de ensino, primeiro um curso acerca de epistemologia e depois sobre física de partículas, propiciou aos docentes mestrandos uma visão do Modelo Padrão através do prisma epistemológico. Para os autores, as questões histórico-epistemológicas além de serem facilitadores para que os professores mestrandos possam discutir com seus próprios alunos as ideias e conceitos da Física de Partículas, ajudam na reflexão crítica de suas práticas didáticas. É fundamental, para esses pesquisadores, que a prática educativa seja um exercício constante de vivências com afetividade, interação e negociação social sem que a formação científica seja deixada de lado. Gatti e Nardi (2012) também ofereceram um curso de formação continuada para professores de Física na busca de elementos para a reflexão acerca dessa modalidade de formação. Porém, esses autores construíram o curso pautado na história e filosofia da ciência e o corpus de análise foram os cursos de curta duração elaborados pelos cursistas e aplicados em situações reais. Os autores afirmam que o modelo de formação proposto, através da elaboração de cursos de curta duração pelos cursistas, contribui para o aumento de conhecimento dos participantes e proporciona momentos de reflexão acerca da prática profissional. Gatti e Nardi (2009) chamam atenção para o fato de que esse curso de formação continuada foi o primeiro contato dos docentes com a filosofia da ciência, o que demonstra alguma falha em outros momentos da formação desses docentes. Para os autores, a maior vantagem em utilizar a história e filosofia da ciência como pilares da formação é a possibilidade de questionamento que essa perspectiva proporciona. Segundo os autores, o ensino e aprendizagem tradicionais e os conteúdos escolares como verdades historicamente acumuladas foram pontos levantados, questionados e discutidos pelos docentes em formação. No entanto, ainda que o curso tenha propiciado bons momentos de reflexão, Gatti e Nardi (2009) afirmam que a transformação da prática diária dos docentes é algo que não pôde ser medido apenas com o curso e os trabalhos desenvolvidos pelos cursistas. Para os autores, os docentes têm grandes obstáculos escolares que os impedem de mudar a prática e implementar as atividades desenvolvidas no curso. Esses obstáculos englobam desde o excesso de trabalho e as classes superlotadas até a pressão para que todos os conteúdos do currículo sejam vistos.
Por outro lado, Marcondes et al. (2009) consideram que se a pretensão é formar alunos cidadãos, os docentes devem estar engajados em processos contínuos de aprimoramento e de reflexões críticas sobre suas práticas. Dessa forma o curso de formação continuada pode contribuir para que os professores tenham a oportunidade de partilhar seus conhecimentos em conjunto com os conhecimentos de outras áreas, fortalecendo não somente sua cultura científica como sua própria visão crítica da sociedade (MARCONDES et al. 2009). Para entender como os professores manifestam suas concepções de contextualização, especificamente no ensino de química, esses autores se valeram das unidades didáticas produzidas pelos docentes em um curso de formação continuada, pautado na teoria de ensino CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente). Alguns dos trabalhos produzidos refletiram a ampliação da visão dos professores quanto aos propósitos educacionais defendidos para o ensino de ciências, tendo em vista a formação do aluno que saiba julgar,
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com fundamentos, informações relacionadas à ciência, à tecnologia e às suas implicações sociais. Entretanto, outros materiais foram construídos de forma a valorizar apenas o conteúdo específico, refletindo pouco acerca da formação para a cidadania. A maioria dos textos criados foi centrada em aspectos científicos e sociais, o que prova que o professor valoriza o ensino centrado na ciências e em algumas implicações para a sociedade, mas ao mesmo tempo, demonstra a dificuldade que o professor tem em estabelecer as relações necessárias para um ensino genuinamente CTSA. Marcondes et al (2009) sugerem que a formação continuada seja promovida em ambientes onde o professor seja colocado em contato com a pesquisa e as inovações didáticas, que seja permitido a ele refletir, criar e desenvolver suas propostas educativas e que possa romper com o ensino focado em conteúdos, adotando as dimensões CTSA, pautado em seu juízo crítico e sentido de responsabilidade. Algumas dificuldades que os professores em formação continuada enfrentam para promover um ensino CTSA são discutidas por Gouvea et. al. (2012). Após analisarem um curso de formação continuada para professores de ciências, esses autores afirmam que os docentes conseguem visualizar as questões éticas da ciência, mas não constroem uma epistemologia particular que facilitaria a percepção e retificação de concepções errôneas sobre a ciência. Em geral os docentes apresentam opiniões sobre os aspectos externos da ciência, mas têm dificuldade de articular cognitivamente a construção de seus discursos, não aprofundando a apropriação sobre a temática (GOUVEA et. al., 2012). Para Gouvea et. al. (2012), essas dificuldades se relacionam à limitação na formação dos docentes no campo epistemológico e sobre a natureza da ciência. A ideia de que os professores devem criar e desenvolver seus materiais didáticos também é considerada uma boa estratégia por Gabini e Diniz (2009), pois os faz se sentirem autores, imprimindo criatividade ao trabalho, ao mesmo tempo em que reveem os conceitos específicos envolvidos. Estes autores confirmaram essa perspectiva após pesquisa realizada com professores de química em curso de formação continuada. Para eles, o contexto escolar deve ser tratado como parte integrante dos saberes dos professores, tirando o docente da situação de mero espectador. Essa atitude durante a formação viabiliza que o docente tenha reflexão sobre a ação.
Para outros autores, a perspectiva de que o professor deve participar como autor de sua formação não se limita ao processo em si, mas também abrange as estratégias de desenvolvimento profissional e a elaboração de currículo que permeiam essa modalidade de formação. Para ilustrar, Figueiredo e Lopes (2011) reconhecem a implementação de uma política pública de capacitação continuada em Minas Gerais através do Programa de Desenvolvimento Profissional de Educadores como um bom exemplo, mas reconhecem nela um problema grave que deve ser evitado. Em sua proposta, esse programa busca superar práticas tradicionais ineficientes, tem como locus a própria escola, conta com a participação dos professores com base em novas perspectivas, possibilita a promoção da visão partilhada e empreende novas aprendizagens para o desenvolvimento do trabalho pedagógico. Todas essas características, segundo os autores, são louváveis e configuram aspectos positivos. Entretanto, ao analisarem com mais cuidado, constataram que a estratégia de desenvolvimento profissional foi planejada e orientada apenas pelos especialistas, sem a participação dos docentes, o que na perspectiva em questão é um erro.
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Para Andrade (2010) a formação continuada se faz pelo elo entre a profissão e a construção da identidade do educador. A interação da classe educativa com vista à melhoria da qualidade de ensino e rumo ao alcance dos objetivos docentes faz com que a função social da escola seja a instrumentalização de um ensino no qual se vivencie a garantia de educação para uma vida (ANDRADE, 2010). Logo, a vida escolar tem grande importância e não deve ser ignorada em nenhum processo de formação continuada, apesar de que ela também pode trazer grandes obstáculos à boa prática do professor. Se a escola não tiver recursos materiais e metodológicos adequados, se as condições físicas da escola não oferecerem condições adequadas ao desenvolvimento do ensino e se o professor não participar da elaboração das propostas curriculares, a formação continuada configurará apenas em mais um quesito para o curriculum vitae do docente (Figueiredo e Lopes, 2009). Alguns pesquisadores vão mais além e colocam o professor do ensino médio como ministrante de um curso de formação continuada para seus pares. É o caso de Nicolau Junior et. al. (2011), que analisaram a prática de dois professores do nível médio ao ministrarem um curso de formação continuada sobre Tópicos de Relatividade para seus pares. Esses pesquisadores mapearam os saberes que os docentes ministrantes julgam necessários para o ensino-aprendizagem do conteúdo. Segundo os autores, os momentos de autorreflexão pelo qual esses docentes passaram durante o curso são constantemente permeados por indicações de valorização e articulação dos conteúdos. Para os professores que ministraram o curso, o desenvolvimento de suas próprias habilidades frente ao conteúdo parecia óbvio, já que eles hierarquizavam em primeiro plano o conteúdo e só depois a construção e aplicação das atividades (NICOLAU JUNIOR et. al., 2011). Esse estudo, segundo Nicolau Junior et. al., ajuda a compreender como ocorrem as adaptações das práticas e as mudanças no modo de pensamento dos professores que se aventuram em inovar seu contexto de ensino.
O desenvolvimento profissional em um curso de formação continuada deve ser um processo coletivo e colaborativo que possibilite aos professores a construção de novas teorias e práticas, bem como, ao favorecer a narrativa e a negociação, se presta ao serviço de cidadania e à construção da autonomia profissional docente (URZETTA e CUNHA, 2013; SILVA e PACCA, 2011; SILVA et. al., 2012a). A metodologia de grupos de estudo/discussão se dedica a fazer com que os próprios aprendizes discutam suas dúvidas teóricas, metodológicas e mesmo suas angústias (SILVA et. al., 2012a). Silva e Pacca (2011), ao analisarem algumas implicações do trabalho coletivo na formação continuada de professores, concluíram que, de fato, não é um trabalho simples de definir, fazer ou conduzir. No entanto,é importante, pois dá voz e espaço aos professores para a manifestação de sua autonomia. Ao se tornar um espaço de diálogo, partilha de experiências e reflexão quanto a atitudes, crenças e valores entre os professores, a formação continuada colabora também para a melhoria do desenvolvimento da prática reflexiva do professor (GABINI e DINIZ,2009; LOPES et al, 2011). Silva et. al (2012b) defendem a formação de grupos de estudo como forma de promover a formação continuada de professores, principalmente, quando essa formação diz respeito a conteúdos pouco trabalhados na formação inicial ou pouco difundidos na sua prática diária. É o caso, por exemplo, da Física Moderna e Contemporânea que, apesar dos
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pesquisadores estarem em consenso quanto à sua inserção no Ensino Médio ser positiva, sofre grande resistência por parte dos professores da educação básica. Com o objetivo de avaliar se a prática de trabalho em grupos de estudo coletivo contribui para redimensionar as práticas docentes, Lopes et al (2011) entrevistaram alguns professores. Segundo os docentes entrevistados, a prática de estudo coletivo melhora significativamente as ações docentes nas salas de aula e nos espaços não-formais de educação, e as discussões sobre novas metodologias e a oportunidade de socializar as experiências e vivência motiva a busca por novas propostas didáticas. As discussões e aprendizado no grupo infundem mais coragem no docente para inovar em suas práticas no dia-a-dia, promovem um sentimento de segurança e ampliam seus conhecimentos e habilidades (LOPES et al, 2011). Por outro lado, além do processo colaborativo se dar entre os docentes em formação continuada, ele deve se dar também entre os professores universitários e os professores de nível médio, diminuindo o distanciamento entre esses níveis e integrando o professor da escola básica no campo de pesquisa (MARCONDES et al, 2009; URZETA e CUNHA, 2013; LOPES et al, 2011). Ao analisar uma proposta coletiva de formação continuada de professores de ciências, que se configurou em uma ação de caráter colaborativo entre universidade e escola, Urzetta e Cunha (2013) notaram que a formação continuada gerou comportamento diferenciado nos docentes cursistas, fazendo com que buscassem novas alternativas para seu percurso formativo. Em sua análise, os autores afirmam que o envolvimento dos professores pesquisadores da universidade como parceiros, e não como detentores dos saberes acadêmicos específicos e pedagógicos, contribuiu para que os professores da escola básica continuassem investindo no seu desenvolvimento profissional e buscando outros cursos de especialização e a participação em eventos científicos (URZETTA e CUNHA, 2013).
Uma metodologia alternativa e pouco convencional para a área de ensino de ciências foi proposta por Dantas et. al. (2012): um curso de formação continuada em Educação Ambiental através de teatro de fantoches. Para esses autores, a formação continuada de professores em Educação Ambiental, além de gerar competências que promovam o processo educacional contextualizado, direcionado à apropriação e à reelaboração de saberes, deve levar o professor a aprimorar sua consciência ambiental. Os autores afirmam que os professores têm grande motivação para participarem de atividades lúdicas, logo, o teatro de fantoches se torna uma boa alternativa para aperfeiçoar sua práxis e fugir dos modelos tradicionais de ensino/aprendizagem. Dantas et. al. (2012) afirmam que, ao implementarem a proposta de formação continuada através do teatro de fantoches, pretendiam apenas que os professores se sentissem à vontade para expressarem suas motivações, expectativas, afetividades e conhecimentos relacionados à Educação Ambiental, mas se surpreenderam, pois conseguiram mais do que buscavam. Segundo os autores, o teatro de fantoches produziu uma participação dos docentes com entusiasmo e envolvimento, além da troca de informações e de proporcionar um ambiente descontraído em que as vivências foram compartilhadas e os conhecimentos aprimorados. Os docentes participantes do curso avaliaram a atividade como sendo viável na prática docente em todas as disciplinas com conotação diferente daquela do lúdico pelo lúdico. Ou seja, toda a atividade lúdica deve ser planejada e elaborada através de
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uma finalidade pedagógica, caso contrário, perde seu sentido de ser. Dantas et. al. (2012) ainda indicam que essa atividade pode ser transposta pelo professor direto para sua sala de aula e por ser mais assimilável por crianças da educação infantil, ela deva ser incluída na formação continuada de professores desse nível. As preocupações com a formação continuada em ciências não se limitam aos professores do nível médio.Outros autores também criaram propostas para formação continuada em ciências de professores dos primeiros anos do ensino fundamental. A proposta de Darroz et. al. (2013) é um curso sobre conceitos básicos de astronomia amparado na teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel. A escolha do conteúdo de astronomia pelos autores se deve às contradições entre as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que inclui o eixo Terra e Universo desde a etapa inicial de escolarização e a formação dos professores que atuam nas séries iniciais do ensino fundamental.Os autores afirmam que os educadores desse nível geralmente possuem formação ou em nível médio ou em Pedagogia, cursos que carecem de conteúdos próprios voltados para o ensino de ciências, em particular, a astronomia. Esse fato torna um curso de formação continuada em astronomia para professores de séries iniciais extremamente importante e atraente. Darroz et. al. (2013) afirmam que a metodologia com enfoque em um conteúdo significativo é fundamental para despertar no aprendiz o prazer pela ciência, a construção de significado e a valorização do que está sendo aprendido. Dessa forma, recorrer à teoria de David Ausubel e aos mapas conceituais como recursos didáticos pode ser considerada uma experiência bem-sucedida de complementar os currículos dos cursos de formação continuada (DARROZ et. al., 2013). Darroz et. al (2013) implementaram sua proposta em um curso com vinte professores da rede municipal de Muliterno - RS. Segundo os autores, os organizadores prévios e os materiais introdutórios se mostraram eficazes no estabelecimento das ligações entre os conhecimentos inicias dos docentes e os temos abordados, servindo ainda como instrumento motivador da aprendizagem. No entanto, os autores indicam que o ponto forte da experiência foi a utilização dos mapas conceituais, já que no momento de elaboração dos mesmos os professores precisaram representar e organizar seus conhecimentos básicos de astronomia transformando-os em algo concreto e cientificamente correto. Já a proposta Schroeder et. al. (2011) envolve atividades denominadas mão-na-massa. Os autores desenvolveram um curso de formação continuada em Ensino de Ciências para professores das séries iniciais com 50% das horas aula a distância e 50% presencial. A metodologia mão-na-massa é, segundo os autores, a prática de ensino na qual os aprendizes manipulam materiais concretos, testam suas propriedades e como esses materiais reagem frente às suas ações, possibilitando-os explorar fenômenos sem maiores preocupações com o formalismo científico. Schroeder et. al. (2011) afirmam que o curso foi de total sucesso, tanto na opinião dos cursistas quanto na opinião dos desenvolvedores. A estratégia mão-na-massa conquistou os professores e apesar da Física tê-los deixado inseguros ele mostraram grande disposição em introduzi-la na sua prática docente.
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Síntese crítica A discussão sobre a formação continuada aparece em vários artigos da área, mas ainda se dá de forma muito inconsistente. O próprio conceito de formação continuada apresenta ambiguidade, já que se está longe de chegar a um consenso quanto à sua finalidade. Essa falta de unanimidade pode e deve gerar discussões e reflexões necessárias para que cada vez mais pensemos e reformulemos essa modalidade de formação. O crescimento de artigos sobre formação continuada publicados em periódicos nacionais da área de Ensino é inequívoco. Enquanto Carmo e Selles (2011) em pesquisa realizada no período entre 1999 e 2009, nos extratos A1, A2, B1 e B2 encontraram apenas 13 artigos, nós, pesquisando em um período menor (2009-2013) e em um extrato a menos (A1, A2 e B1) encontramos 30 artigos. Mas, apesar do visível crescimento do interesse por essa temática, o MP ainda não se configura expressivamente como um objeto de pesquisa, aparecendo em apenas seis dos trabalhos (OSTERMANN e REZENDE, 2009; RAMOS, LIMA e ROCHA FILHO, 2009; MOREIRA e MASSONI, 2009; SANTOS et. al, 2012; SCHÄFER e OSTERMANN, 2013a, 2013b). Muitos dos trabalhos encontrados sobre a formação continuada no Brasil ou em outros países atribuem aos professores a responsabilidade sobre a melhora da qualidade da educação. Essa melhora, supostamente adquirida através da formação, visa a vários objetivos: sanar problemas de realocação de professores (LORENZO, 2008), melhor qualificar os docentes em questões didáticas, metodológicas ou específicas de cada conteúdo (RAMOS, LIMA e ROCHA FILHO, 2009; NICOLAU JUNIOR et al, 2011;NEZVALOVÀ, 2011; LOMBANA et al, 2011; SCHROEDER et al, 2011; TECPAN et al, 2012; SILVA et al, 2012b; DANTAS et al, 2012; DARROZ et al, 2013; CHAILE e JAVI, 2013), ou ainda cumprir demandas governamentais ou de órgãos internacionais de fomento (BAPTISTA e FREIRE, 2011; LAIUS e RANNIKMÄE, 2011). Nesses artigos, a realidade escolar e outras questões que envolvem a qualidade do ensino não são discutidas. Apenas um desses trabalhos (LAIUS e RANNIKMÄE, 2011) atribui algum significado ao conceito de qualidade, e este se resume ao alcance, pelos alunos, de boas notas num teste internacional de avaliação dos estudantes. É importante notar que a discussão sobre para que e para quem serve a educação, essencial para definirmos o que é qualidade, está ausente dos trabalhos revistos. Afinal, falar de qualidade, sem atribuir-lhe um significado pode tanto configurar um artifício de convencimento e um recurso para agradar a maioria dos ouvintes, como uma falta de entendimento do próprio autor sobre essa questão.
Outro ponto que se relaciona com os objetivos de ser e fazer educação é o modelo de prática e formação eleito por cada autor. Corroborando os dados encontrados por Slongo et al (2011), em vários trabalhos o termo reflexão é trazido como um objetivo da formação continuada. As formas em que ele foi encontrado variaram entre: reflexão sobre a prática (RAMOS et al, 2009; AMORIM, SOUZA e TRÓPIA, 2010; ROCHA, DORNELES e MARRANGHELLO, 2012; DOGAN et al, 2013), prática reflexiva (GABINI e DINIZ, 2009;
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LOPES et al, 2011) e reflexão crítica (MOREIRA e MASSONI, 2009; POMBO e COSTA, 2009). No entanto, nenhum dos artigos se preocupa em definir esses termos, deixando sua interpretação a mercê do leitor. Apesar da reflexão sobre a prática, ainda que não definida, parecer ser uma das principais finalidades pretendidas por muitos pesquisadores para a formação continuada, o modelo de formação com viés tecnicista, com alto índice de rejeição nos artigos encontrados, parece ainda não ter sido superado nesses processos formativos (NERY e MALDANER, 2012). Esse viés vem sendo fomentado e propagado pelos cursos de MP em ensino no Brasil através do currículo proposto e dos trabalhos de conclusão que, em geral, são voltados para a academia e desvinculados da realidade docente (OSTERMANN e REZENDE, 2009). Os docentes egressos desses cursos, que foram influenciados durante toda formação por modelos de professores, em geral, racionalistas técnicos, acabam reproduzindo esse modelo em sua prática (SCHÄFER e OSTERMANN, 2013a, 2013b).Os pesquisadores, no entanto, sugerem que, para que o modelo tecnicista seja superado e o impacto real da formação continuada seja de fato proveitoso para a escola, a realidade docente precisa figurar como protagonista nesse processo formativo (GONZÁLEZ et al, 2009; ANDRADE, 2010; LANGHI e NARDI, 2012). O professor não pode ser submetido a um ambiente em que sua prática em sala de aula seja paradigmaticamente diferente dos discursos sobre o ensino e aprendizagem. Ele deve estar em um ambiente que trabalhe com seus problemas reais, que articule motivos e sentidos e que utilize o trabalho docente como ferramenta de mediação necessária para o seu desenvolvimento profissional (PACCA e SCARINCI, 2012; URZETTA e CUNHA, 2013). Caso contrário, a formação continuada corre o risco de apenas contar como mais um quesito no curriculum vitae dos docentes. A falta de aproximação do processo de formação continuada com a realidade dos docentes aparece também através da crítica às ações governamentais. Alguns autores consideram que as ações governamentais são compensatórias, administrativas e pedagógicas, sem maior preocupação com as condições educativas de cada país ou com a modificação de elementos estruturais essenciais que atingiriam as desigualdades econômicas, sociais e culturais (INZUNZA et al, 2011; NZAU et al, 2012). O curioso é que essas críticas apareceram apenas em artigos sobre outros países (Angola e Chile) que não o Brasil. Esse fato evidencia que a área de pesquisa em ensino de ciências no Brasil não está, majoritariamente, preocupada em analisar e tecer críticas às políticas impostas pelo governo. No entanto, a área está muito mais voltada à criação de propostas de formação, discussão das estratégias utilizadas e à avaliação das mesmas, assumindo as políticas de forma acrítica e buscando alcançar os objetivos estipulados pelas mesmas.
Entre as estratégias de formação encontradas, algumas são mais tradicionais, como por exemplo, a utilização de TIC no processo formativo (SALVADOR et al, 2010; SANTOS et.al, 2012), a utilização de elementos da História, Filosofia e Epistemologia da Ciência como motivadores e facilitadores da formação (MOREIRA e MASSONI, 2009; GATTI e NARDI, 2009) e a perspectiva CTSA como alternativa para uma formação mais abrangente, que se preocupe com questões que vão além do conteúdo (MARCONDES et al, 2009; GOUVEA et al, 2012). Outros artigos trazem visões um pouco mais diversificadas, que indicam inclusive
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mudanças nas relações estabelecidas entre o professor em formação e o professor formador. É o caso da estratégia de formação em grupos de estudos e discussão (SILVA e PACCA, 2011; LOPES et al, 2011; SILVA et al, 2012a) que sugere que o docente em formação seja ator protagonista, sugerindo, discutindo, trocando ideias e utilizando os saberes acumulados durante sua experiência e prática, assim as relações verticalizadas de ensino e aprendizagem perdem força. Nessa perspectiva, o professor em formação e o professor formador aprendem e trocam saberes e experiências. Assim, tanto as contribuições da academia, quanto as contribuições da realidade cotidiana da escola ganham espaço no processo de formação. Um ponto que merece ser discutido, no âmbito da formação continuada é a relação entre a escola e a universidade. A aproximação entre escola e universidade é necessária e enriquece os processos formativos. Uma das vantagens dessa aproximação é, segundo Zeichner (1993), o aumento da capacidade do docente em enfrentar as complexidades, as incertezas e as injustiças na escola e na sociedade, já que o professor é formado para ter um atitude reflexiva sobre os processos educativos e sobre as condições sociais que o influenciam. Para o autor, uma pesquisa em ensino sem uma aproximação à realidade escolar, se torna improvável ou idealista, assim como as práticas e trabalhos realizados sem aporte teórico e metodológico e sem conexão com resultados da pesquisa, acabam por fomentar a falsa sensação salvacionista atribuída às estratégias de ensino. Além de muitas vezes acabarem reproduzindo e investindo em processos que já foram elaborados, implementados e avaliados (ZEICHNER, 1993). A partir desta revisão, foi possível perceber que os trabalhos de pesquisa sobre os processos de formação continuada continuam sendo obscuros em alguns aspectos. A perspectiva do que é o ensino e de para quem serve a educação, que é fomentada nos processos de formação docente no Brasil, são pouco discutidas. Outro ponto nebuloso é a forma como a academia e a realidade escolar dialogam nesses processos. Por considerarmos que essas questões merecem um olhar cuidadoso e crítico, pois são essenciais para o entendimento das relações que permeiam as questões educativas, tentaremos, ao longo dessa dissertação, trazê-las para o debate.
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CAPÍTULO 2: FORMAÇÃO DE PROFESSORES Ao tomar como objeto de pesquisa processos formativos docentes, não podemos deixar de nos questionar sobre as ideologias e visões acerca do ensino assumidas e propagadas por eles. Quando olhamos com mais atenção para todos os componentes de um curso de formação continuada, notamos que, de forma tácita, algumas concepções teóricas, metodológicas, epistemológicas, políticas, sociais, etc, são fomentadas, na maioria das vezes a partir de sua naturalização institucional. Assim, para entender o processo formativo como um todo e compreender o perfil docente de formação é necessário esse olhar que desnaturaliza eventos, trazendo-os para a discussão. Para subsidiar teoricamente essa discussão, escolhemos a visão de José Domingos Contreras acerca dos modelos de prática docente propagados ao longo dos anos em trabalhos desenvolvidos em várias partes do mundo. Em seu livro "La autonomia del profesorado", lançado em 1997, Contreras busca fazer uma discussão crítica sobre os conceitos de autonomia e profissionalidade docente. Segundo o autor, essas palavras, por serem polissêmicas, acabam sendo usadas como artifícios de convencimento, já que seus significados variam de acordo com a interpretação, crenças e ideais do ouvinte. Assim, se tornam slogans em campanhas políticas, defesas de ideais e enaltecimento de dados estatísticos. Preocupado com o esvaziamento e a utilização em demasia nos discursos de convencimento desses conceitos, o autor busca, através do reconhecimento de três modelos de professores largamente difundidos na área da Educação, estabelecer significados para a profissionalidade e a autonomia docente em cada modelo. A partir desse marco teórico, vamos um pouco além e tentamos delinear qual o modelo de formação docente seria necessário para que os modelos teóricos de professores, levantados por Contreras (2012), possam ser cumpridos. A Profissionalidade Docente
Atualmente, certos discursos e a falta de investimentos e políticas acabam por denegrir a imagem da carreira docente. Segundo Contreras (2012), a desvalorização da carreira faz parte de um processo caracterizado pela paulatina perda, por parte dos docentes, daquelas qualidades que faziam deles profissionais e pela deterioração daquelas condições de trabalho nas quais eles depositavam suas esperanças de alcançar status. Esse processo, conhecido como proletarização docente, faz com que os professores, enquanto categoria, sofram uma transformação, nas condições de trabalho e tarefas que realizam, que os aproxima cada vez mais das condições e interesse da classe operária (CONTRERAS, 2012). De fato, os processos de racionalização sofridos nas empresas acabaram transcendendo e adentrando os muros da escola. Aos poucos, os docentes foram perdendo o controle sobre o conteúdo, o modo de organização e sobre o currículo, através da crescente necessidade de que esses
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objetos deveriam passar pela mão de especialistas e da administração das escolas, introduzindo, assim, a hierarquização na instituição escolar e facilitando o controle do trabalho docente. Novas formas burocráticas foram implantadas, auxiliando na intensificação, rotinização e isolamento do trabalho docente. Assim, ao passo em que o trabalho foi se tornando mais intenso, os professores foram perdendo tempo de discussão, planejamento e troca de saberes e experiências com os colegas, o que, para Contreras (2012), gerou o processo de desqualificação intelectual, degradação das habilidades e competências profissionais dos docentes e reduziu seu trabalho à diária sobrevivência de dar conta de todas as tarefas a serem realizadas. Por outro lado, “parte desta perda de competências profissionais justifica-se no desenvolvimento, pelos especialistas, de um conhecimento técnico que permitiu e justificou a racionalização e a tecnologização do ensino” (CONTRERAS, 2012, p.42). Logo, os docentes viram-se cada vez mais dependentes do conhecimento especializado e submetidos às estruturas de racionalização, o que consequentemente, os levou à perda da autonomia. No entanto, dois grandes motivos não permitem que o processo de proletarização seja implacável e perfeito. Primeiro, o Estado tem de legitimar seu papel e suas instituições aos olhos da população, logo, há de encontrar no âmbito escolar modos de atuação que deem lugar à participação como cidadão e à adaptação às necessidades concretas dos diretamente atingidos, o que transforma o papel de seus agentes e a escola num espaço de relativa autonomia. Segundo, os professores geram modos de resistência, em função de seus interesses individuais e coletivos, que geram novos mecanismos de controle mais eficazes ou mais sutis e novas formas de resistência a ações organizadas pelos sindicatos. Um dos mecanismos que, segundo teóricos da proletarização, tem sido utilizado entre os professores como modo de resistência à racionalização e desqualificação de seu trabalho tem sido a reivindicação de seu status profissional (DENSMORE apud CONTRERAS, 2012). Porém, para Contreras (2012), a reivindicação não se reduz a um desejo de maior status, mas sim à defesa da profissionalidade docente. Profissionalidade, segundo Contreras (2012), se refere às qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o trabalho educativo. Ela descreve não apenas o desempenho do trabalho de ensinar, mas expressa valores e pretensões que se desejam alcançar e desenvolver na profissão. A profissionalidade pode ser melhor entendida através de suas três dimensões: obrigação moral, compromisso com a comunidade e competência profissional. Essas dimensões, no entanto, não devem ser entendidas como uma descrição do bom ensino ou da boa prática, pois estão associadas à forma como se interpreta o que deve ser o ensino e suas finalidades.
A dimensão da obrigação moral está relacionada com o fato de que o ensino supõe um compromisso de caráter moral situado acima de qualquer obrigação contratual que possa ser estabelecida (SOCKETT apud CONTRERAS, 2012). Os docentes, além de estarem comprometidos com o desenvolvimento acadêmico dos estudantes, acabam inevitavelmente se comprometendo com o desenvolvimento de seus alunos como pessoas. Ainda que esse
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comprometimento gere tensões e dilemas no desenvolvimento da aprendizagem dos alunos, não se pode esquecer das necessidades e do reconhecimento do valor, que como pessoas, merecem todo o alunado (CONTRERAS, 2012). O ensino, segundo Tom (apud CONTRERAS, 2012) se configura num trabalho moral porque supõe uma relação de desigualdade sustentada pela confiança de que essa nunca será usada contra o mais fraco, mas em prol do mesmo, para seu desenvolvimento e aprendizagem; e pelo fato de que, embora não seja uma intenção moral consciente, quase toda ação docente tem consequências morais. Todo docente ao escolher a profissão, traz consigo crenças, ideais, objetivos e preocupações que permeiam sua prática e acabam influenciando na maneira como organizam e conduzem suas aulas. Mesmo que a escola, a equipe administrativa ou o sistema, como um todo, ofereçam algumas limitações, o docente passa a se reinventar e tomar decisões e atitudes frente às imposições que atingem suas intenções humanas por trás da prática. Esta consciência moral sobre seu trabalho traz emparelhada a autonomia como valor profissional (CONTRERAS, 2012). Assim, a profissionalidade docente exige dos professores sua consciência e desenvolvimento sobre o sentido do que é educacionalmente desejável. Esses juízos podem ser modificados e adaptados conforme as situações e circunstâncias, já que cada aluno, turma, docente e escola são únicas e carregam diferentes valores morais e necessidades sociais e culturais. Logo, a melhoria contínua da prática, em busca de adaptações e formas de melhor realizar o sentido dos valores educativos, acaba configurando outro valor profissional. A moralidade, no entanto, não é um fato isolado, mas sim um fenômeno social produto de nossa vida em comunidade, na qual é preciso resolver problemas que afetam a vida das pessoas e seu desenvolvimento e que precisam elucidar o que é moralmente adequado para cada caso (CONTRERAS, 2012). Estabelecemos assim, outra dimensão da profissionalidade: o compromisso com a comunidade. Ou seja, a prática profissional docente não é isolada, centrada apenas nas crenças e ideais do professor, mas é constituída de forma partilhada entre o docente e a comunidade. Nesse sentido, tanto o docente tem a responsabilidade de compartilhar suas discussões, práticas, problemas, princípios, etc., como a comunidade tem a responsabilidade de participar nas decisões sobre o ensino. Essa questão, no entanto, é fonte de tensões e contradições, pois, ao mesmo tempo em que o docente deve ter autonomia docente sobre sua prática, ele tem responsabilidades sociais sobre as necessidades, demandas e crenças da comunidade. Assim, a participação pública na educação é algo necessário que deve ser bem organizado e pensado. O que geralmente ocorre é que a estipulação do currículo das escolas a partir dos aparelhos administrativos, reduz a participação da sociedade a procedimentos burocratizados, relegando o papel de funcionários obedientes aos professores e ao resto da sociedade o papel de meros espectadores (CONTRERAS, 2012). Por isso, é comum vermos muitos professores ansiando por autonomia docente e, como consequência, excluindo a sociedade de qualquer decisão e prática. Mas, segundo Contreras (2012, p.89):
Os docentes não devem ser, simplesmente, uma parte num conflito entre pretensões e finalidades educativas. Parte de sua profissão deve consistir em mediar estes conflitos de maneira que se possa entender o sentido e o valor de cada posição e encontrar uma forma que a escola possa realizar sua missão, sem limitar-se a ser o
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estopim das contradições nem a seguir irrefletidamente as diretrizes, ordens, correntes ou pressões do exterior. Para o autor, se entendermos a educação como algo com clara dimensão social e política, a profissionalidade pode significar uma análise e uma forma de intervir nos problemas sociopolíticos que competem ao trabalho de ensinar (CONTRERAS, 2012). Assim,o autor considera que o docente não é mais um profissional isolado e sua prática não se limita a suas crenças e seu ambiente, mas sua competência profissional passa a ser constituída pela ação coletiva e organizada e pela intervenção naqueles lugares que restringem o reconhecimento das consequências sociais e políticas do exercício profissional do ensino. Por tudo que já foi discutido sobre profissionalidade, fica evidente que as competências profissionais, nessa perspectiva, transcendem o sentido puramente técnico do recurso didático. Elas são um elemento complexo que combinam habilidades, princípios e consciência do sentido e das consequências das práticas pedagógicas. Para Contreras (2012), os professores desenvolvem sua competência profissional reconhecendo sua capacidade de ação reflexiva e de elaboração de conhecimento profissional em relação ao conteúdo de sua profissão e sobre os contextos que condicionam sua prática para além da aula. O docente só se torna apto a cumprir suas responsabilidades se tiver desenvolvido sua competência docente, mas ao mesmo tempo, ele não pode desenvolvê-la sem a prática. Dessa forma, o conhecimento atribuído a essa dimensão é elaborado e reelaborado a partir de diferentes trocas, experiências e intercâmbios entre os docentes, se tornando produto de diferentes tradições e posições pedagógicas que emergem de diversificadas vivências e realidades. A combinação, interpretação e justificação das três dimensões da profissionalidade nos auxilia no entendimento da autonomia profissional no ensino. Contreras (2012) afirma que diferentes concepções sobre a prática docente permitem a configuração de diferentes possibilidades de significação da autonomia bem como de diferentes possibilidades educativas. O autor então apresenta três modelos de compreensão da prática que, segundo ele, delineiam três tendências básicas defendidas teoricamente. As três concepções desenvolvidas na sequência- o especialista técnico, o profissional reflexivo e o intelectual crítico - supõem diferentes formas de entender o trabalho de ensinar, e ainda que insuficientes para formular a questão da autonomia, a discussão e análise de seus limites e possibilidades permitem formular uma maneira mais matizada e complexa do que a autonomia profissional docente possa significar (CONTRERAS, 2012). O Especialista Técnico
A perspectiva que vê o docente como um especialista técnico é pautada, segundo Contreras (2012), no modelo de racionalidade técnica. A ideia básica desse modelo é que a prática consiste na solução instrumental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede da pesquisa científica
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(CONTRERAS, 2012). Schein (apud CONTRERAS, 2012) identificou três componentes essenciais do conhecimento profissional racionalista técnico: a ciência ou disciplina básica, a ciência aplicada ou engenharia e a habilidade e atitude. A primeira compreende todo escopo do conhecimento sobre o qual a prática se apoia e se desenvolve. A segunda engloba os métodos e procedimentos de diagnosticar e resolver os problemas. E a terceira se relaciona com a atuação concreta a serviço do cliente. Nesse modelo, as práticas docentes ficam submetidas ao conhecimento estabelecido e concretiza-se uma hierarquização na relação entre prática e conhecimento, o que produz reconhecimento e status acadêmico diferenciado para os produtores de conhecimento em relação aos professores. Os docentes são colocados em uma relação de subordinação aos elaboradores e ficam limitados à aplicação de técnicas, sem se envolverem com a sua elaboração. Além da prática, a formação docente também é submetida a essa hierarquização através da concepção do currículo profissional.É muito comum vermos os currículos de formação docente serem organizados de forma a privilegiar as disciplinas teóricas, subordinando as disciplinas práticas a essas e relegando as disciplinas de cunho pedagógico e didático ao fim do curso. Outro ponto relevante desse modelo é a tentativa de estudar ações humanas através do conhecimento empírico-analítico, cujo interesse constitutivo é o técnico, isto é, a ação sobre os objetos para obter deles os resultados desejados (CONTRERAS, 2012, pg.104). O docente passa a atuar de forma a alcançar os fins pretendidos, sem questionar o surgimento desses objetivos ou os contextos humanos e sociais nos quais estão atuando e a consequência de sua prática sobre eles. De fato, o modelo de professor especialista técnico só se sustenta quando há fins fixos e bem definidos, pois, segundo Contreras (2012), só é possível estabelecer correspondência entre as atuações e conquistas que possam estar fundamentadas na regra se as conquistas buscadas são claras e estáveis. Portanto, é necessária alguma estabilidade para que tanto as técnicas de diagnóstico, quanto os meios para se obter os fins fixados, possam ser avaliados. O domínio técnico atribuído ao docente nessa perspectiva está relacionado ao conhecimento dos procedimentos adequados de ensino e em sua aplicação inteligente. Esses procedimentos são elaborados por especialistas e o professor tem acesso a eles através da formação inicial e continuada. Assim, o docente está eternamente sujeito às técnicas e métodos elaborados pelos especialistas, assumindo uma dependência não apenas em relação ao conhecimento previamente desenvolvido, mas às finalidades pretendidas. Ser um bom professor acaba por depender da relação entre sua atuação com essas técnicas e métodos e os efeitos sobre o rendimento dos alunos e o currículo e o ensino passam a ser vistos como uma atividade dirigida para alcançar resultados ou produtos predeterminados (CONTRERAS, 2012).
Surge então, o que Elliott (apud CONTRERAS, 2012) denominou de expert infalível, caracterizado pelo docente que se preocupa em desenvolver sua prática em função apenas das categorias extraídas do conhecimento especializado que possui. Dessa forma, se colocando como um especialista, o professor fica com a falsa sensação de autonomia, pois lhe parece óbvio que é ele quem escolhe os conteúdos e organiza sua prática de acordo com a sua especialidade. Mas, na realidade, o que ocorre é uma aceitação, por parte dos docentes, de
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objetivos educativos assumidos na cultura profissional e acaba interiorizando de forma não reflexiva os estereótipos e valores vigentes na cultura profissional. Para Contreras (2012), a figura do expert, implantada pela racionalidade técnica, legitima, com o domínio das técnicas derivadas do conhecimento científico e com sua eficiência, aqueles objetivos que ficam fora do debate tanto para os professores quanto para a sociedade. Assim, como os aspectos relacionados às políticas públicas para educação não fazem parte da dimensão de preocupação atribuída aos docentes, tanto sua formação, quanto sua atuação acabam ocorrendo de forma despolitizada e acrítica em relação às questões sociais e culturais. O autor assinala que a sala de aula é, no entanto, um espaço interativo imprevisível, onde mais do que questões acerca da disciplina específica são impreterivelmente desenvolvidas, questionadas e problematizadas pelos alunos e docentes. Isso faz com que os docentes se sintam abandonados em muitos cursos de formação e questionem inclusive, seu caráter conteudista, já que em sua prática eles necessitam, além de seu conhecimento especializado, desenvolver questões morais e sociais. A necessidade de resgatar a base reflexiva na atuação profissional com o objetivo de entender a forma em que realmente se abordam as situações problemáticas da prática, leva Contreras (2012) ao modelo docente do profissional reflexivo. O Profissional Reflexivo
A ideia de profissional reflexivo foi desenvolvida por Schön (apud CONTRERAS, 2012) com intuito de dar conta da forma pela qual os profissionais enfrentam aquelas situações que não se resolvem por meio de repertórios técnicos; aquelas atividades que, como o ensino, se caracterizam por atuar sobre situações que são incertas, instáveis, singulares e nas quais há conflito de valor (CONTRERAS, 2012). Nessa perspectiva, ações são realizadas através de um conhecimento, nem sempre consciente, interiorizado e implícito na própria ação. O conhecimento não precede a ação, mas sim, está tacitamente personificado nela e, portanto, é definido como conhecimento na ação. Outra característica importante desse modelo é que ele supõe uma reflexão sobre a forma com que habitualmente entendemos a ação que realizamos, que emerge para podermos analisá-la em relação à situação na qual nos encontramos, e reconduzi-la adequadamente. Schön (apud CONTRERAS, 2012) chama essa característica de reflexão na ação. No entanto, para que essa característica se desenvolva o docente deve estar diretamente atuando na sala de aula e praticando e repetindo essa reflexão. Como produto da repetição, ele desenvolve um repertório de expectativas, imagens e técnicas que lhe servem de base para suas decisões. Porém, há momentos em que o conhecimento profissional acumulado e tácito do docente se mostra insuficiente para dar conta de alguns casos, assim o docente tem de utilizar outros recursos, que provavelmente, serão oriundos da formação. O profissional reflexivo, ao enfrentar novas situações, vai criando novas perspectivas de entender os problemas que não lhe são comuns. Ao refletir sobre sua prática
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está mergulhado na mesma e por isso, acaba estabelecendo uma relação de pesquisador nesse contexto. Para Contreras (2012), Nessas situações ele não depende de teorias e técnicas preestabelecidas, mas constrói uma nova maneira de observar o problema que lhe permita entender suas peculiaridades e decidir o que vale a pena salvar ou colocar um ponto final. Em situações como essas, os práticos demonstram sua "arte profissional", ao serem capazes, de forma aparentemente simples, de manipular grande quantidade de informação, selecionando os traços relevantes e extraindo consequências a partir do conhecimento profissional de casos anteriores, reconhecendo a singularidade da nova situação em comparação com as outras (p.121) O processo educativo, nessa perspectiva, tem como principal responsabilidade a construção do ensino a partir do que se pretende, e não apenas do que se deve fazer. Os fins passam a não ser apenas um objetivo, mas também um objeto de discussão, logo, os processos de reflexão acabam gerando novos conflitos e discussões em torno dos limites que, para a compreensão e ação, as instituições e práticas sociais colocam em relação aos problemas profissionais (CONTRERAS, 2012). Nesse modelo,a prática profissional, segundo Contreras (2012), integra necessariamente as consequências sociais que desencadeia e, em geral, o contexto social mais amplo na qual se inscreve, por isso, o diálogo reflexivo com a situação também é, necessariamente, um diálogo com o contexto social. Schön (apud CONTRERAS 2012) afirma que a prática profissional pode ser entendida como uma atuação artística no sentido de ser uma prática humana, produto de meditação, da bagagem pessoal, da experimentação com as situações, da reflexão na prática, da intenção que se expressa como qualidades que guiam a busca e não como resultados antecipados. Essa perspectiva abre espaço para que o docente questione sua posição institucional e educacional, sua prática, suas responsabilidades, etc., fazendo com que a reflexão molde, além da ação, o próprio modelo de compreensão e as avaliações docentes. Assim, o processo reflexivo acaba gerando constante mudança na compreensão do professor sobre sua prática frente às diferentes situações a que são sujeitos diariamente. Nesse modelo de formação, o professor não está à margem da discussão pública sobre as finalidades do ensino e sua organização, pelo contrário, se encontra bem no meio dela (CONTRERAS, 2012). Logo, a autonomia docente acaba se realizando no contexto dos elementos que intervêm na reflexão e na avaliação das questões ideológicas e sociais que a comunidade impõe. O docente não pode fazer escolhas sem ponderar acerca das ideias e demandas da comunidade em que está inserido, suas ações são pautadas no equilíbrio entre seu juízo sobre as coisas e a responsabilidade social que lhe compete.
A principal característica negativa desse modelo deriva das múltiplas interpretações e a descaracterização pelos pesquisadores sobre o termo reflexão. Essa palavra, após elaboração do modelo de profissional reflexivo por Schön, acabou se tornando uma palavra slogan e seu sentido original foi sendo aos poucos deturpado, tornando-a um termo polissêmico. Zeichner
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(apud CONTRERAS, 2012) ao buscar esclarecer o sentido atribuído para prática reflexiva, identificou na literatura pedagógica cinco variedades de interpretações: 1) Uma versão acadêmica, que acentua a reflexão sobre as disciplinas e a representação e tradução do conhecimento disciplinar em matérias para promover a compreensão dos estudantes; 2) Uma versão de eficiência social, que ressalta a aplicação minuciosa de estratégias particulares de ensino que vêm sugeridas por um "conhecimento básico" externo à pratica e que se deduz da pesquisa sobre o ensino. Esta aplicação de conhecimento externo pode ser encontrada em sua modalidade mais puramente tecnológica, de uso de habilidades e estratégias concretas, ou como um processo mais próximo à solução de problemas, fazendo um uso inteligente de estratégias genéricas sugeridas pela pesquisa em casos concretos; 3) Uma versão evolutiva, que prioriza um ensino sensível ao pensamento, aos interesses e às pautas do desenvolvimento evolutivo dos estudantes, bem como da própria evolução do professor como docente e como pessoa; 4) Uma versão de reconstrução social, que acentua a reflexão sobre os contextos institucionais, sociais e políticos, bem como a valorização das atuações em sala de aula em relação à sua capacidade para contribuir para uma igualdade maior, justiça e condições humanas, tanto no ensino como na sociedade; 5) Uma versão genérica, na qual se defende a reflexão em geral, sem especificar grande coisa em relação aos propósitos desejados ou ao conteúdo da reflexão. Facilmente notamos que a visão do professor com capacidade de deliberação moral sobre o ensino, ou seja, que busque práticas concretas para cada caso, consistentes com as pretensões educacionais, não está contemplada em nenhuma das interpretações encontrada por Zeichner (apud Contreras, 2012). Logo, fica evidente porque o termo reflexão acabou se tornando polissêmico e um slogan: suas múltiplas interpretações favorecem sua utilização nos discursos de convencimento que não estão comprometidos com uma determinada visão, mas apenas desejam agradar a maior parte dos ouvintes.
O professor reflexivo também encontra limites ao se defrontar com as características da instituição educacional na qual atua. O excesso de responsabilidades, caracterizado, por exemplo, pela alta quantidade de horas de trabalho e a insegurança causada pelo medo à crítica e sanções levam os docentes a condicionarem sua reflexão à sala de aula, a se isolarem e a atribuírem a culpa sobre as questões desconfortáveis aos contextos imediatos: alunos, colegas, o funcionamento da escola, etc. Nessas condições, segundo Contreras (2012), sua reflexão não os levaria a analisar sua experiência como condicionada por fatores estruturais,
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ou sua mentalidade como dependente do contexto da própria cultura e socialização profissionais. Por essa razão, alguns autores justificam a necessidade de dispor de uma análise teórica, uma teoria crítica, que permitisse aos professores perceber qual a sua situação (CONTRERAS, 2012). Surge assim o modelo do intelectual crítico, que será discutido na seção a seguir. O Professor Intelectual Crítico O modelo de formação do professor intelectual crítico é construído por Contreras (2012) sobre dois pilares: o professor como intelectual, defendido por Giroux (apud CONTRERAS, 2012) e a crítica reflexiva, proposta pelo próprio autor. Contreras (2012) afirma que a ideia do professor como intelectual, proposta por Giroux (apud CONTRERAS, 2012), reflete acerca de um programa de compreensão e análise de uma concepção do que devem ser os professores. Essa concepção está ligada à ideia da autoridade emancipatória, ligada às ideias de liberdade, igualdade e democracia, que sugere que os docentes devem construir um ensino dirigido à formação de cidadãos críticos e reflexivos. Nesse contexto, as escolas se tornam esferas públicas democráticas, ou seja, lugares onde os alunos aprendem e lutam coletivamente por aquelas condições que tornam possível a liberdade individual e a capacitação para atuação social (CONTRERAS, 2012). Assim, os docentes precisam ter claros os referenciais políticos e morais sob os quais constituem sua autoridade de ensino, já que estão comprometidos com a transformação social, por meio da capacitação de pensar e agir criticamente. Esse comprometimento remete ao que Giroux (apud CONTRERAS, 2012) denomina intelectual transformador. Esse profissional deve, além de obter um controle maior sobre as condições de seu trabalho e ensinar pedagogia crítica, abrir a prática educativa a outros grupos e práticas sociais compromissadas com a contestação popular ativa, bem como a todos aqueles setores que devem ter uma voz ativa na comunidade (CONTRERAS, 2012). No entanto, essa prática não é algo definido a partir de uma receita ou um molde, ela deve ser construída ao longo da experiência do professor. Nessa perspectiva, o que temos, é uma visão sobre o papel dos professores e a forma de entender sua função no âmbito da escola e da sociedade em termos de compromisso com um conteúdo bem definido: ...elaborar tanto a crítica das condições de trabalho quanto uma linguagem de possibilidades que se abram à construção de uma sociedade mais democrática e mais justa, educando seus alunos como cidadãos críticos e ativos, compromissados com a construção de uma vida individual e pública digna de ser vivida, guiados pelos princípios de solidariedade e de esperança. (CONTRERAS, 2012, p.177)
Mas, para o autor, Giroux (apud CONTRERAS, 2012) esquece, pelo menos em sua obra, que os professores estão presos aos limites de suas salas de aula e não discute como os
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docentes poderiam, na realidade, construir essa visão crítica em relação à sua profissão. Para dar conta desse quesito, Contreras (2012) recorre à reflexão crítica, que, para o autor, facilita a ligação de uma concepção libertadora de prática de ensino com o processo de emancipação dos próprios professores. No entanto, devemos tomar cuidado para não confundir a reflexão crítica aqui citada com a reflexão do profissional reflexivo de Schön, que vimos na secção anterior. A reflexão crítica permite analisar e questionar, além das questões da prática, as estruturas institucionais em que os docentes trabalham, e auxilia na exploração da natureza social e histórica, tanto da relação dos docentes como atores das práticas institucionalizadas da educação, quanto da relação entre o pensamento e a ação educativos (CONTRERAS, 2012). De fato, há muitas opiniões e práticas, na realidade, quase um senso comum, que o docente assume por estar no meio em que essas se tornaram verdades. Ao começar a desenvolver reflexão crítica o docente visualiza o seu mundo de forma diferente, inclusive questionando os porquês de determinadas regras e ações. Dessa forma, os professores passam a ter um tipo de emancipação dessas visões acríticas que sustentavam sua prática encabrestada pelo senso comum, construído de forma política, histórica e social. Ao desvelar a origem sócio-histórica e os interesses para que e para quem serve a educação, o professor passa a realizar uma ação transformadora dirigida a eliminar a irracionalidade e a injustiça existentes no ensino e nas instituições que o sustentam. Para que os professores possam sustentar uma posição reflexiva crítica, sua formação deve trabalhar criticamente sua capacidade de questionamento no intuito de que o docente possa seguir uma lógica de conscientização progressiva em sua atuação. Smyth (apud CONTRERAS, 2012) afirma que há quatro fases que podem representar o ciclo de reflexão que os docentes deveriam adotar: descrição, informação, confronto e reconstrução. Na descrição, o docente deve questionar sua prática quanto à regularidade, contradições e etc., incluindo como elementos quem, o quê e quando. Na informação, o docente, a partir da análise da descrição obtida na primeira fase, deve identificar as relações entre os elementos buscando dar significado para sua prática. A fase seguinte, de confronto, configura o momento em que o professor vai questionar como chegou até os significados encontrados na fase anterior. Nessa fase, o docente questiona-se sobre suas crenças, valores e pressupostos, de onde eles procedem, porque ainda os mantém, quais os limites de suas convicções, se em sua prática há conexões entre o pessoal e o social e a quem servem seus interesses. Na última fase, o docente questiona como ele poderia fazer diferente e o que ele deve fazer para mudar, por isso ela denomina-se reconstrução, no sentido em que o professor faz uma reconstrução de suas práticas e atitudes durante a reflexão crítica.
Ao longo desse processo, o professor intelectual crítico acaba criando muitas resistências aos discursos das relações e das formas de organização do sistema escolar, bem como passa a não aceitar como missão profissional o que já está inscrito na definição institucional do papel do professor. Dessa forma, autonomia docente se torna sinônimo de emancipação, já que supõe um processo contínuo de descobertas e de transformação das diferenças entre a prática cotidiana e as aspirações sociais e educativas de um ensino guiado pelos valores da igualdade, justiça e democracia. Segundo Contreras (2012), este processo
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resulta na compreensão dos fatores que dificultam não só a transformação das condições sociais e institucionais do ensino, como também de nossa própria consciência. Para sintetizar os três modelos de professores apresentados, Contreras (2012) apresenta uma tabela, reproduzida abaixo (Quadro 1), onde relaciona o modelo com as seguintes dimensões: profissionalidade; obrigação moral, compromisso com a comunidade e competência profissional; e concepção de autonomia profissional. Quadro 1- A autonomia profissional de acordo com os três modelos de professores- adaptado*.
MODELOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Especialista Técnico
Profissional Reflexivo
Intelectual Crítico
DIMENSÕES DA PROFISSIONALIDADE DO PROFESSOR
Obrigação Moral
Os fins e valores passam a ser resultados estáveis e bem definidos, os quais se espera alcançar.
O ensino deve guiar-se pelos valores educativos pessoalmente assumi-dos. Definem as qualidades morais da relação e da experiência educativas.
Ensino dirigido à emancipação indivi-dual e social, guiada pelos valores de racionalidade, justiça e satisfação.
Compromisso com a comunidade
Despolitização da prá-tica. Aceitação das metas do sistema e preocupação com a eficácia e eficiência em seu êxito.
Negociação e equilíbrio entre os diferentes interesses sociais, inter-pretando seu valor e mediando política e prática entre eles.
Defesa de valores para o bem comum (justiça, igualdade e outros). Participação em movi-mentos sociais pela democratização.
Competência profissional
Domínio técnico dos métodos para alcançar os resultados previs-tos.
Pesquisa/ reflexão sobre a prática. Deliberação na incerteza acerca da forma moral ou educativamente cor-reta de agir em cada caso.
Autorreflexão sobre as distorções ideológicas e os condicionantes institucionais. Desenvolvimento da análise e da crítica social. Participação na ação política transformadora.
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CONCEPÇÃO DA AUTONOMIA PROFISSIONAL
Autonomia como sta-tusou como atributo. Autoridade unilateral do especialista. Não ingerência. Autonomia ilusória: dependência de diretrizes técnicas, insensibilidade para os dilemas, incapacidade de resposta criativa diante da incerteza.
Autonomia como res-ponsabilidade moral individual, considerando os diferentes pontos de vista. Equilíbrio entre a inde-pendência de juízo e a responsabilidade social. Capacidade para resol-ver criativamente as situações-problema para realização prática das pretensões educativas.
Autonomia como emancipação: liberação profissional e social das opressões. Supe-ração das distorções ideológicas. Consciên-cia crítica. Autonomia como processo cole-tivo (configuração dis-cursiva de uma vonta-de comum), dirigido a transformações das condições institucio-nais e sociais do ensino.
*Fonte: Livro: A Autonomia de Professores de José Contreras, p. 211. Publicado pela editora Cortez em 2012. A formação do professor de Física à luz dos modelos teóricos de formação docente Apesar dos modelos de formação docente trazidos por Contreras (2012) serem minuciosamente discutidos e de alta relevância para a pesquisa em ensino, o autor não se preocupa, em seu livro, em definir explicitamente como seria a formação fundamentada em cada um dos modelos. Devido ao nosso trabalho ter como objeto de pesquisa um programa de MP em Ensino de Física, sentimos a necessidade de delinear, ainda que de forma singela, em que consistiriam propostas de formação adequadas a cada um dos modelos formativos de Contreras. O primeiro modelo, o do especialista técnico, segundo Contreras (2012), prima pela boa utilização de métodos e técnicas para a melhoria do rendimento dos alunos. Assim, a formação voltada para esse modelo priorizaria formar docentes aptos na utilização de estratégias, métodos e técnicas já elaborados. Durante a formação, o docente deve aprender que o currículo e o ensino servem para alcançar resultados e produtos pré-determinados e que não cabe a ele discutir ou questionar as determinações vindas de posições superiores à sua. Esse docente deve ser ensinado a preocupar-se principalmente com o conteúdo e isso se reflete no currículo de sua formação.
O currículo do curso de formação, para se adequar ao modelo do especialista técnico, deve trazer as disciplinas hierarquizadas: em primeiro plano as que tratam do conhecimento básico, em segundo plano as que tratam do conhecimento básico aplicado e em terceiro plano e de forma pouco exploradas, as que tratam dos componentes do saber e as relacionadas com o fazer (CONTRERAS, 2012). Fazendo uma transposição para um currículo de um curso de formação de docentes em Física teríamos: em primeiro lugar as disciplinas de Física Básica, Física 1, 2, 3 e 4; em segundo, as disciplinas de laboratório e Física aplicada e, por último, as
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disciplinas de cunho pedagógico e metodológico voltadas para o ensino. Esse currículo tem um forte viés racionalista e é carregado de visões positivistas, pois ao se concentrar no conteúdo e dar importância prioritária ao mesmo, acaba fomentando visões epistemológicas que colocam a ciência em um pedestal, imunizando-a de possíveis críticas e questionamentos. Nessa perspectiva, o docente formador deve ter, então, uma prática próxima, ou fiel, à do expert infalível (CONTRERAS, 2012). O foco de suas aulas, trabalhos, provas deve ser apenas o conteúdo, pois, de fato, ele tem um objetivo claro: preparar o docente em formação para a melhor atuação possível em questões de conteúdo e utilização de métodos e estratégias existentes. As políticas institucionais e governamentais (no caso da Física, as Orientações Curriculares, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e, para o RS, o Ensino Médio Inovador) aparecem, na prática desse docente formador, como fomentadoras e direcionadoras de objetivos e necessidades, elas indicam os conteúdos, caminhos e metas. O docente em formação, na perspectiva do especialista técnico, assume que aprender mais e melhor os conteúdos específicos e conhecer as estratégias com fins definidos influencia diretamente no rendimento de seus alunos. Pois para ele, ainda que não assuma ou não entenda que esse é o âmago de sua preocupação, grande parte da culpa pelo baixo rendimento de seus alunos é devida à sua formação deficitária e, portanto, buscar sempre se aprimorar e melhorar seus conhecimentos do conteúdo é sinalização de sua boa docência. Da mesma forma, as avaliações sobre a educação, internacionais e nacionais (PISA, Enem, vestibulares,etc.), são superestimadas por eles e geram uma demanda de aperfeiçoamento profissional, inclusive para que as metas estipuladas para seus alunos sejam alcançadas. O modelo do profissional reflexivo apresentado por Contreras (2012) demanda um processo formativo que busque dar subsídios ao docente para a reflexão na ação, a criação de novas perspectivas, estratégias, metodologias e para se tornar um pesquisador no contexto de sua prática. Além disso, nesse processo formativo, a experiência e vivência docente ganham uma relevância que não aparecia no processo baseado no modelo do especialista técnico. Esse processo formativo é orientado por um currículo que não prioriza uma hierarquização e as disciplinas de conhecimento básico e conhecimento básico aplicado acabam se misturando com as disciplinas de cunho pedagógico e metodológico. Dessa forma, o docente formador não fixa suas aulas para alcançar objetivos pré-definidos, mas busca a constante construção e reconstrução da sua própria prática frente às demandas que vão surgindo diariamente. Um exemplo singelo desse modelo é aquele professor que busca, na sua prática diária, ensinar conceitos físicos relacionando-os com suas aplicações tecnológicas e com aspectos importantes para a humanidade. Notem que esse docente não está preocupado com uma prova específica ou com algum objetivo bem definido, ele busca apenas adequar sua prática à responsabilidade social oriunda dela.
Nessa mesma perspectiva, o docente em formação aprende que sua prática não exclui responsabilidades sociais, então ele procurará manter certo equilíbrio entre essas e o próprio juízo sobre as coisas (CONTRERAS, 2012). Esse docente busca dar significação social à sua
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prática e para tal busca uma formação que o auxilie a desenvolver estratégias e materiais para a melhoria da mesma. O modelo do intelectual crítico, apresentado por Contreras (2012), é o mais complexo na definição de um processo formativo, pois uma de suas características básicas é não ter moldes e regras determinadas, mas ser construído ao longo da própria formação. Esse processo tem como principal característica a formação de docentes aptos para a formação de cidadãos críticos e reflexivos (CONTRERAS, 2012). Sendo assim, seu currículo não é pré-estabelecido, nem compartimentado em disciplinas específicas, ele é construído ao longo da formação de acordo com as necessidades e demandas dos próprios docentes em formação relacionadas a aspectos políticos, históricos, sociais, culturais, econômicos, pedagógicos e educacionais. O docente formador, nessa perspectiva, tem de ser um profissional preocupado em compartilhar formas de análise e questionamento das questões práticas e estruturais que estão naturalizadas, tanto nas instituições de ensino e formação, quanto na própria sociedade. Ao mesmo tempo esse docente busca, constantemente, a emancipação de seus alunos e a sua própria em relação às visões acríticas (CONTRERAS, 2012). O processo formativo se torna em tão mais horizontalizado, onde não há detenção de poder por parte do docente formador, mas uma troca de conhecimento, opiniões e intensa discussão entre esse e os docentes em formação. O docente em formação, nessa perspectiva, procura a formação em busca de emancipação das visões acríticas e com intuito de reconstruir os fatores que dificultam as transformações das condições sociais e institucionais de em ensino. Esse docente, no entanto, não vê a formação como salvadora e responsável por todas as mudanças em sua visão e prática, ele busca através de vários meios a conquista diária de sua emancipação e liberdade. Uma dessas formas é inclusive, aceitar, durante a formação e sua prática, a inserção e sua imersão em questões sociais através da troca com movimentos sociais desvinculados da escola. Como já afirmei anteriormente, o modelo de formação do intelectual crítico é o mais difícil de definir ou mesmo pôr em prática, pois a constituição social e educacional que vivemos hoje em dia não dá abertura para esse tipo de processo. Nossas amarras com as avaliações nacionais e internacionais e com objetivos institucionais próprios, permitem a implementação e elaboração do primeiro (especialista técnico) e segundo (profissional reflexivo) processos, às vezes separados, às vezes numa mescla, mas não do terceiro. Ainda que pareçam idealistas, podemos encontrar traços de cada um dos três modelos na prática e na formação docente, o que pode nos mostrar quais os objetivos primordiais da educação em cada caso. A discussão desses modelos e sua identificação é o primeiro passo no entendimento aprofundado das construções sociais e culturais que permeiam os processos educativos, auxiliando assim na crítica e mudança desses processos.
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CAPÍTULO 3: QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO Nossa pesquisa é um estudo qualitativo, no qual buscamos investigar o modelo formativo do MPEF da UFRGS por meio da análise da proposta inicial do curso, do currículo e de uma amostra de trabalhos de conclusão produzidos pelos professores-alunos neste contexto. Na busca pela compreensão desse contexto de formação, partimos do princípio de que estamos lidando com uma realidade sociocultural, multifacetada e moldada necessariamente pela linguagem. Assim, optamos por fundamentar nossa pesquisa em alguns conceitos da filosofia da linguagem desenvolvida pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin. Esse autor entende que todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem e essa é dialógica e social. Nesta perspectiva, a linguagem é fenômeno social, histórico e ideológico, elemento de comunicação, que, por consequência, “não poderá jamais ser compreendida e explicada fora desse vínculo com a situação concreta” de produção (BAKHTIN, 2008, p. 124). Dessa forma, a filosofia de Bakhtin se torna uma aliada teórica na interpretação e análise de discursos, na medida em que nos permite analisar além do que é dito, levando em conta o contexto de produção dos enunciados. Este aspecto é de extrema importância na elaboração de nosso trabalho, já que escolhemos analisar documentos e trabalhos produzidos em um curso de MP em Ensino de Física, considerado como um contexto sociocultural, no qual, portanto, a linguagem desempenha papel fundamental. Não pretendemos, no entanto, e nem teríamos condições espaço-temporais, de abranger todos os conceitos que estruturam a teoria bakhtiniana. Nesse estudo, nos apropriaremos dos conceitos que consideramos mais interessantes para aprofundar a compreensão da perspectiva de formação e seus objetivos com a qual o MPEF se compromete, e como os docentes em formação acabam se apropriando dessa perspectiva em seu trabalho de conclusão. Assim, na próxima seção, estabelecemos um diálogo com pressupostos teórico-metodológicos bakhtinianos que fundamentam a análise do material empírico desta investigação. Bakhtin e os enunciados
A linguagem é a forma com que o ser humano se expressa e se legitima, é a partir dela que o homem consegue se comunicar com o outro e com o mundo. Essa linguagem pode se dar de diversas formas, desde a fala até a representação gráfica. Voloshinov6 (1930) afirma
6Autor pertencente ao chamado Círculo de Bakhtin, grupo multidisciplinar de intelectuais russos que se reuniam regularmente entre 1919 e 1929. Há, inclusive, discussões e incertezas acerca da autoria de alguns textos
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que a linguagem é um produto da vida social, seu desenvolvimento segue a evolução da vida social e encontra-se em um perpétuo devir. Para esse autor, a progressão da linguagem se concretiza na relação social de comunicação que cada homem mantém com seus semelhantes no nível do discurso. A linguagem está ligada a cada atividade humana, portanto, seu uso é tão multiforme quanto cada campo da atividade. O discurso é pensado, moldado e proferido de acordo com os propósitos da esfera onde é produzido e a relação discursiva se dá através do ato da enunciação, pelo locutor, e da compreensão do enunciado, pelo ouvinte (VOLOSHINOV, 1930). Para Bakhtin (2010), os enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, emanam dos integrantes de uma ou de outra esfera da atividade humana e são caracterizados pelo conteúdo (temático), por seu estilo verbal e, sobretudo por sua construção composicional. Esses três componentes estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Mesmo que cada enunciado particular seja individual, cada campo da utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os chamados gêneros do discurso (BAKHTIN, 2010). Segundo Bakhtin (2010), nós falamos através de gêneros discursivos, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo. Quando o autor profere um enunciado, ele tem um destinatário suposto, que pode estar presente fisicamente ou não, e está localizado em um espaço e tempo definidos e a uma esfera da atividade humana. O conteúdo temático do enunciado é escolhido de acordo com a ideia que o locutor quer passar e para quem ele imagina que vai falar. Por exemplo: se alguém quisesse defender ideias sobre a educação em uma escola, provavelmente não escolheria o mesmo discurso para falar com os pais, os alunos e a direção; em cada caso, sendo um bom orador, a pessoa utilizaria como conteúdo temático as questões mais pertinentes para cada grupo, ainda que falasse sobre o mesmo tema. A construção composicional também varia de acordo com a esfera da atividade na qual o enunciado é produzido. Assim, o falante vai construir seu discurso de acordo com as expectativas dos ouvintes integrantes da esfera em questão. Por exemplo: ao escrever uma dissertação de mestrado, o autor está ciente que a esfera de atividade humana na qual seu discurso estará inserido é a academia, assim, a construção de seu texto seguirá "normas" estabelecidas, explícitas ou não. Seu texto começará por um resumo, em seguida apresentará uma justificativa, referenciais teóricos, desenvolvimento e por fim, as conclusões. Vale lembrar que o gênero discursivo, por mais flexível que seja em comparação a outras unidades da língua (como frases, orações), não é inventado pelo falante, mas sim dado a ele como caráter normativo, relacionado à determinada esfera da atividade humana. Portanto, nenhum enunciado pode ser considerado uma combinação absolutamente livre de formas da língua (BAKHTIN, 2010).
O estilo verbal (indissociável de determinadas unidades temáticas e de determinadas unidades composicionais como tipos de construção, de acabamento, de tipos da relação do
produzidos pelo Círculo, como o caso do livro Marxismo e Filosofia da Linguagem que, inicialmente, foi assinado por Voloshinov, mas, posteriormente, foi atribuído ao próprio Bakhtin.
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falante com outros participantes da comunicação discursiva) integra a unidade de gênero do enunciado como seu elemento (BAKHTIN, 2010). Segundo Bakhtin (2010), estilos de linguagem não são outra coisa senão estilos de gênero de determinadas esferas da atividade humana e da comunicação. O destinatário suposto de uma dada esfera da atividade humana também interfere na escolha do estilo verbal do enunciado pelo locutor. Apesar de todo enunciado ser individual, falado por um locutor, e refletir, por vezes, a individualidade do falante, o estilo do enunciado ainda é direcionado e moldado ao ouvinte. Por exemplo: ao nos reportarmos aos nossos chefes ou a alguma figura de poder dentro do nosso ambiente de trabalho utilizamos recursos léxicos e gramaticais próprios que dificilmente utilizaríamos em uma conversa de bar com nossos amigos. A circunstância e o ouvinte acabam por definir qual o melhor estilo verbal a ser empregado, porém, o estilo não é uma receita de bolo ou algo estanque e determinado, ele sofre algumas variações próprias, já que o enunciado é pronunciado por um falante e também reflete as características individuais do mesmo. As três características citadas acima, porém, também são utilizadas para outras unidades da língua (parágrafo, frase, oração). O que de fato demarca a teoria de Bakhtin e o enunciado como unidade analítica discursiva são suas características únicas: alternância de sujeitos, conclusibilidade, responsividade e direcionalidade. Bakhtin (2010) afirma que o enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, precisamente delimitada pela alternância dos sujeitos do discurso. De fato, é fácil caracterizarmos a alternância de sujeitos nos enunciados falados, próprios de uma diálogo, pois é evidente o momento em que um falante termina seu enunciado e o outro passa a enunciar. A alternância de sujeitos ocorre porque o falante dá indícios de que está terminando a fala e, assim, suscita resposta e o outro pode iniciar a sua fala. Bakhtin (2010) denomina cada enunciação proferida pelos falantes no diálogo de réplica e afirma que cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui conclusibilidade. Logo, a conclusibilidade está intimamente ligada à alternância de sujeitos do discurso já que, para que haja a alternância, o falante deve dar indícios de que falou tudo o que queria em dado momento ou sob dadas condições.
Não podemos, no entanto, confundir conclusibilidade com o conceito de conclusão de uma ideia atribuído a outras unidades da língua. A conclusibilidade é determinada por dois critérios específicos: possibilidade de resposta e inteireza. Para que um enunciado tenha conclusibilidade, o outro deve ter a possibilidade de responder a ele, de iniciar sua fala posicionando-se em relação ao que foi enunciado. Para isso, não basta que o enunciado seja compreendido no sentido da língua (BAKHTIN, 2010), ele necessita ter inteireza. A inteireza, por sua vez, é determinada por três elementos intimamente ligados no todo orgânico do enunciado: 1) exauribilidade do objeto e do sentido; 2) projeto de discurso ou vontade de discurso do falante; 3) formas típicas composicionais e de gênero do acabamento (BAKHTIN,2010). Naqueles campos da vida em que os gêneros do discurso são de natureza sumamente padronizada e o elemento criativo está ausente quase que por completo (por exemplo, no campo das ordens militares), a exauribilidade do objeto e sentido é quase extremamente plena. Porém, ao falarmos dos campos da criação (por exemplo, o campo científico) a exauribilidade é relativa. Nesses campos só podemos falar em um mínimo
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acabamento que permita ao outro se posicionar e a exauribilidade do objeto acaba ficando a mercê dos objetivos e necessidades do autor. Assim, chegamos ao segundo elemento: o projeto de discurso ou vontade de discurso do falante. Todo enunciado, seu volume e suas fronteiras, são determinados pelo que o falante quer dizer. A própria escolha do objeto, da exauribilidade do objeto e do gênero discursivo sobre o qual o enunciado será construído são determinados a partir das necessidades e anseios do falante e qual ouvinte ele pretende atingir. A escolha do gênero discursivo, terceira componente da conclusibilidade, é determinada pela especificidade de cada campo da comunicação discursiva. A intenção discursiva do falante, com toda a sua individualidade e subjetividade, é aplicada e adaptada ao gênero escolhido, constitui-se e desenvolve-se em uma determinada forma de gênero (BAKHTIN, 2010). A escolha do gênero, como vimos, está relacionada à esfera da atividade humana na qual o enunciado se produz. Portanto, o destinatário suposto, que é o ser constituinte dessa esfera, acaba por direcionar o falante nas suas escolhas discursivas e, mais do que isso, ele é imprescindível na constituição do enunciado. Todo enunciado, para se constituir, necessita de um falante, que o enuncia, e um ouvinte, que o interpreta. Essa interpretação é ativamente responsiva ao passo que, como já vimos, o falante molda seu discurso pensando no destinatário suposto e no seu posicionamento. A oposição, concordância, objeção, execução, etc, vêm de uma atitude responsiva ao enunciado, iniciada no instante em que o ouvinte começou a interpretar o enunciado. Assim, podemos notar que nenhuma interpretação de enunciado é livre de juízo de valor ou posicionamento do ouvinte, diferente da interpretação de outras unidades da língua. Chegamos assim à terceira característica do enunciado: a responsividade. Além do enunciado ter o caráter responsivo ao ser proferido pelo falante e interpretado pelo ouvinte (responsividade entre o falante e o ouvinte) há a responsividade entre enunciados. Para Bakhtin (2010), cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados, ou seja, cada enunciado responde a outros enunciados que já foram proferidos anteriormente. O falante não é o primeiro a emitir opiniões acerca de determinado assunto, mesmo que o assunto seja uma novidade e os argumentos utilizados para a elaboração da ideia já foram utilizados anteriormente. O enunciado é elaborado pensando nas possíveis respostas que virão do ouvinte através de tudo que já foi dito sobre aquele determinado assunto. O enunciado do falante está, em maior ou menor grau, respondendo aos enunciados antecedentes, seus e de outros falantes e precedendo, de forma a tentar inferir, os enunciados posteriores. A responsividade, seja entre enunciados ou entre falante e ouvinte, se dá através de ideias (conteúdo temático), do gênero discursivo utilizado e da estilística e construção escolhidas pela falante. O enunciado está sempre respondendo a outros enunciados, elaborados dentro de uma esfera da atividade humana, e relacionados com os ouvintes, componentes dessa esfera, portanto, suas características também serão moldadas por essa esfera. Nas palavras de Bakhtin:
Reiteramos: o enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e não pode ser separado dos elos precedentes que o determinam tanto de fora quanto de dentro, gerando nele atitudes responsivas diretas e ressonâncias dialógicas (BAKHTIN, 2010, p.300).
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Por fim, a última componente do enunciado: a direcionalidade. Ao construir o enunciado, o falante está direcionando-o a certo destinatário suposto que compõe uma determinada esfera da atividade humana. O direcionamento é, portanto, o componente que faz com que o enunciado exista, se constitua, pois, ao direcionar seu discurso para determinado ouvinte, o falante molda o enunciado pensando nas questões de responsividade, estilo, construção e gênero adequadas ao seu destinatário. Portanto, sem levar em conta a relação entre o falante e o ouvinte e seus enunciados é impossível compreender o gênero ou estilo do discurso, suas nuances e peculiaridades. A relação entre o falante e o ouvinte e entre os enunciados pode ser melhor compreendida se olharmos para o lado extraverbal que o enunciado carrega. Se analisarmos uma fala única e exclusivamente pelo significado das palavras que a compõem, perderemos grande parte do que de fato essa fala representa num universo maior. O falante é um ser que elabora seu discurso imerso em uma esfera da atividade, que por sua vez é composta por questões sociais, econômicas, políticas, culturais, educacionais, próprias. O estudo do contexto em que esse enunciado é elaborado possibilita que todos os sentidos sejam compreendidos. Voloshinov (1930) afirma que é de acordo com as circunstâncias, de acordo com o contexto, que os enunciados ganham sentido e que, cada vez que são proferidos, podem ter sentidos diferentes. Pois, o sentido depende, ao mesmo tempo, das circunstâncias imediatas que suscitaram o enunciado, e das causas sociais mediatas que estão na origem do ato da comunicação verbal considerado (VOLOSHINOV, 1930). Assim, o conjunto do enunciado não é expressivo se olharmos apenas para o significado de cada palavra conforme aparece no dicionário, mas é necessário que nos atentemos ao sentido dado à mesma. Esse sentido próprio, permeado e construído dentro do contexto real é o que torna o enunciado uma unidade de análise discursiva condizente com a perspectiva sociocultural com que estamos comprometidos. Não basta apenas olhar para o que está sendo dito, mas como, por que, para quem são outros exemplos de questionamentos necessários nessa construção, que nos levarão a um entendimento de construção discursiva mais rico. Segundo Bakhtin (2010, p. 292): ... só o contato do significado linguístico com a realidade concreta, só o contato da língua com a realidade, o qual se dá no enunciado, gera a centelha da expressão: esta não existe nem no sistema da língua nem na realidade objetiva existente fora de nós. O enunciado é elaborado num processo que defronta, responde e direciona outros enunciados, logo, trazer à tona o contexto extraverbal é importante para entender as relações dialógicas estabelecidas. Para Barros (1999), o dialogismo decorre dessa interação verbal estabelecida pelo falante e o ouvinte e faz com que o sujeito perca seu papel central no discurso. O sujeito é substituído pelas diferentes vozes sociais, componentes do discurso, que fazem dele um sujeito histórico e ideológico (BARROS, 1999). Assim, o dialogismo configura o espaço interacional onde o discurso é construído.
Dessa interação constante e contínua entre os enunciados e entre o falante e o ouvinte surge o que Bakhtin (2010) chama de processo de assimilação. Para o autor, o discurso é impregnado de palavras dos outros que trazem consigo a sua expressão e o seu tom valorativo
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que são assimilados, reelaborados e reacentuados cada vez que o falante profere seu enunciado (BAKHTIN, 2010). Nessa perspectiva, nenhuma palavra é neutra, mas carrega consigo, ao ser utilizada em um enunciado, o caráter ideológico, político e social próprio do contexto em que está sendo elaborada. Assim, a palavra é metade do outro e se torna própria apenas quando o falante a preenche com sua própria intenção, quando se apropria dela adaptando-a à sua própria intenção semântica e expressiva (BAKHTIN, 2008). Bakhtin (2010) afirma que a palavra existe para o falante em três aspectos: como neutra não pertencente a ninguém, como alheia dos outros e cheia de ecos de outros enunciados e como palavra do próprio falante compenetrada de sua expressão e direcionada a sua intenção discursiva. De fato, a palavra está inexoravelmente contaminada com o olhar de fora, do outro que dá sentido e acabamento ao discurso do falante (TEZZA, 1997). Em suma, no universo bakhtiniano nenhuma voz, jamais fala sozinha. E não fala sozinha não porque estamos, vamos dizer, mecanicamente influenciados pelos outros - eles lá, nós aqui, instâncias isoladas e isoláveis- mas porque a natureza da linguagem é inelutavelmente dupla. (TEZZA, 1997, p.221) As vozes presentes no discurso assumem caráter de visão de mundo ou percepções e caracterizam as ideologias do grupo a qual o falante pertence. Para Voloshinov (1930) o "ponto de vista pessoal" exprimido no discurso não é nada mais do que as opiniões de outras pessoas as quais o falante encontrou pela vida e concorda com sua opinião. Segundo esse autor, para que um falante renuncie a visão de mundo própria do grupo social do qual ele pertence é necessário que outro grupo social invista sobre a sua consciência, invadindo e obrigando-o ao reconhecimento da legitimidade da realidade social que produziu a nova ideologia. O objetivo da assimilação da palavra de outrem adquire um sentido profundo e importante no processo de formação ideológica do homem (BAKHTIN, 2002). A palavra de outrem pode surgir em duas categorias: a autoritária ou a interiormente persuasiva, e é no conflito e nas inter-relações entre essas duas categorias que, frequentemente, a história da consciência individual é determinada. Dessa forma Brait (1999) afirma que ao observarmos o discurso devemos nos atentar para de que forma a confluência das vozes significa muito mais a interpretação do discurso alheio, ou a manipulação na direção da argumentação autoritária, ou mesmo a apropriação e subversão do discurso. A simples interpretação ou manipulação do discurso se dá porque a palavra autoritária, gera um discurso autoritário que se impõe exigindo reconhecimento incondicional e, não absolutamente uma compreensão e assimilação livre em nossas próprias palavras (BAKHTIN, 2002). Já a apropriação e subversão do discurso é possível ao ponto que o discurso internamente persuasivo é mais aberto e se configura na palavra persuasiva que é comumente metade do falante e metade de outrem. A apropriação se dá, pois a palavra é interpretada pelo ouvinte e continua a desenvolver-se livremente na consciência do mesmo, adaptando-se a novos materiais, às novas circunstâncias, ao novos contextos e etc. ( BAKHTIN, 2002)
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Assim, podemos afirmar que, antes de ser apropriado, o discurso configura apenas a ideia dos outros e serve para defender as intenções dos outros. O falante deve tomar o discurso para si apropriando-o e fazendo-o servir às suas ideologias e crenças (ainda que essas sejam adversas às do grupo social ao qual pertence). Porém, Bakhtin (2002) nos alerta para o fato de que nem toda apropriação ocorre de forma fácil e clara e nem sempre o processo de apropriação se dá de forma completa, podendo gerar discursos forçados e simulados: A língua não é um meio neutro que passa livremente e com facilidade para a propriedade privada das intenções do falante; ela é superpovoada com as intenções dos outros. Expropriá-la, forçando-a a submeter-se às suas próprias intenções é um processo difícil e complicado (BAKHTIN, 2002, p. 294). Ao longo do texto foi citado o enunciado e suas características com base em um discurso falado, mas as obras escritas também configuram enunciados? A resposta é sim, pois, assim como a réplica do diálogo, a obra escrita está disposta para a resposta do outro (ou outros), para sua ativa compreensão responsiva (BAKHTIN, 2010). Para Bakhtin: ... a obra é um elo na cadeia da comunicação discursiva, como a réplica do diálogo, está vinculada a outras obras - enunciados: com aqueles às quais ela responde, e com aquelas que lhe respondem; ao mesmo tempo, à semelhança da réplica do diálogo, ela está separada daquelas pelos limites absolutos da alternância dos sujeitos no discurso. (BAKHTIN, 2010, p.279) Assim, a obra escrita possuiu os mesmos elementos característicos do enunciado falado. Um dispositivo analítico bakhtiniano Para auxiliar nossa análise bakhtiniana do discurso, utilizaremos um dispositivo elaborado por Veneu, Ferraz e Rezende (2014). Este dispositivo é composto pelas quatro etapas descritas a seguir de forma articulada com o objetivo desse trabalho, e leva em consideração, principalmente, dois aspectos da teoria de Bakhtin: primeiro, que a análise dos fenômenos linguísticos deve ser feita em vista das condições concretas em que se realizam e, segundo, que a unidade de comunicação verbal é o enunciado (em oposição às unidades da língua tais como a frase e a oração). 1 - Identificação do enunciado
O conceito de enunciado permite concluir que a própria alternância entre os sujeitos falantes já é suficiente para identificá-lo, ou seja, o enunciado inicia-se no momento em que o
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falante toma a palavra para si e finaliza-se no momento em que este termina o que gostaria de dizer, permitindo que o outro também fale. 2 -Leitura preliminar do enunciado O objetivo desta etapa é o primeiro contato com os enunciados no sentido de: identificar preliminarmente seus elementos linguísticos (estilo, construção composicional, unidade temática, relação com o falante/outros participantes, conclusibilidade) e fazer uma articulação prévia entre o material linguístico, as questões de pesquisa e os conceitos bakhtinianos. 3 -Descrição do contexto extraverbal A partir da leitura preliminar e da articulação prévia das questões de pesquisa aos conceitos bakhtinianos é realizada uma investigação do contexto extraverbal para identificar, dentre os vários elementos, aqueles que mais contribuirão para a análise. Esses elementos são, então, descritos e articulados com vistas a estabelecer o horizonte espacial comum dos interlocutores, seu conhecimento e compreensão da situação, sua avaliação comum dessa situação, o momento social e histórico em que ocorre, a rede de enunciados a que se relaciona, etc. 4 -Análise do enunciado Consiste em articular os elementos linguísticos (estilo, construção composicional, conteúdo temático, relação com o falante/outros participantes, conclusibilidade), o contexto extraverbal e os conceitos bakhtinianos envolvidos nos objetivos do estudo. Objetivo e questões de pesquisa Vimos que o MP é uma modalidade de formação continuada no formato de pós-graduação que é proposta com o objetivo de melhorar a qualidade da educação básica. Entretanto, como argumentamos anteriormente, os conceitos de educação e de qualidade da educação em geral não são discutidos nas propostas destes cursos, sendo tomados como conceitos “universais” ou auto-evidentes. Por outro lado, como vimos anteriormente, os modelos formativos implicam diferentes formas de conceber o ensino e seus objetivos. Isto quer dizer que a análise dos modelos pode também indicar a concepção de educação e de qualidade da educação assumida tacitamente pelo curso. Os resultados encontrados por Schäfer (2013) e Schäfer e Ostermann (2013a, 2013b) instigaram a realização de nosso trabalho, que tem como objetivo investigar a perspectiva de formação docente com a qual o MPEF da UFRGS se compromete por meio de trabalhos de conclusão desenvolvidos por alunos do curso.
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As seguintes perguntas de pesquisa guiarão a análise: - Qual perspectiva de formação docente está vinculada à formação continuada de professores no MPEF da UFRGS? - Como os professores-alunos que cursam esse MPEF se apropriam discursivamente dessa perspectiva? Para responder tais questões precisamos responder às seguintes perguntas: - Qual o modelo formativo privilegiado discursivamente na proposta do MP investigado? -Quais o estilo linguístico, construção composicional, direcionalidade, responsividade, conteúdos temáticos, gêneros discursivos, vozes e ideologias são apropriadas discursivamente pelos professores-alunos nos enunciados produzidos no contexto do MPEF (trabalho de conclusão e produto educacional elaborado)? Procedimentos de análise Identificação dos enunciados Nosso objeto de análise é uma amostra das dissertações e produtos educacionais desenvolvidos no MPEF da UFRGS, programa pioneiro nesta modalidade no Brasil. Para obter grau de mestre nesse curso os docentes devem necessariamente desenvolver um produto educacional, aplicá-lo em sala de aula e produzir e defender uma dissertação acerca do trabalho desenvolvido. Cada dissertação configura uma obra escrita e juntamente com cada produto (texto de apoio, hipermídia ou página da web) configuram um enunciado ainda que as páginas da web possam ter mais de uma aba. As dissertações, além dos produtos, são obrigatórias para obtenção do título de mestre e o material concreto (de fácil acesso) desenvolvido por todos os mestrandos, independente de qual fosse seu produto educacional. Para chegar à identificação dos enunciados a serem analisados, inicialmente fizemos um mapeamento de todos os trabalhos produzidos pelo MPEF da UFRGS. Escolhemos utilizar a denominação “trabalho de conclusão”, pois se trata da dissertação mais o produto educacional produzido. Mapeamos o ano de defesa das dissertações, natureza do produto desenvolvido, referenciais teóricos, metodológicos e epistemológicos, nível de educação ao qual o produto se destina e caráter da escola de aplicação.
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Até 8 de dezembro de 2014, o MPEF formou 91 mestres em Ensino de Física7. A distribuição por ano de dissertações defendidas pode ser vista na Figura 1. Figura 1. Número de dissertações defendidas no MPEF do IF-UFRGS de 2004 a 2014.
Dos 91 trabalhos apresentados, há 75 dissertações disponíveis para consulta no site do MPEF da UFRGS8 e 57 que possuem produtos disponíveis9. Os links existentes para consulta dos produtos são de quatro tipos: texto de apoio, página da web, hipermídia e outros textos. São 86 links disponíveis para produtos, sendo que alguns trabalhos possuem mais de um link relacionados a ele. São 38 textos de apoio, 25 hipermídias, 18 páginas da web e 5 outros textos. Dos 75 trabalhos que possuem dissertação disponível, apenas três não citam um referencial teórico explicitamente, os outros citam um ou mais autores. Em uma dissertação, o autor usa a si próprio como referencial teórico. Posner, Perrenoud, e Joan Ferrés aparecem uma vez apenas como referenciais teórico, metodológico ou epistemológico. Aparecem citados duas vezes: Bachelard, Delizoicov e Angotti, Laudan, Toulmin, Bruner, Lakatos, Popper, Kuhn e o referencial CTS sem um autor específico. A Figura 2 apresenta a distribuição dos autores mais citados.
7Dados retirados do site http://www.if.ufrgs.br/ppgenfis/index.php . 8http://www.if.ufrgs.br/ppgenfis/index.php 9Dados de 08 de Dezembro de 2014.
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2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Dissertações defendidas
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Figura 2. Autores citados nas dissertações defendidas no MPEF do IF-UFRGS.
Quanto ao nível do ensino a que se dedicam, 40 trabalhos são voltados para o ensino médio, 11 para o ensino superior, 10 para o ensino fundamental, 7 para o ensino técnico, 3 para o magistério/normal, 2 para o EJA, 1 para ensino superior e médio, 1 para ensino médio e técnico e 1 para o ensino médio e fundamental. De todos os trabalhos, apenas um não foi aplicado, pois se referia a uma análise e desenvolvimento de uma disciplina voltada ao ensino superior. Dos aplicados, 29 foram em escolas de caráter privado, 24 em escolas de caráter público estadual ou municipal, 20 em escolas federais (Institutos Federais, Centros Federais de Educação e Tecnologia, Colégios de Aplicação e Colégios Militares), 2 em escolas públicas e privadas e 1 em uma escola de caráter público/privado. Optamos então, por escolher três trabalhos cujas dissertações e produtos educacionais estivessem disponíveis na página do MPEF da UFRGS. A fim de não nos concentrarmos em uma fase particular de desenvolvimento do curso, optamos por escolher três trabalhos finalizados em três diferentes períodos. Assim, escolhemos trabalhos orientados por diferentes orientadores com formação distinta entre si e defendidos em anos distintos: - uma em 2004 (ano de formação da primeira turma do MPEF), orientada por um professor com formação e produção na área de Ensino de Física; - outra em 2009, orientada por um professor com formação e produção na área de Física;
- outra em 2014, orientada por dois professores, um com formação na área de Física,mas com produção na área de Ensino de Física e outro com formação e produção na área de Ensino de Física.
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15
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Número de dissertações que o citam
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Devido ao fato de os trabalhos com produtos de natureza texto de apoio serem os mais numerosos, optamos por trabalhos com essa natureza de produto. Leitura preliminar dos enunciados Nesta etapa da análise, realizamos uma leitura preliminar, sem muito aprofundamento nas questões analíticas, dos três trabalhos escolhidos, considerados como enunciados. Denominaremos os trabalhos como: trabalho do professor-aluno 1, trabalho do professor-aluno 2 e trabalho do professor-aluno 3 e preservaremos o nome dos autores e dos orientadores. O trabalho 1, finalizado em 2004, tem como foco o ensino fundamental. O autor buscou desenvolver estratégias didáticas que facilitassem a inclusão da Física no currículo das primeiras séries do ensino fundamental. Para tal, utiliza como fundamentação teórica conceitos de Piaget, Vygostky e Vergnaud e como fundamentação metodológica relaciona conceitos de ensino por pesquisa e atividades mão-na-massa. O texto da dissertação é construído através dos seguintes tópicos: resumo, introdução, revisão da literatura e fundamentação teórica, atividades por idade, resultados e discussões e considerações finais. Já o texto de apoio, escrito na forma de um guia para o professor, inicia com uma introdução, em seguida discorre sobre como as aulas e a avaliação devem ocorrer para a implementação das atividades propostas, depois explica o ensino por pesquisa e a estratégia mão-na-massa e, por fim, elenca separadamente as atividades que podem ser aplicadas para crianças de 7 e 8 anos e para crianças de 9 e 10 anos. A implementação do trabalho 1 se deu em duas escolas particulares no ano de 2003 e, segundo o próprio autor da dissertação, os resultados obtidos através dessa aplicação foram positivos, pois conseguiram desenvolver nas crianças a capacidade de observar fenômenos e a curiosidade pelas pesquisa científica e pelos experimentos científicos.
O trabalho 2, finalizado em 2009, tem como foco o ensino médio e a utilização da Historia da Física como facilitador para a aprendizagem da mecânica de fluídos. O autor optou por fundamentar teoricamente seu trabalho com conceitos de Ausubel e Novak e, ao longo de seu texto, buscou olhar tanto para pesquisas e estratégias já desenvolvidas acerca da utilização da história da ciência no ensino, quanto para como os livros didáticos, usualmente utilizados nas escolas, abordam a mecânica de fluídos e a própria história da ciência. Esse autor estruturou a dissertação da seguinte forma: resumo, introdução, proposta e justificativa, referencial teórico, sobre o uso da história da ciência no ensino e outras iniciativas, elaboração e aplicação da proposta, resultados, conclusões, referências e apêndices. Já o texto de apoio segue a estruturação de um livro didático, com capítulos específicos para cada conceito. Essa proposta foi implementada em quatro turmas do segundo ano de um escola particular entre agosto de 2007 e julho de 2008. Segundo o autor, a implementação do trabalho 2 obteve êxito, pois os estudantes se tornaram mais predispostos a aprender além de estarem mais participativos e entusiasmados nas aulas.
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O trabalho 3, finalizado em 2014, apresenta uma proposta para introdução do uso de tecnologias no ensino de física experimental em um curso de licenciatura em física. O autor não explicita nenhum referencial teórico, mas sustenta seu trabalho em uma revisão bibliográfica sobre o uso do computador no ensino de física e nos aspectos legais, sobre o uso de tecnologias no ensino, trazidos pelos documentos oficiais (LDB, PCN e documentos do PIBID). O texto da dissertação é estruturado da seguinte forma: resumo, introdução, literatura relacionada ao computador e o Ensino de Física, embasamento legal e didático, produto educacional, aplicação da proposta, resultados finais da aplicação, considerações finais e conclusões. O texto de apoio, no entanto é estruturado a partir de conceitos físicos e dentro de cada conceito há um guia de atividades para professor e para o aluno. A proposta foi implementada em uma universidade particular e o autor assume que obteve sucesso já que houve engajamento e interesse dos alunos participantes das atividades. Neste primeiro olhar, podemos notar certa uniformidade na construção das dissertações, mas, a construção do texto de apoio foi diversificada. Assim, conceitos bakhtinianos tais como construção composicional, estilo linguístico, conteúdo temático, gênero discursivo, ideologia, vozes e relações de poder utilizados na análise irão nos ajudar a compreender como cada aluno se apropria do modelo fomentado pelo curso, criando pontos de convergência e divergência entre as dissertações e textos de apoio produzidos, o que pode nos dar indícios de quais são as características institucionais e quais as características próprias de cada autor e orientador.
Contexto Extraverbal10 O contexto extraverbal dos trabalhos de conclusão, considerados enquanto enunciados, é composto por uma parte comum a todos os alunos, como por exemplo, o regulamento do curso, as regras administrativas e acadêmicas e os docentes das disciplinas do MPEF, e por uma parte não compartilhada, dada pela orientação acadêmica recebida individualmente, a escola de atuação do professor-aluno e sua formação inicial. A parte comum do contexto extraverbal desses enunciados é composto pelos documentos legais que regem o programa de MPEF do IF da UFRGS, pelo elenco de disciplinas que compõem o currículo do MPEF e pela atuação dos docentes que ministram essas disciplinas. De fato, outros componentes também fazem parte desse contexto extraverbal, mas aqui será necessário fazer um recorte de modo que conseguíssemos obter informações e analisá-las no limite de tempo estipulado para elaboração da dissertação. Assim, limitamo-nos a considerar a proposta inicial do curso do MPEF, enviada à CAPES em 2001 e o conjunto das disciplinas ministradas no período de 2002 a 2014.
10Parte considerável dessa seção é constituída por uma análise da proposta inicial do curso de MPEF da UFRGS, apresentada no XV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física, realizado em 2014 em Maresias. Esse estudo teve como objetivo investigar os compromissos formativos do curso e assim delinear a formação proporcionada.
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A proposta do curso foi produzida seguindo um modelo de documento fornecido por esta agência, no qual os seguintes tópicos deveriam ser preenchidos: Histórico, Objetivos, Inserção Regional, Justificativa de Implementação, Integração com a Graduação, Infraestrutura-Laboratório, Infraestrutura-Recursos de Informática, Infraestrutura-Biblioteca, Infraestrutura-Financeira, Atividades Complementares dos Docentes, trabalhos em Preparação, Intercâmbios Institucionais, Auto-Avaliação, Ensino a distância e Outras informações. Realizamos análise bakhtiniana desse documento, utilizando os conceitos de responsividade e direcionalidade do enunciado, para visualizar como esse documento compõe o contexto extraverbal do MPEF. Entendemos que, pela alternância apresentada no documento, que cada um dos tópicos (mencionados acima) são enunciados da CAPES e as respostas dos elaboradores da proposta são os enunciados a serem analisados. Ao realizar a leitura preliminar dos enunciados, notamos que o texto, apesar de envolver um número grande de tópicos, é escrito em poucos parágrafos e de forma objetiva, sem argumentações mais profundas. Mesmo tendo poucas páginas, o texto traz, mais de uma vez, a ideia de que não serão contratados novos professores para o MP. Tentando recompor o contexto extraverbal dos enunciados da proposta, recuperamos o fato de que a demanda por cursos de MP surge a partir das diversas mudanças e reformulações legais sofridas pelo ensino superior brasileiro sob a influência das agências internacionais de financiamento. Essas reformas são evidenciadas a partir das diretrizes de reformulação do Estado e da educação superior difundidas pelo Banco Mundial para os países periféricos, as quais envolvem o deslocamento da concepção de educação superior para o de educação terciária. O programa de pós-graduação em Física do IF da UFRGS, com larga tradição em pesquisa, se propõe a criar um curso para cumprir essa demanda. Nesse momento, algumas dissertações e teses já tinham sido defendidas nesse programa, na área de Ensino de Física e o IF contava com alguns professores pesquisadores em Ensino. Esses professores tinham como objetos de pesquisa, principalmente: as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no Ensino de Física e a inserção de tópicos de Física Moderna e Contemporânea (FMC) no Ensino Médio. De fato, esses assuntos tinham e têm grande visibilidade na área de ensino de Ciências e Matemática, ou seja, são objetos facilmente aceitos pela comunidade acadêmica. A realidade escolar brasileira, no entanto, estava bem distante desses assuntos. Nessa época, as TIC eram artigo de luxo tanto nas escolas públicas quanto particulares e a FMC, ainda hoje, parece uma preocupação maior para os pesquisadores do que para os docentes de nível médio. Iniciamos a análise dos enunciados pelo item Histórico. Neste item, os autores iniciam o texto citando a importância histórica da área de Ensino de Física, que integrava na época, a pós-graduação em Física da UFRGS. Em seguida, afirmam que, por já terem sólida tradição na pesquisa em Ensino de Física, a instituição estaria habilitada a receber um mestrado profissional nessa área. No tópico Objetivos, os elaboradores expõem o objetivo do curso proposto:
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Melhorar a qualificação profissional de professores de Física do nível médio, e das Licenciaturas em Física ou afins, em plena atividade no sistema de ensino, em termos de conteúdos de Física, de aspectos teóricos, metodológicos e epistemológicos do ensino da Física, e do uso de novas tecnologias. Percebe-se que os problemas da escola não fazem parte desse objetivo. Os autores utilizam o estilo de linguagem próprio das ciências da natureza, em um texto objetivo e pouco argumentativo. Em termos do conteúdo, percebe-se a menção ao uso de novas tecnologias. Como salientamos, essa demanda não parte da realidade escolar, ou realidade do professor, mas sim de especialistas acadêmicos que julgam ser esses os elementos necessários para aprimorar a qualificação do docente de nível médio e que, consequentemente, terão impacto na qualidade do ensino médio. No item Justificativa de Implementação, os autores explicitam que o programa deve ser implantado em resposta a uma demanda da CAPES e que a instituição se julga apta a cumprir essa necessidade. Percebe-se nesta justificativa, o interesse da instituição em apenas responder a uma demanda oficial que vem de fora, não sendo uma proposta almejada e legitimada pelos professores. Em resposta ao tópico Integração com a Graduação, os autores afirmam que os mesmos professores que já atuam na licenciatura e no bacharelado em física serão os professores que ministrarão as aulas para o MP. Essa ideia é reafirmada no item Atividades Complementares Docentes com ênfase na dedicação exclusiva e nas atividades complementares dos professores exclusivamente ligadas à pesquisa e à academia. Não há preocupação com a possibilidade desses professores suprirem as necessidades específicas de um curso de MP, pois é assumido que se os mesmos dão aulas nos cursos de formação inicial também estão preparados para a formação continuada. Notamos, ainda, a hierarquização suposta pelos autores, ao entenderem que se os professores trabalham com pesquisa, têm igualmente condições de trabalhar com professores e com as demandas do ensino médio, subordinando-as, assim, à agenda da academia.
Por fim, no tópico Outras Informações, são elencadas as disciplinas obrigatórias e opcionais que farão parte do currículo, contemplando: a formação em física, a formação didático-pedagógica relevante ao ensino da Física, a prática docente supervisionada e a elaboração de um trabalho final de pesquisa profissional. Pela escolha da ordem desses elementos, podemos supor a ordem de importância dada pelos elaboradores aos vários tipos de formação propostos. A formação conteudista, típica do modelo de racionalidade técnica, é a primeira e será proporcionada por disciplinas obrigatórias e opcionais. As disciplinas obrigatórias são: Tópicos de Física Clássica, Tópicos de Física Moderna e Contemporânea I e II, Novas Tecnologias no Ensino de Física I e II e História e Epistemologia no Ensino de Física. As disciplinas opcionais são: Teorias de Aprendizagem e Ensino (apesar de na proposta aparecer como opcional, essa disciplina sempre foi ministrada com caráter obrigatório), Ensino de Astronomia, Novas Tecnologias no Ensino de Laboratório e Física Moderna e Contemporânea: Teoria e Prática.
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Na escolha das disciplinas, fica evidente que as disciplinas obrigatórias são pautadas na pesquisa dos docentes que viriam a ministrar disciplinas no MP e o trabalho final proposto remonta à ideia de pesquisa acadêmica. O conjunto das disciplinas é condizente com o modelo de professor racionalista técnico, na medida em que o currículo contempla componentes da disciplina básica, de ciência aplicada e de habilidade e atitude; esses últimos ficam nas disciplinas opcionais, enquanto os outros aparecem tanto nas disciplinas obrigatórias quanto nas opcionais. As disciplinas obrigatórias acabam por abarcar principalmente os componentes da disciplina básica, que não condizem com o contexto escolar vigente dos docentes de nível médio. Já os componentes de habilidade e atitude ficam exclusivamente nas disciplinas opcionais, sendo possível um aluno obter título de mestre em Ensino de Física sem cursar uma única disciplina sobre ensino e aprendizagem. A ideia de manter o currículo fixo e bem determinado na linha que foi proposto evidencia uma das características do racionalismo técnico, como se os problemas profissionais dos docentes de nível médio fossem apenas os que compreendem o entendimento e aplicação de materiais em sala de aula e essas disciplinas fossem o meio pela qual se pode melhorar a atuação do professor. A configuração curricular do MPEF foi alterada ao longo dos anos sem, no entanto, perder seu caráter racionalista técnico. Fizemos um levantamento, apresentado na Quadro 2, das disciplinas que foram oferecidas, de 2002 a 2014, para o alunos do MPEF. Quadro 2. Disciplinas ministradas no MPEF do IF da UFRGS entre 2002 e 2014
Disciplina
Caráter
Semestre em que foi ofertada
Substituída/ Ano de substituição
Disciplina pelo qual foi substituída Tópicos de Física Clássica Obrigatória 2002/1; 2003/1; 2004/2; 2005/1; 2006/1; 2007/1; 2008/1; 2009/1; 2010/1; 2011/1;2013/1; 2014/1. _____ _____
Teorias de Aprendizagem e Ensino
Obrigatória11
2002/2; 2004/1; 2005/2; 2006/2; 2007/2; 2008/2; 2009/2; 2010/1; 2011/2; 2014/1.
_____
_____ Novas Tecnologias no Ensino de Física I Obrigatória 2002/1; 2003/1; 2004/1; 2005/1; 2006/1; 2007/1; 2008/1. Sim/2009 Tecnologias de Informação e Comunicação no Ensino de Física I
11 Na proposta inicial do curso essa disciplina aparecia como eletiva.
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Novas Tecnologias no Ensino de Física II
Obrigatória
2002/2; 2003/; 2004/2; 2006/1; 2006/2; 2007/2.
Sim/2008
Tecnologias de Informação e Comunicação no Ensino de Física II Tópicos de Física Moderna e Contemporânea I Obrigatória 2002/2; 2003/2; 2004/1; 2005/2; 2006/2; 2007/2; 2008/2; 2009/2; 2010/2; 2011/2; 2012/2; 2013/2; 2014/2. _____ _____
Tópicos de Física Moderna e Contemporânea II
Obrigatória
2003/1; 2004/1; 2005/1; 2006/1; 2007/1; 2008/1; 2009/1; 2010/1; 2011/1; 2012/1; 2014/1.
_____
_____ Ensino de Astronomia Eletiva 2002/; 2003/2; 2004/2; 2006/1; 2007/1; 2009/2; 2011/1; 2012/1; 2014/1. _____ _____
História e Epistemologia no Ensino de Física
Obrigatória
2003/1; 2003/2.
Sim/2005
Epistemologia e Ensino de Física / Tópicos de História da Física Física Moderna e Contemporânea: Teoria e Prática Eletiva 2003/1; 2004/1; 2004/2; 2005/2; 2006/2; 2008/1; 2010/1. _____ _____
Tópicos de História da Física
Obrigatória
2005/1; 2006/2; 2007/2; 2010/1.
_____
_____ Epistemologia e Ensino de Física Obrigatória 2005/1; 2005/1; 2007/1; 2008/1; 2009/1; 2010/2; 2011/1; 2012/1; 2013/1; 2014/1. _____ _____
Redação Científica
Eletiva
2006/2; 2007/2; 2008/2; 2009/2; 2013/1; 2014/1.
_____
_____ Tecnologias de Informação e Comunicação no Obrigatória 2009/1; 2010/1; 2011/1; 2013/1; 2014/1. _____ _____
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Ensino de Física I
Tecnologias de Informação e Comunicação no Ensino de Física II
Obrigatória
2008/2; 2009/2; 2010/2; 2011/2; 2013/2; 2014/1; 2014/2.
_____
_____ Seminários sobre Tópicos de Física Geral Eletiva 2009/1 _____ _____
Experimentação e a Modernidade no ensino e aprendizagem de Física
Eletiva
2010/2; 2011/2; 2013/1.
_____
_____ Introdução à Pesquisa e à Redação Científica em Ensino de Ciências Eletiva 2011/2 _____ _____
Tópicos especiais I: Representações Sociais em Ciências
Eletiva
2012/2
_____
_____ Tópicos Especiais II: Interpretação de resultados obtidos em testes objetivos usando métodos estatísticos Eletiva 2012/2 _____ _____
Tópicos Especiais I: Introdução a Psicologia Cognitiva
Eletiva
2013/1
_____
_____ Tópicos Especiais I: Introdução à Teoria das Representações Sociais Eletiva 2013/2 _____ _____
Tópicos de Física Clássica II
Eletiva
2014/1
_____
_____
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As disciplinas acima elencadas foram ministradas tanto por docentes oriundos do bacharelado em física quanto pelo docentes oriundos da área de ensino de física, sem seguir uma regra específica. Podemos notar que as disciplinas de conteúdo básico, apesar de não serem as em maior número, são as de cunho obrigatório e que são ofertadas em todos, ou em quase todos os semestres do curso. É o caso, por exemplo, de Tópicos de Física Clássica e Física Moderna e Contemporânea I e II. As disciplinas de ciência aplicada já se dividem entre obrigatórias e eletivas, mas ainda assim a frequência de oferta é alta, por exemplo: Tecnologias da Informação e Comunicação no Ensino de física I e II, que é ofertada em todos os semestres e a Física Moderna e Contemporânea: Teoria e Prática ofertada em semestres espaçados. As disciplinas de cunho didático, epistemológico voltadas a habilidades e atitudes em sala de aula, no entanto, são em sua maioria eletivas e mesmo algumas que são obrigatórias não são ofertadas em todos os semestres. O fato de ter ocorrido uma separação na disciplina de História e Epistemologia aponta um forte descaso, já que, apesar de Tópicos de História da Física e Epistemologia e Ensino de Física serem obrigatórias, elas não são ofertadas uniformemente no decorrer dos semestres, o que pode resultar em vários alunos formados sem terem cursado estas disciplinas. A única disciplina que foge à regra é Teorias de Aprendizagem e Ensino, que é obrigatória e ofertada regularmente, o que pode estar relacionado à participação, no programa, de um dos mais antigos e renomados pesquisadores da área de ensino do IF com a sua linha de pesquisa (Teorias de Aprendizagem). Contextos extraverbais individuais Além dos elementos compartilhados pelos docentes formadores e em formação (currículo, regulamento do curso, etc.), o contexto extraverbal é composto por elementos individuais, oriundos da experiência e vivência de cada um. Por exemplo, o local de trabalho e o local da formação inicial também compõem o contexto extraverbal de cada docente em formação, assim como as características da orientação. Buscamos então, traçar um esboço do contexto extraverbal próprio de cada autor no momento em que cursavam o MPEF. Para tal, recorremos aos dados apresentados pelos autores e orientadores em seu currículo pessoal publicado na plataforma Lattes. O professor-aluno 1 tem formação inicial em Física por uma universidade pública e no momento que realizou o MPEF (2002-2004), atuava em uma escola particular internacional, que segue os moldes das escolas dos EUA. Esse trabalho foi orientado por um pesquisador em ensino de física que é licenciado em Física pela UFRGS, mestre em Física, com ênfase em Ensino, pela UFRGS e doutor em Educação em Ciências pela Universidade de Cornell nos EUA. As principais linhas de pesquisa do orientador desse trabalho são as teorias de aprendizagem e a aprendizagem significativa de Ausubel.
O professor-aluno 2 tem formação inicial em uma universidade particular em licenciatura em Física e, por alguns anos, cursou, concomitantemente com o MPEF da UFRGS (2003-2009), o mestrado em Engenharia e Tecnologia de Materiais (2001-2004) em
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uma universidade particular. Enquanto cursava o MPEF atuou em duas escolas particulares. O pesquisador que orientou esse trabalho tem graduação em Física pela UFRJ e mestrado e doutorado em Física pela UFRGS. O pesquisador trabalha com física estatística e em 2002 passou a atuar no MPEF, ministrando aulas e orientando alunos. O professor-aluno 3 tem formação inicial em licenciatura em Física por uma universidade particular e enquanto cursava o MPEF da UFRGS (2011-2014) também cursava Engenharia Civil em uma universidade particular e atuava como monitor. Esse trabalho teve orientador e co-orientador. O orientador tem graduação e mestrado em Física pela UFRGS e doutorado em Ciências pela mesma instituição. Ao longo de sua carreira se dedicou a pesquisa em ensino de física direcionada à utilização das tecnologias da informação e comunicação nessa modalidade. Sua principal linha de pesquisa é a modelagem computacional no ensino de física. O co-orientador tem graduação em Física pela UFRGS, especialização em Metodologia do Ensino pela Unisinos, mestrado em Física, ênfase Ensino, pela UFRGS e doutorado em Educação pela PUC/RS. Suas principais linhas de pesquisa são métodos quantitativos aplicados à pesquisa, história e filosofia da ciência e tópicos gerais de física.
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CAPÍTULO 4: ANÁLISE DOS TRABALHOS DE CONCLUSÃO Nesse capítulo apresentaremos as análises dos enunciados, última etapa prevista no dispositivo analítico bakhtiniano que utilizamos como aporte teórico-metodológico nesse trabalho. Como vimos no capítulo 3, uma obra escrita possui as mesmas características de um enunciado falado e, portanto, pode ser analisada como tal. No presente estudo consideramos cada trabalho apresentado no MPEF como um enunciado, já que os mesmos possuem todas as características necessárias para assim serem classificados. A dissertação ou o produto isoladamente não tornariam os docentes em formação aptos para obterem o título de mestre, assim, a conclusibilidade desse enunciado se dá apenas com o trabalho visto como um todo. Para facilitar a compreensão do processo analítico, apresentaremos, inicialmente, a análise de cada capítulo da dissertação e a análise do produto. Ao final, apresentaremos as conclusões da análise do trabalho de conclusão como um todo, procurando mostrar qual o modelo formativo pareceu ter influenciado o enunciado do professor. Análise do trabalho de conclusão do professor-aluno 1 O trabalho do professor-aluno 1, que compreende a dissertação e produto educacional, foi defendido em 2004 e tem como objetivo propor um currículo para inclusão da física nas séries iniciais do Ensino Fundamental. A dissertação é constituída composicionalmente pelos seguintes capítulos: introdução, revisão da literatura e fundamentação teórica, atividades por idade, resultados e discussão e consideração finais. O capítulo denominado Introdução é escrito pelo professor-aluno com linguagem formal, mas em primeira pessoa do singular, o que foge do padrão exigido pela academia. Inicialmente o autor faz a apresentação da proposta, segue com a justificativa e os objetivos da mesma, descreve como ocorreu a implementação do produto nas escolas, traz mais justificativas para a elaboração de seu trabalho, apresenta novamente a proposta e finaliza descrevendo a estrutura da dissertação.
Na apresentação da proposta o professor-aluno afirma que elaborou um currículo de física para as primeiras séries do Ensino Fundamental e por currículo ele entende que seja um documento com objetivos e que apresente materiais e ferramentas didáticas a serem usadas, além das estratégias de ensino, de avaliação e o conteúdo a ser estudado. Não foi citado nenhum autor da área de currículo, o que significa que este tema não é considerado academicamente e é tratado a partir do senso-comum.
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A justificativa apresentada pelo professor-aluno para elaboração de tal trabalho em nenhum momento contempla qualquer necessidade da escola e, apesar do autor ressaltar de várias maneiras que a proposta é pautada em sua vivência e experiência ele parece estar comprometido apenas com sua própria visão da educação. Essa visão fica clara quando ele apresenta o objetivo da proposta, onde afirma: [...] proponho que a Física seja incluída no currículo do ensino Fundamental desde a primeira série [...], que aprendam a usar as ferramentas e desenvolvam as habilidades necessárias à compreensão da Física [...] ainda em um estágio de desenvolvimento no qual suas percepções pessoais não estejam criticamente sedimentadas e sua curiosidade natural possa ser estimulada e guiada de maneira que eles cheguem à adolescência com uma bagagem mais apropriada à Física do Ensino Médio.. Nesse trecho, claramente notamos que o professor-aluno 1 tem um objetivo bem definido: que os alunos cheguem no Ensino Médio mais preparados para os conteúdos que serão aprendidos em física. Assim, todas as suas ações propostas estarão voltadas para o domínio de conteúdo que sirva de base para o conteúdo do ensino médio. Esse discurso que privilegia apenas o conteúdo é altamente influenciado pelo modelo do especialista técnico, onde os fins justificam os meios e há um único objetivo pré-estabelecido e vigente para a implementação de qualquer mudança em sala de aula. Outro ponto levantado, como justificativa para a implementação de sua proposta, é o baixo rendimento dos alunos em testes, tais como o vestibular. Para ele, o baixo rendimento é causado pelo fato de os alunos não estarem aprendendo física e isso é causado pela baixa expectativa dos professores em relação aos alunos, pelo despreparo dos docentes e discentes e pela pouca qualidade dos livros-texto que são utilizados nas escolas. A partir dessa justificativa, ele desenvolve como produto educacional um texto de apoio ao docente, onde apresenta uma proposta curricular e como determinados conteúdos de física podem ser inseridos no Ensino Fundamental. Nas palavras do professor-aluno: Historicamente, as provas de Física no vestibular da UFRGS vêm figurando entre as de menor média de acertos. Esse fato evidencia o quanto o ensino de Física vem falhando em formar pessoas capazes de compreender e usar um vocabulário básico de maneira coerente, interpretar e usar equações e fórmulas e, acima de tudo, pensar sobre situações hipotéticas, que constituem a essência dos problemas de Física
No trecho acima, podemos depreender a importância que o professor-aluno atribui aos exames vestibulares. Sem maiores análises, sem considerar quaisquer outros aspectos, ele é taxativo e relega o sucesso do ensino de física apenas ao desempenho dos alunos neste exame. A escolha do vestibular da UFRGS mostra o direcionamento desse trecho do enunciado. O professor-aluno está cursando o MPEF do IF da UFRGS e ao deixar implícito que o vestibular dessa mesma instituição é seu parâmetro de qualidade acaba por tentar “agradar” o seu orientador, oriundo dessa instituição, e a banca avaliativa, formada por pelos menos, dois
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membros dessa instituição. Provavelmente, se esse mesmo autor estivesse cursando o MPEF em outra instituição seu discurso não seria tal qual está colocado acima. No trecho supracitado, ainda é possível perceber que o professor-aluno pensa a prática e elabora materiais para melhorar e ampliar seus objetivos em sala de aula com relação ao desempenho dos alunos em testes. Ainda que o trecho apresentado traga apenas o exemplo do vestibular da UFRGS, ao longo do capítulo o professor-aluno ainda cita outros testes, como o PISA (Programme for International Student Assessment) e o TIMSS (Third International Math and Science Survey). Assim, podemos notar que a responsividade desse trecho do seu enunciado é voltada para os órgãos organizadores de testes de avaliação dos discentes, pois, não há relação entre as necessidades da comunidade ou ainda da escola e o que o professor-aluno assume como o ideal de educação. Ele apenas tenta alcançar um padrão estabelecido por órgãos superiores que assumiu como reais e valorativos para a avaliação do ensino. Por esse fator depreendemos que o professor-aluno está altamente influenciado pelo modelo do especialista técnico, que tem um objetivo pré-definido por órgãos superiores e todas as suas ações passam a ser justificadas em prol desse objetivo. Enquanto o conteúdo temático desse capítulo girou entre a proposta, a experiência e os índices de testes de avaliação discente, o conteúdo temático do capítulo, de revisão da literatura e fundamentação teórica, foi dividido em três partes: a primeira, onde ele apresenta ideias de alguns teóricos do ensino e aprendizagem, a segunda onde ele apresenta os índices de aproveitamento dos alunos do Japão baseado nos resultados do teste internacional TIMSS e a terceira, onde apresenta um projeto francês com o qual está metodologicamente comprometido. Na primeira parte, o professor-aluno descreve inicialmente a teoria de Piaget, acerca dos estágios de desenvolvimento da criança, em seguida faz um paralelo entre Piaget e Vygostky e explica o conceito de zona de desenvolvimento proximal, discorre acerca do construtivismo, defende o modelo de mudança conceitual, descreve o objetivo do currículo proposto, explica a teoria de Vergnaud, para enfim justificar a sua escolha por conceitos e não conteúdos. Essa parte do capítulo é escrita de forma formal em terceira pessoa e o professor-aluno se limita a explicar as teorias sem emitir opinião acerca das mesmas. A heterogeneidade do conjunto de autores indica falta de apropriação significativa de um autor em particular e ao mesmo tempo, direcionalidade do discurso para o orientador (ou para o curso) que supõe esta composição de vários autores como adequada. No final desta parte do capítulo o professor-aluno escreve o seguinte: O objetivo do currículo de Física aqui proposto, portanto, é oferecer aos alunos com idades entre sete e dez anos a possibilidade de vivenciar as situações que podem ser vivenciadas na sua idade, dar os passos que certas crianças podem dar na construção do conhecimento, sem preocupação com rigor teórico ou conceitual. Além disso, a intenção é propiciar o melhor espaço possível para que as crianças expressem e desenvolvam suas ideias, mantendo um espírito crítico a respeito do que observam.
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Nesse trecho, onde o professor-aluno poderia justificar os autores apresentados, ele apenas traz uma ideia geral pouco relacionada com todo o suporte teórico apresentado anteriormente, não assumindo compromisso com qualquer dos autores citados. Ainda que ele utilize a questão das idades e que possa parecer que a voz de Piaget está presente, não é possível fazer esta relação, pois Piaget, em sua teoria, tenta não se prender tanto a idades reais, mas ao que ele denomina de estágios de desenvolvimento, que compreendem faixas etárias não estanques. Assim, nem a denominação, nem a ideia do conceito piagetiano foram apropriadas pelo professor-aluno 1 e, consequentemente, não há como afirmar que a voz do teórico aparece nesse discurso. Na segunda parte, o professor-aluno inicia o texto apresentando dados do TIMSS que foi realizado em duas etapas, buscando avaliar a aprendizagem dos alunos da educação básica em relação às disciplinas de matemática e ciências. Apesar do Brasil não ter participado de nenhuma das etapas de avaliação, o professor-aluno traz os dados desse teste, pois foram realizados estudos nos países que obtiveram desempenho excelente e péssimo para diagnosticar possíveis causas de cada atuação. Como resultado desses estudos, ele aponta a diferença entre as práticas em sala de aula do país que ficou em primeiro lugar e do que ficou em último. Apesar de manter o mesmo estilo de linguagem da primeira parte do capítulo, a construção composicional de seu texto demonstra maior intimidade com as ideias apresentadas, pois, ao longo do texto ele faz considerações próprias e dialoga com os resultados de pesquisa apresentados. Por exemplo no trecho: Considero que as diferenças entre os três países, tanto nos resultados dos testes quanto nas práticas de sala de aula, repetem um padrão claro: EUA e Japão nos extremos e Alemanha na posição intermediária [...] Em resumo, o que faz diferença me parece ser a ênfase no pensamento criativo e não no mecânico. Nota-se que além de trazer os resultados de uma pesquisa, ele os interpreta de acordo com as suas convicções e faz considerações acerca de tal pesquisa. Assim, ele justifica a sua própria proposta onde os alunos se tornam personagens atuantes no ensino, discutindo, criando e elaborando respostas em cada atividade. Por fim, o autor tece uma crítica aos colegas docentes do Ensino Fundamental e as metodologias adotadas em sala de aula. Como nessa segunda parte o professor-aluno se posiciona e interage com os dados apresentados, inclusive transpondo seus resultados para o ensino brasileiro, podemos depreender uma apropriação de um discurso internamente persuasivo dos pesquisadores e órgãos que desenvolveram tal pesquisa acerca do teste internacional. Essa interlocução e posicionamento não ocorre na parte teórica, o que indica um processo onde não ocorreu apropriação, por ter o professor-aluno 1 considerado o discurso teórico como um discurso de autoridade e que por isso, se limitou apenas a reproduzi-lo. No entanto, ainda é cedo para afirmarmos que o discurso dos autores teóricos não foi apropriado pelo autor desse trabalho, afirmamos por ora que, neste capítulo, há indícios de não apropriação que levam para este entendimento do discurso.
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Na terceira parte desse capítulo, no entanto, o professor-aluno volta a utilizar a primeira pessoa em alguns pontos. Ele apresenta um projeto francês voltado para a participação das crianças no processo de aprendizagem. Numa tradução livre do título podemos entendê-lo como Projeto Mão-na-Massa. É nesse projeto que o autor se inspira para a elaboração da sua proposta. A construção composicional dessa etapa nos leva a depreender a aproximação e inspiração do autor, como nos seguintes trechos, onde o autor exprime sua opinião, utilizando a primeira pessoa do singular: [...] das quais destaco cinco por possuírem pontos em comum com o meu trabalho; O maior diferencial que vejo nesse programa é a ênfase em atividades de leitura, compreensão e escrita de texto. No início do texto, o professor-aluno explica o projeto francês e conta a sua história, em seguida, destaca cinco objetivos do projeto que também são objetivos do currículo que propõe, depois tece elogios acerca da extensão e facilidade de adquirir materiais do projeto pela internet. Continuando, tece comentários positivos em relação aos PCN e utiliza dados do teste internacional PISA para mostrar o quanto o Brasil está mal comparado com os países que utilizam o projeto Mãos-na-Massa ou similares nas escolas. Para finalizar, o professor-aluno afirma que o Brasil está mal posicionado principalmente porque as práticas em sala de aula são ruins: Mesmo possuindo um currículo nacional bem estruturado, o Brasil possui problemas sérios em seu ensino... Isso mostra, assim como no caso de outros países, que o mais importante não é o que se encontra nos documentos oficiais, mas as verdadeiras práticas de sala de aula. Nesse momento, podemos sentir a voz dos que responsabilizam os docentes pelas falhas no ensino impregnar o discurso desse professor-aluno. Bem como podemos notar a caracterização do pensamento racionalista técnico, na medida em que são aceitas sem críticas as políticas governamentais e as ideias propagadas por elas. O discurso do autor dialoga com as políticas públicas e o direciona para os simpatizantes da perspectiva racionalista técnica do ensino. Como vimos, o MPEF, em sua proposta inicial e currículo, aponta um forte viés racionalista técnico, assim, podemos afirmar que a direcionalidade deste trecho do enunciado também está voltada para a academia, mais diretamente à instituição na qual o professor-aluno cursa o MP.
Apesar do professor-aluno ser brasileiro e estar realizando um mestrado profissional em um dos maiores centros de pesquisa em Ensino de Física do Brasil, podemos notar que ele não faz alusão a nenhuma pesquisa desenvolvida e realizada no país, seja interna ou externa à instituição. Esse fato pode ser explicado devido ao contexto extraverbal desse professor-aluno. No momento de realização do MPEF, ele trabalhava em uma escola internacional com ensino bilíngue e seus colegas de docência, em sua maioria, eram estrangeiros oriundos de países de língua inglesa. Seu contexto de prática acaba influenciando suas escolhas e crenças, como é possível perceber neste trecho:
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O interesse e a curiosidade gerados pelo contato diário que tenho tido com professores de outros países (principalmente Nova Zelândia e Austrália) foi outro fator que pesou, em muito, para o fato de eu ter procurado referências fora do Brasil. O terceiro capítulo da dissertação é denominado Atividade por Idades e remonta praticamente todo o produto educacional desenvolvido por este professor-aluno. Assim, ao analisar esse capítulo, salvo a seção intitulada Avaliação e a pequena introdução sobre aulas mão-na-massa e ensino por pesquisa presentes no produto educacional, estarei analisando quase que completamente o produto desenvolvido nesse trabalho. O professor-aluno inicia explicando e justificando a proposta elaborada, em seguida, expõe as regras do comportamento do docente que irá aplicar as atividades e depois apresenta, primeiro, as atividades para 7 e 8 anos e depois, as atividades para 9 e 10 anos. Dentro do tópico de 7 e 8 anos, o professor-aluno apresenta o objetivo das atividades experimentais e levanta algumas hipóteses do que pode ocorrer ao longo da aplicação da proposta, baseado em sua própria experiência. Em seguida, apresenta atividade por atividade. Essas são divididas em 4 unidades que compreendem de 3 a 4 atividades e em cada uma é descrito o material utilizado, o procedimento para montagem e realização do experimento e no fim há notas do próprio autor acerca das hipóteses que podem ser levantadas pelos alunos e como a física explicaria cada fenômeno observado. As atividades de 9 e 10 anos seguem esse mesmo padrão, salvo que o autor ainda traz tabelas de avaliação para guiar o docente na atribuição de conceitos aos alunos pela sua participação, pelos relatórios entregues e pelas conclusões obtidas em sala através da observação dos experimentos. O gênero discursivo utilizado ao longo desse capítulo é similar ao utilizado em manuais e receitas. Apenas são ditadas regras e passos do que deve ser feito e como deve ser feito, sem maiores explicações didáticas ou fundamentações teóricas metodológicas. Nos textos sobre Avaliação e aulas Mão-na-massa e Ensino por Pesquisa, que estão apresentados apenas no produto educacional, o estilo de linguagem é semelhante. O professor-aluno utiliza palavras que indicam regras e condições para que a atividade seja realizada da forma correta, como por exemplo, nos trechos: Em aulas desse tipo, as atividades propostas não devem ter um plano muito rígido [...] Os professores podem oferecer formulários para auto-avaliação [...] essa auto-avaliação deve pesar na avaliação que os professores fazem dos projetos. O conteúdo temático do capítulo três é, assim, caracterizado pelas atividades e pela justificativa de escolha das idades e dos conceitos. É curioso notar que o professor-aluno não se utiliza de nenhum elemento do referencial teórico apresentado no início para justificar a escolha das idades, explicitando o seguinte critério:
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A divisão foi feita por idade e não por série por dois motivos básicos: não há correlação direta entre as séries de uma escola brasileira e de outros países.... Outro fator é a possibilidade de adoção de diferentes formas de divisão, por ciclo ou séries, que algumas escolas adotam Para justificar a escolha dos conteúdos ele afirma que se baseou na sua experiência prática ao longo dos anos em sala de aula. A única vez em que cita qualquer um dos seus referenciais teóricos ao longo desse capítulo é na seguinte frase: O fato das crianças, nos primeiros dois anos de escola (quando normalmente têm idade de 7 ou 8 anos), estarem ainda maturando aqueles esquemas de assimilação descritos por Piaget como típicos dessa idade, estabelece os limites para o quão complexas podem ser as atividades. Esse capítulo é direcionado aos docentes que possivelmente utilizarão as atividades propostas em sua prática, já que no início do texto o professor-aluno impõe muitas regras, tanto para tempo de aplicação, quanto para atuação docente e avaliação discente. Ele utiliza, em vários momentos, recursos próprios do gênero discursivo da racionalidade técnica, assim, ao ser responsivo ao discurso propagado pelo MPEF, acaba também o apropriando. Ao contrário do que o professor-aluno diz anteriormente, ele não discute conceitos nem conteúdos no seu texto de apoio. Ele apenas dita regras de como realizar as atividades. Note-se que se o professor-aluno tivesse realizado uma apropriação de um discurso oriundo do referencial teórico que ele apresenta no capítulo dois, as vozes desses autores apareceriam no seu produto educacional. Assim, o autor não demonstra apropriação discursiva dos teóricos expostos na primeira parte do capítulo, enquanto se apropria do discurso propagado pelos métodos e estudos apresentados na segunda e terceira partes, interpretando-os e utilizando seus conceitos na elaboração do produto, ao ponto de podermos caracterizá-los como internamente persuasivos. Concluímos que os teóricos do ensino e aprendizagem aparecem apenas em um capítulo de forma a suprir uma demanda da academia. O capítulo quatro é intitulado Resultado e Discussões, o professor-aluno o inicia afirmando que todas as atividades propostas foram implementadas na escola em que ele atua, uma ou mais vezes e em seguida apresenta os resultados de cada atividade, primeiro as de 7 e 8 anos e em seguida as de 9 e 10 anos. Em nenhum momento há avaliação negativa das atividades ou a exemplificação de que alguma atividade tenha sido modificada para que resolvesse possíveis impasses em sua aplicação. Pelo contrário, a culpa de qualquer contratempo ou eventual erro que possa ter ocorrido sempre foi direcionada a outros atores como, por exemplo, aos docentes do Ensino Fundamental por não participarem da aplicação ou mostrarem desinteresse pela mesma:
Após manifestar, inicialmente, interesse em auxiliar na preparação das atividades, a professora passou, aos poucos, a demonstrar cada vez menos interesse com relação a este ponto. Embora ela tenha reconhecido que as crianças da sua turma, em geral, expressassem muito interesse nas
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oficinas e demonstrassem valorizar as intervenções da professora, sua participação nas atividades acabou sendo nula já antes do fim do primeiro dos três meses que o projeto durou. Ficou evidente, para mim, que encontrar professores e professoras de séries iniciais que efetivamente se proponham a ensinar Física não será fácil. Ao longo desse capítulo o professor-aluno dialoga prioritariamente com sua própria experiência docente, pois se remete única e exclusivamente aos fatos que ocorreram em sala de aula durante a aplicação das atividades. Já a direcionalidade é a própria academia, pois pela falta de detalhes e pouca interação dessa etapa da dissertação com o restante do trabalho parece que o professor-aluno simplesmente a incluiu, na medida em que há a necessidade de que os trabalhos acadêmicos apresentem dados empíricos referentes à aplicação do produto educacional. Outro ponto importante é o termo utilizado pelo professor-aluno quando quer se referir ao fato de alguma criança ter “aprendido” algo novo. De forma recorrente ele narra uma situação onde a criança supôs uma explicação diferente da científica para o que estava observando no experimento. Logo, ele intervinha explicando e contestando a criança até que ela “aceitasse” a explicação científica, como nos trechos abaixo: Uma discussão sobre alguns exemplos cotidianos de expansão e contração térmicas... leva algumas crianças a rever suas teorias e aceitar que o ar não entra e sai do balão. [...] A partir desse questionamento, as crianças em geral aceitaram que o fator determinante não é exclusivamente a posição da folha de alumínio. Outra questão importante para que possamos entender as contradições e vozes presentes nesse trabalho são as expectativas do professor-aluno sobre os atos que as crianças realizariam ou sobre as questões que levantariam. Inicialmente, na parte introdutória de seu texto, ele afirma que o importante é desenvolver a criatividade da criança mas, em várias atividades ele parece ficar desapontado quando os alunos não preveem corretamente as causas ou consequências dos fenômenos físicos. Assim, é possível depreender, que nem mesmo a voz do referencial apresentado na segunda parte do capítulo dois é apropriado pelo professor-aluno em seu discurso, mantendo apenas a voz dos elaboradores do teste internacional que o utilizam como um medidor da aprendizagem. Ao evidenciar o amadurecimento dos alunos ao passar dos anos em relação às atividades propostas, o professor-aluno recorre a um discurso relacionado com a sua prática e com o discurso empirista indutivista sobre a natureza da ciência para explicar a evolução conceitual das crianças:
Geralmente, as turmas em que um ensino do tipo mão-na-massa funciona melhor são aquelas nas quais há uma homogeneidade, com a
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maioria das crianças se situando em um nível aproximadamente igual de aproveitamento. [...] partindo de modelos não-sequenciais e bastante desorganizados (por vezes consistindo apenas de um desenho sem texto), os relatos individuais da maioria das crianças evoluem gradativamente para um formato no qual há uma sequência de fatos, resultados relativamente organizados e uma discussão na qual uma teoria é proposta realmente com base no fenômeno observado. É possível notar que em nenhum momento o professor-aluno 1 utiliza os referenciais teóricos escolhidos para suportar suas discussões, sendo seu discurso totalmente construído sobre dados de sua prática e suas próprias crenças. Dessa forma, seu texto aponta para a apropriação do discurso empirista indutivista sobre a natureza da ciência em sua própria análise, no qual as teorias pré-estabelecidas são derivadas dos dados empíricos. Para finalizar esse capítulo, o professor-aluno assume que a implementação das atividades nas escolas lhe trouxe reconhecimento da comunidade escolar e do grupo de pais, bem como aumentou o interesse dos alunos em relação ao ensino de ciências, tornando esse um ponto forte da escola na visão dos pais. No último capítulo, Considerações Finais, o autor apresenta a estrutura da dissertação, justifica sua busca por referenciais no exterior a partir de seu contexto, tece uma crítica aos livros-texto baseado em uma pesquisa realizada nos Estados Unidos da América com livros utilizados nas salas de aula norte americanas, apresenta etapas e cuidados necessários para que seu currículo seja apropriado e implementado de forma exitosa pelos docentes e finaliza expondo a possibilidade de que o currículo proposto possa se expandir para as outras séries do Ensino Fundamental. Em nenhum momento o discurso do professor-aluno 1 apresentou direcionalidade à escola ou à comunidade da qual a escola faz parte, nem tão pouco a responsividade dos enunciados foi referente a questões relacionadas à escola ou mesmo problemas educacionais do dia a dia. Ainda assim, ele ter ganhado determinado prestígio em seu ambiente de trabalho nos remete à autoridade do especialista. Seu reconhecimento e prestígio surgiram a partir de uma proposta internacional que foi pensada para que os alunos cheguem melhor preparados ao ensino médio e para que se deem bem em testes e avaliações. Ou seja, a obrigação moral desse docente estava voltada para um resultado estável, assim como o compromisso que ele assumiu para com a comunidade foi o de se preocupar com a eficácia e eficiência de seu próprio método. Todas estas características estão de acordo com a concepção de especialista técnico, ainda que o professor-aluno tenha elaborado um material de apoio, o que o afastaria desse modelo.
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Análise do trabalho de conclusão do professor-aluno 2 O trabalho do professor-aluno 2 foi finalizado em 2009 e compreende uma dissertação acerca da utilização da história da ciência para facilitar a aprendizagem da Mecânica de Fluidos pelos alunos do Ensino Médio e um produto educacional composto por um roteiro para o professor e uma apostila para o aluno. A construção composicional geral da dissertação se dá através dos seguintes capítulos: introdução, referencial teórico, a utilização da história da ciência no ensino, elaboração e aplicação da proposta, resultados e conclusões. Em geral, o texto é escrito em terceira pessoa, de maneira formal, como exigido pela academia. No capítulo de introdução o professor-aluno começa apresentando brevemente a relação contraditória entre as políticas públicas, os pesquisadores e a sala de aula, segue defendendo a abordagem de ensino e aprendizagem através de múltiplos materiais didáticos, apresenta a sua proposta, explica como a implementou e discorre sobre a estrutura da dissertação. Durante toda a apresentação da proposta é possível depreender a preocupação do professor-aluno em relacionar o referencial teórico adotado, a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel e Novak, com os objetivos e elaboração de seu trabalho. Por exemplo, o trecho que define o objetivo do trabalho: Pretende-se desta forma fazer com que o aluno fique mais predisposto a aprender, por isso, além do enfoque histórico, os textos associam os tópicos estudados com situações do cotidiano. Assim, o professor-aluno não justifica seus objetivos através de um problema do cotidiano, mas de uma questão envolvendo seu próprio referencial teórico, que é a predisposição do aluno para a aprendizagem. Porém, ainda que ele não explicite, subentende-se nesse trecho que há um problema educacional recorrente que o professor-aluno busca resolver: a falta de disposição dos alunos para a aprender física. Como ele constrói o seu discurso de forma que esse problema pareça, inicialmente, apenas um problema teórico levantado por Ausubel e Novak, podemos afirmar que a direcionalidade de seu enunciado é a academia, na figura do orientador, da banca que avaliará esse trabalho e do próprio programa de MPEF.
No próximo capítulo, denominado Referencial Teórico, o professor-aluno, inicialmente, apresenta a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel e Novak, em seguida faz uma relação entre sua proposta e o referencial teórico adotado e no fim explica o processo de construção do produto educacional. O conteúdo temático, tanto da Introdução quanto do Referencial Teórico, gira em torno da teoria da aprendizagem significativa de Ausubel e Novak, o que dá indícios de apropriação discursiva dessa teoria por esse professor-
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aluno. O trecho seguinte aponta para a apropriação discursiva internamente persuasiva e não apenas para a reprodução do referencial teórico, na medida em que ele reinterpreta conceitos da teoria de Ausubel e Novak em prol de sua proposta.: Todas as estratégias, associadas a um material potencialmente significativo e uma relação afetiva entre professor e aluno visam fazer com que o estudante esteja predisposto ao aprendizado e que sua construção de conhecimento ocorra de forma significativa e correta. No capítulo seguinte, Sobre o uso da História da Ciência no Ensino e outras iniciativas, o professor-aluno traz como conteúdo temático as pesquisas e trabalhos desenvolvidos no Brasil sobre a história da ciência e análises de livros didáticos. Para iniciar o capítulo o professor-aluno justifica a utilização da história da ciência através de trabalhos já desenvolvidos no âmbito acadêmico brasileiro e, em seguida, ele próprio analisa a presença de conteúdos de Hidrodinâmica e a inserção da história da ciência nos textos de livros didáticos utilizados no Ensino Médio. Para finalizar, o professor-aluno ainda apresenta análises da história da ciência em livros didáticos realizadas por outros autores. Ao contrário do que percebemos no capítulo anterior, apesar de toda a consideração teórica apresentada nesse capítulo, o professor-aluno em nenhum momento justifica a elaboração do seu produto educacional a partir do conhecimento desenvolvido. A responsividade desse trecho do enunciado é, portanto, a academia, porque ele busca construir o discurso e elaborar suas justificativas de acordo com as ideias acadêmicas, buscando dialogar com o que academicamente já foi realizado e aceito, sem relacionar esses dados com o seu próprio trabalho: Mesmo este trabalho não tendo a ambição de ensinar História da Ciência, mas sim utilizá-la como elemento facilitador para o estudo de fluídos, é importante empregá-la com propriedade, procurando se aproximar ao máximo da escrita de um especialista da área. Parece, assim, que este capítulo foi incluído apenas como uma formalidade acadêmica, o que nos leva a concluir que o conteúdo desenvolvido foi tomado como discurso de autoridade, apenas aceito e não apropriado pelo professor-aluno. Logo, a direcionalidade desse capítulo também acaba sendo voltada para a academia já que o professor-aluno se mostra constantemente preocupado em ser coerente com o formato de trabalho de conclusão que o MPEF propõe. No capítulo seguinte, Elaboração e Aplicação da Proposta, o professor-aluno apresenta a estrutura do material desenvolvido para os alunos e professores e o questionário que elaborou para que os alunos pudessem avaliar a proposta. Novamente ele faz uma costura teórica entre o material desenvolvido e o referencial teórico adotado tornando o seu conteúdo responsivo ao próprio referencial e direcionado à academia. Segundo o próprio professor-aluno:
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[...] é característica do material confeccionado abordar, primeiro, temas mais gerais e, depois, conceitos mais específicos. Também, assuntos de um determinado capítulo são frequentemente retomados e revistos em outros capítulos. Nesse trecho do capítulo podemos sentir a voz do referencial teórico adotado pelo professor-aluno. Ele faz clara alusão à diferenciação progressiva, conceito estruturador da teoria ausubeliana, integrando-o no discurso sobre o seu produto. É possível depreender, então, a apropriação do discurso teórico de Ausubel e Novak, tornando o capítulo responsivo a esse referencial. A direcionalidade desse capítulo, no entanto, é voltada para a academia, já que o professor-aluno busca mostrar de que forma ele utilizou o referencial, que já é aceito dentro da área, para a construção de seu produto e busca apresentar uma ferramenta, que ele mesmo criou, para obter dados empíricos que corroborem com suas conclusões, demanda acadêmica para trabalhos científicos. No capítulo intitulado Resultados o professor-aluno apresenta as respostas dos alunos dadas às perguntas do questionário e o desempenho que eles tiveram nas avaliações formais da escola sobre o assunto trabalhado. Sem uma avaliação mais profunda das respostas dos alunos e apenas assumindo o conceito (nota) obtido por eles nas provas, o professor-aluno assume que sua proposta foi bem sucedida. Como o objetivo apresentado por ele era tornar o aluno mais predisposto a aprender, considera que, pelas respostas dadas aos questionário corroboradas pelo bom desempenho dos discentes nas avaliações, a proposta obteve êxito. Nas palavras do professor-aluno: Comparando o desempenho dos alunos submetidos à proposta com turmas de anos anteriores, foi possível verificar sensível melhora nos resultados avaliativos formais[...] [...] A proposta de fato foi um agente facilitador da aprendizagem, deixando os estudantes mais motivados e predispostos ao aprendizado. Além disso, verificou-se que a metodologia sensibilizou também aquele estudante mais apático, que muitas vezes não se interessa muito pela matéria. Novamente, podemos sentir a voz do referencial teórico impregnando as conclusões desse professor-aluno, o que depreende que sua apropriação discursiva foi plena, em toda a dissertação. Em seguida, no capítulo de conclusões o professor-aluno apenas repete as conclusões tiradas da análise dos livros didáticos, das respostas dadas ao questionário e do desempenho dos alunos nas avaliações. Finaliza com uma avaliação positiva de sua proposta e sugerindo a extensão dessa proposta a outros conteúdos da física.
O seu produto educacional é apresentado em forma de uma apostila para os alunos e um roteiro para os docentes. A apostila é dividida em capítulos estruturados de forma igual à maioria dos livros didáticos. Inicia com um texto sobre o conteúdo, apresenta exercícios
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resolvidos e em seguida exercícios oriundos de vestibulares para o aluno resolver. Os textos iniciais são estruturados de forma a apresentar primeiro o conteúdo de forma mais abrangente e depois direcionar para os conceitos, sempre embasando-os na história da ciência. Essa forma de estruturação, do mais abrangente para o mais específico, segundo o professor-aluno 2, remonta a constructos da teoria de Ausubel e Novak. Assim podemos depreender mais uma vez, a apropriação desse referencial pelo professor-aluno, já que ele o interpreta e o transpõe para seu produto em prol de seus objetivos. A responsividade desse material está dividida entre a os discursos dos livros didáticos, da história da ciência, da Mecânica de Fluidos e de Ausubel. A organização da apostila tal qual foi feita pelo professor-aluno se assemelha à de livros didáticos, que mantém uma estrutura fixa e bem definida em quase a totalidade de livros desenvolvidos. O próprio estilo de linguagem utilizado por ele é similar ao de livros didáticos. Por exemplo: Um corpo de massa m, independente de suas características, ocupa um volume V no espaço, de forma que se define a grandeza escalar densidade (ρ) como: 𝜌= 𝑚𝑉 Assim, escrito de forma clara, em terceira pessoa, de maneira direta, com formalidades conceituais e algumas fórmulas simplificadas sem a utilização de ferramentas matemáticas mais complexas, o texto é direcionado aos alunos de Ensino Médio. Note-se que, por mais que o autor tente incluir uma nova abordagem para o ensino de física através da história da ciência, a apostila desenvolvida continua sendo altamente conteudista. A história da ciência é utilizada, não para problematizar os conceitos e as questões, mas mais para ilustrar a forma como esses conteúdos físicos surgiram. Por exemplo, no texto sobre Empuxo, o autor inicia contando a história de vida de Arquimedes e desmente as histórias da coroa de Hieron e do banho em que esse pensador, supostamente, descobrira o Empuxo. Ao desmentir, o autor simplesmente afirma que são histórias contadas, mas não apresenta uma análise física de porque esses eventos não poderiam ter ocorrido. Em seguida, ele simplesmente apresenta o conceito de Empuxo tal e qual é apresentado nos livros didáticos: Lembre-se que a pressão aumenta com a profundidade. Sendo assim, podemos concluir, observando a figura 26, que a pressão sobre o cilindro no ponto B é maior que no ponto A (pois o ponto B está numa profundidade maior que a de A). Logo, a força associada a essa pressão, exercida pelo líquido no ponto B, é maior que no ponto A. Justamente esta diferença de pressão ( e de força) entre os pontos a diferentes profundidades origina o empuxo. [....] Sabemos que o módulo do empuxo (E) é igual ao valor do peso do líquido deslocado (𝑃𝑙𝑑), ou seja:E =𝑃𝑙𝑑 = 𝑚𝑙𝑑.g
A figura à qual o professor-aluno 2 se refere é de um quadrado aberto na parte superior, imitando um tanque com água, com um retângulo dentro, imitando um cilindro
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mergulhado. Essa figura e a abordagem dos conceitos trazida pelo autor é clássica em livros didáticos e aparte da história da ciência figura apenas como ilustração histórica. O roteiro do professor é escrito em poucas páginas e com a intenção de apenas sugerir abordagens, leituras, atividades e vídeos para que o docente potencialize a utilização da apostila dos alunos. Utilizando linguagem formal, em terceira pessoa, o professor-aluno apenas sugere atividades e vídeos, sem ordenar ou tornar esse roteiro um manual ou receita, como por exemplo, nos trechos: O professor pode também construir uma cadeira de faquir [...] No Capítulo 2, que pode ser trabalhado entre 4 e 8 períodos de aula [...] O uso da forma “pode”, nos trechos acima, remete a uma não obrigação. Dessa forma, o roteiro se torna apenas um conjunto de sugestões para o docente que escolher trabalhar com o material proposto. A elaboração e a forma de apresentação do material sugere que esse professor-aluno possa ter sido influenciado por dois modelos: o especialista técnico e o profissional reflexivo. Ainda que em nenhum momento a responsividade e direcionalidade do seu trabalho tenham sido a escola, a realidade ou que, nem mesmo tenha justificado a escolha de determinado conteúdo de física, tornar o aluno mais predisposto a aprender condiz com seu referencial e remete à escola. Além disso, o referencial teórico é assumido pelo professor-aluno 2 enquanto modelo de ensino-aprendizagem. Logo, corresponde ao que ele pessoalmente assumiu como valorativo na educação. O professor-aluno 2 tem um objetivo bem definido, mas para que esse objetivo se cumpra ele assume que não é apenas um material ou uma forma de utilização de sua proposta que vai levar ao êxito. Quando ele mantém o roteiro direcionado ao docente na forma de sugestões ele está assumindo que o docente tem a liberdade de escolher qual será a melhor prática a ser utilizada em sua sala de aula, em cada contexto, ainda que a apostila do aluno não seja flexível. Entretanto, o fato de não trazer nenhuma necessidade da comunidade escolar e nem mediar de forma equilibrada suas crenças com as necessidades da escola nos leva a entender que seus objetivos foram construídos e inspirados no modelo do especialista técnico propagado pelo MPEF. O contexto extraverbal desse professor-aluno aparece em sua plena apropriação do discurso acadêmico ao longo do texto. Ele, de fato, estava em constante contato com a academia e com a pós-graduação e ao mesmo tempo em que realizava o MPEF, realizava um outro mestrado na área de engenharia em uma universidade particular. Esse fato pode ajudar a compreensão de sua alta apreciação e consideração pelos valores e status acadêmicos e, portanto, mais fácil apropriação dos discursos propagados pela academia.
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Análise do trabalho de conclusão do professor-aluno 3 O trabalho 3 foi finalizado em 2014 e compreende uma dissertação, acerca da utilização de tecnologias no Ensino de Física experimental no Ensino Superior, e um produto educacional, dividido em guia para estudante e guia para o professor. A dissertação foi construída através dos seguintes capítulos: Introdução, Literatura relacionada ao uso de computador e o Ensino de Física, Embasamento Legal e Didático, Produto Educacional, Aplicação da Proposta e Considerações Finais e Conclusões. A dissertação é escrita em terceira pessoa, seguindo a regra formal normalmente utilizada em trabalhos acadêmicos. No primeiro capítulo, Introdução, o professor-aluno 3 justifica a sua proposta através de algumas indicações presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), em seguida, para embasar sua ideia, traz alguns trabalhos já realizados por pesquisadores brasileiros na mesma perspectiva que ele pretende defender. Por fim, apresenta a proposta e a estrutura da dissertação. Logo nesse primeiro capítulo, podemos notar que o discurso do professor-aluno é responsivo às políticas educacionais: [...] se o computador for efetivamente usado para aprendizagem de Física desde as Físicas Gerais a disciplinas específicas, discussões e reflexão sobre seu uso forem feitas em consonância com reflexões sobre outros recursos e estratégias de ensino, as Diretrizes Curriculares estariam sendo atendidas, talvez até de forma mais eficaz. Ao justificar sua proposta através das DCN o discurso do professor-aluno indica aceitação e concordância com tal discurso, que neste caso, se mostra internamente persuasivo, tendo em vista que ele não apenas o reproduz, mas o utiliza de acordo com suas intenções em sua proposta, caracterizando apropriação. Da mesma forma, o discurso construído pelo professor-aluno 3 dialoga com as políticas educacionais propagadas nos PCN e PIBID, já que sua justificativa para elaborar tal produto também é construída sobre os pressupostos dessas políticas. A direcionalidade desse trecho do enunciado, no entanto, é voltada para a academia, mais diretamente para o seu orientador e aos professores componentes da banca avaliativa, na medida em que busca justificar teoricamente a proposta utilizando uma das linhas de pesquisa (TICS no Ensino de Física) desenvolvidas no programa no qual está inserido o MPEF.
No capítulo seguinte, intitulado Literatura relacionada ao uso de computador e o ensino de física, o professor-aluno faz uma espécie de revisão bibliográfica. Inicialmente, ele apresenta trabalhos de outros autores que justificam a utilização de computadores em sala de aula, para, em seguida, optar por utilizar apenas algumas ferramentas computacionais em sua proposta. Para justificar essa escolha apresenta trabalhos que defendem essas ferramentas e explica como utilizou cada uma delas na elaboração da proposta. Como conteúdo temático
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desse capítulo o professor-aluno traz, basicamente, a utilização das ferramentas computacionais, utilização por outros autores e modo como ele próprio se apropriou delas para sua proposta. Este trecho do enunciado, responsivo à academia e às políticas educacionais nacionais, acaba por se direcionar também à academia: Então, nos centramos em artigos que mais nos chamaram atenção para apresentar, mesmo que resumidamente, alguns pontos positivos e negativos, vantagens e limitações da utilização de recursos computacionais, além de sugestões de softwares ou metodologias que consideramos serem relevantes e indispensáveis para o ensino de Física quando se pretende promover novas perspectivas apregoadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio e quando se pretende atender as diretrizes e resoluções que normatizam os cursos de licenciatura no Brasil. Podemos notar que o trecho é responsivo à academia e às políticas educacionais, pois se refere a trabalhos já produzidos no âmbito acadêmico como meios para dar materialidade às políticas educacionais. Já a direcionalidadese volta à academia, pois o professor-aluno se limita a cumprir uma demanda própria de trabalhos acadêmicos, que é ter suporte metodológico, sem problematizar questões do cotidiano ou da vida escolar (ainda que esse seja um trabalho voltado ao Ensino Superior). No capítulo 3, Embasamento Legal e Didático, justifica não utilizar um referencial teórico como de costume e apresenta aspectos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. Em seguida traz as competências que, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio de 2002 (PCN +), devem ser desenvolvidas nos alunos de Ensino Médio e os propósitos e objetivos do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID). Por fim, apresenta trabalhos que lhe serviram como referência didática para a elaboração da proposta. Temos de atentar para a justificativa inicial desse capítulo: De maneira geral as dissertações do Mestrado Profissional em Ensino de Física do nosso Programa de Pós-Graduação apresentam uma descrição sucinta da teoria de aprendizagem que amparou teoricamente o trabalho, indicando particularmente de que modo ela contribuiu à concepção, elaboração e desenvolvimento do material e/ou experiência didática realizada... A fim de não estender demasiadamente a presente dissertação, tomamos a liberdade de não partir dos fundamentos das teorias de aprendizagem subjacentes, mas ir diretamente a trabalhos da área, bem ancorados teoricamente, que serviram de suporte às nossas pretensões.
O professor-aluno parece entender as regras para que um trabalho seja caracterizado como acadêmico, entretanto, ele se justifica para burlar uma dessas regras. A necessidade de se justificar surge de sua preocupação com a futura avaliação do orientador e de outros professores possíveis membros da banca avaliativa. É possível depreender então, que a
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direcionalidade desse trecho do enunciado é a academia, de forma imediata na figura do orientador e dos professores membros da banca avaliativa. A responsividade desse trecho do enunciado no entanto, se divide entre a academia e as políticas educacionais. Podemos perceber as vozes das políticas públicas impregnadas em todo o discurso do professor-aluno, e assim, inferir que houve uma apropriação discursiva. Por exemplo, no seguinte trecho: [...] a ênfase do presente trabalho é em atividades experimentais e computacionais a serem desenvolvidas pelos alunos com o objetivo de instigar certas habilidades e competências. Podemos notar, pelo uso dos conceitos de habilidades e competências, que o professor-aluno além de se apropriar das políticas educacionais para justificar a elaboração da proposta, também utiliza preceitos das políticas como aporte teórico para orientar o desenvolvimento de seu trabalho. No capítulo seguinte, intitulado Produto Educacional, o professor-aluno apresenta os objetivos do produto desenvolvido, apresenta a estrutura do Guia de Atividades para o Aluno e as atividades que o compõem. Essas são estruturadas em materiais utilizados, objetivos gerais e específicos e uma breve explicação sobre como a atividade pode ser desenvolvida. No final, apresenta as competências e habilidades trazidas do PCN+ e que podem ser desenvolvidas em cada atividade. Essa apresentação é feita na forma de uma tabela onde aparecem as 19 habilidades e competências elencadas no PCN+ e na sequência, cada uma das atividades relacionadas com as habilidades e competências mostradas anteriormente. Mas, não é apenas nessa tabela que indícios e a voz do PCN+ aparecem. Por exemplo, os objetivos gerais da atividade 6 são enunciados da seguinte forma: Desenvolver habilidades de interpretação de gráficos, de organização e compartilhamento de dados experimentais e de análise de gráficos. Neste trecho é possível notar que o professor-aluno está preocupado em direcionar as atividades para que sejam coerentes com os propósitos exigidos nas políticas educacionais, o que corrobora nossa análise de que o discurso presente na legislação foi apropriado como internamente persuasivo, na medida em que o professor-aluno o interpreta, reinterpreta e elabora sua própria proposta à sua luz. Por um lado, esse é mais um capítulo onde o autor constrói um discurso responsivo às políticas educacionais e por outro, a direcionalidade desse trecho do enunciado é a própria academia, diretamente na figura do orientador e dos professores que irão compor a banca avaliativa. Além de explicar como fez para construir o produto educacional, costurando teoricamente seus objetivos com os objetivos próprios das políticas educacionais, essa explicação atende à necessidade de justificar o procedimento metodológico de construção do produto, demanda essa de trabalho acadêmicos.
Em seguida, em um capítulo intitulado Aplicação da Proposta, o professor-aluno explica o contexto de aplicação do produto desenvolvido e apresenta um tipo de diário de campo desenvolvido ao longo da implementação das atividades. Ele conta, atividade por
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atividade, se detendo em explicar o processo sem maiores análises, para no fim apresentar resultados. O professor-aluno ainda realizou entrevistas com alguns alunos, ao final da implementação, para ter mais indícios para compor suas conclusões. Ele admite que os alunos tiveram dificuldades em entender o conceito de modelagem, mas que, ainda assim, entendem sua importância e pertinência para o ensino de física. No mais, o professor-aluno 3 não aponta erros, dificuldades ou mudanças substanciais no produto após a implementação, apenas uma mudança na ordem de apresentação de uma das atividades. Para ele, as dificuldades se limitaram à dificuldade dos alunos em entender conceitos físicos e metodológicos. Ao apresentar trechos das entrevistas que realizou com os alunos após a implementação da proposta, parece que o mesmo tenta obter dados empíricos para embasar suas conclusões que são, em sua maioria, positivas em relação à proposta. Novamente a direcionalidade desse capítulo é voltada à academia, já que o professor-aluno sente a necessidade de trazer esses trechos como embasamento empírico. A responsividade, no entanto, se volta para as ferramentas computacionais utilizadas e as políticas educacionais, como se depreende no seguinte trecho: Nas atividades envolvendo Excel, percebemos grande evolução que está relacionada às habilidades manuais na utilização das ferramentas e dos recursos desse software. Ao final, os alunos conseguiram elaborar os gráficos quase que de forma autônoma. Ainda que no trecho apresentado acima o professor-aluno utilize a palavra habilidades, notoriamente ele não está se referindo às habilidades específicas elencadas no PCN+. Porém, para esse autor, desenvolver tal habilidade é ir ao encontro das políticas educacionais citadas nos primeiros capítulos de sua dissertação, o que, na interpretação desse professor-aluno, foi possível por meio da utilização de novas tecnologias em sala de aula. No capítulo final, Considerações Finais e Conclusões, ele reafirma todas as conclusões já obtidas. Para ele o seu produto educacional obteve sucesso já que, em suas próprias palavras: [...] os alunos trabalharam no sentido de desenvolver habilidades e competências sugeridas pelos PCN+ [...] realizando diversas ações sugeridas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores e nas Diretrizes Curriculares para o curso de Física. Eles também realizaram estudos de aprofundamento teórico sobre conteúdos específicos através das atividades experimentais e computacionais e puderam conhecer novas estratégias didáticas para a sua futura ação docente, vindo ao encontro dos objetivos do PIBID. Como em toda a dissertação, o professor-aluno novamente elabora um discurso responsivo às políticas educacionais e com direcionalidade para a academia, bem como demonstra ter se utilizado do discurso defendido pelas políticas educacionais de acordo com suas intenções, o que caracteriza apropriação.
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O produto educacional desenvolvido por este professor-aluno é apresentado da seguinte maneira: Introdução, Descrição das atividades, Guia de Atividades para o Professor e Guia de Atividades para os Alunos. A seção Descrição das Atividades é idêntica ao capítulo 4 da dissertação (Produto Educacional), já analisado. Ele inicia a Introdução falando do contexto de produção de sua proposta, em seguida apresenta os objetivos e as ferramentas computacionais utilizadas e no fim, apresenta a estrutura das atividades e dos guias. É interessante que, novamente, o professor-aluno explicita uma regra oriunda da academia, que, neste caso, ele seguiu: Os mestrados profissionais em ensino de Física (ou Ciências) exigem a elaboração de um produto educacional, contendo sugestões de atividades que os professores podem desenvolver com os seus alunos para motivá-los e ajudá-los a engajaram-se na sua própria aprendizagem, tornando-a significativa. Neste trecho, o uso do termo “significativa” adjetivando aprendizagem remete à teoria de Ausubel, apropriação que não ocorreu em nenhum momento na dissertação do autor. Esse fato faz parecer que o trecho não foi criado por ele e que deve ter sido apropriado enquanto discurso de autoridade, isto é, apenas aceito, para cumprir uma demanda, possivelmente, da orientação. O guia para o professor foi desenvolvido separadamente para cada atividade e é estruturado a partir de uma breve explicação sobre a atividade, em seguida traz os objetivos gerais e específicos e os materiais. Na sequência, o professor-aluno traz um embasamento teórico sobre os conceitos físicos envolvidos na atividade, apresenta o procedimento e coleta de dados e por fim, a análise de dados. O guia para o aluno possui, em geral, uma introdução bem curta, de no máximo um parágrafo, em seguida apresenta os materiais, os procedimentos de coleta de dados e a análise de dados. Enquanto o guia do professor parece mais um guia sugestivo, onde o professor-aluno conta como realizou tais atividades em sua sala de aula, o guia para o aluno lembra um roteiro de laboratório de física experimental. No entanto, ele tenta não utilizar linguagem própria de manuais ou receitas, utilizando formas mais sugestivas e não impositivas: Propomos, agora, que vocês construam um gráfico de deslocamento. Mas em outros trechos,ele utiliza o verbo dando uma ordem direta: Calculem a inclinação da reta
A escolha do nível de ensino para qual o autor dedica seu trabalho parece ter sido altamente influenciada pelo seu contexto individual, já que trabalhava em uma instituição de Ensino Superior durante a realização do MPEF. No entanto, a escolha pelos documentos é que se fez curiosa, já que o autor mistura documentos normativos para o Ensino Superior com outros para o Ensino Médio. Essa mistura pode sinalizar uma apropriação do discurso legal enquanto discurso internamente persuasivo, já que o autor, submetendo os documentos à sua
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apreciação destes níveis de ensino, esperaria cumprir diferentes intenções: utilizando os documentos de nível médio, supriria a deficiência de competências e habilidades que os alunos ainda apresentam no Ensino Superior e com o uso dos documentos do Ensino Superior, visaria à preparação de futuros professores que estarão aptos a desenvolver em seus alunos essas mesmas competências e habilidades. O modelo de professor que influencia o trabalho de conclusão do autor 3 poderia ser classificado como híbrido, guardando características tanto do especialista técnico quanto do profissional reflexivo. Ele aceita as normas e imposições governamentais, mas pensa em uma forma de adequar a sua prática e para tal, busca referenciais metodológicos e didáticos e na legislação. Assim, ele cria atividades mesclando referenciais didáticos, teóricos e as diretrizes das políticas educacionais. No entanto, o fato de que em nenhum momento as necessidades da comunidade escolar ou da própria universidade tiveram enunciados responsivos ou direcionados a elas, faz com que o autor possa ter sido influenciado prioritariamente pelo modelo do especialista técnico.
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CAPÍTULO 5: DISCUSSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme concluímos, o MPEF do IF da UFRGS pode ser identificado como um programa que privilegia o modelo de formação do especialista técnico. Ao analisarmos a proposta inicial e o currículo vigente do programa, três pontos foram os mais importantes para esta conclusão: os professores que já trabalhavam na pós-graduação em Física, especificamente na área de Ensino de Física, seriam os professores que ministrariam as disciplinas, subordinando assim, o MP à pesquisa acadêmica; o trabalho final para conclusão do curso de MP é denominado trabalho final de pesquisa profissional, remetendo a um trabalho acadêmico; a grade curricular, formulada para acomodar os docentes que ministrariam aulas no MP, contempla as três componentes que hierarquicamente caracterizam o modelo racionalista técnico (CONTRERAS, 2012), colocando em primeiro plano as disciplinas que tratam do conteúdo específico, em segundo plano as que tratam do conhecimento aplicado e em terceiro plano e de forma pouco explorada, as que tratam dos componentes do saber do professor e as relacionadas com o fazer docente. Para que um professor-aluno obtenha o título de mestre pelo MPEF do IF da UFRGS, ele deve elaborar um trabalho de conclusão, que é composto por uma dissertação e um produto educacional. Geralmente, é na dissertação que os professores-alunos trazem os objetivos e motivações que os levaram a desenvolver tal produto. Por isso, dentro de uma perspectiva bakhtiniana do discurso, fez sentido analisarmos discursivamente, ambos os elementos. Eles são completivos tornando possível que o leitor apenas compreenda o todo do enunciado, lendo um e outro e vice-versa. Ao analisarmos três das 94 dissertações já defendidas no MPEF, tivemos a intenção de investigar de que forma o modelo de formação docente privilegiado por esse curso é apropriado no discurso dos professores-alunos em formação, em seus trabalhos de conclusão. Nas seções seguintes, tentaremos sintetizar os principais resultados da análise e ao final, esboçar as conclusões finais. A responsividade dos trabalhos de conclusão Como vimos, Bakhtin (2010) afirma que todo enunciado sobre um tema responde aos enunciados anteriores sobre o mesmo tema, critica-os, concorda com eles, reelabora-os. Essa definição caracteriza a responsividade, um dos elementos do enunciado analisado neste trabalho. Em geral, os professores-alunos criaram discursos homogeneamente responsivos, ou seja, tanto a dissertação quanto o produto educacional de cada um, componentes do enunciado, acabaram por ser responsivos às mesmas instituições.
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No primeiro trabalho, o professor-aluno 1 está constantemente sendo responsivo aos resultados e estudos desenvolvidos sobre testes internacionais e ao referencial metodológico que ele escolhe adotar. Com frequência ele cita dados de testes e estudos realizados sobre os mesmos para fazer comparações de qualidade de ensino e justificar seu trabalho e produto. Como é o caso dos dois primeiros capítulos de sua dissertação, onde ele justifica a necessidade e existência de seu produto através do argumento que os resultados dos testes estão mostrando o quão deficitário é o ensino de física. Em seu produto educacional, no entanto, ele acaba sendo responsivo apenas ao referencial metodológico adotado no trabalho (Projeto Mão-na-Massa), pois, propõe apenas atividades experimentais baseadas nesse referencial em detrimento de todos os outros referenciais citados ao longo do trabalho. O professor-aluno 2, na maioria das vezes, constrói o seu discurso de forma a torná-lo responsivo ao referencial teórico adotado (teoria da aprendizagem significativa de Ausubel e Novak). Logo na justificativa de seu trabalho fica claro que ele busca sempre se adequar às ideias propagadas pelo referencial teórico assumido, principalmente ao criar um discurso que, apesar de implicitamente apresentar um problema oriundo da sala de aula (falta de disposição dos alunos), é construído para dar ênfase ao referencial relegando a segundo plano o problema escolar. O produto educacional também é construído pelo professor-aluno 2 de forma a ser responsivo ao referencial teórico, já que ao longo do mesmo ele dialoga com os constructos da teoria de Ausubel e Novak. Por outro lado, o professor-aluno 3 constrói seu discurso de forma que os enunciados são, geralmente, responsivos às políticas educacionais. Ele justifica a proposta através de premissas e ideias originadas nas políticas educacionais, bem como busca subsídios acadêmicos, em trabalhos já realizados, para dar materialidade às políticas e assim poder dialogar mais facilmente com as mesmas em sua proposta. Parece que houve apropriação do modelo de formação do MPEF na responsividade dos enunciados produzidos pelos três professores-alunos, já que em nenhum momento eles são responsivos discursivamente à escola, à comunidade ou às demandas sociais com as quais convivem diariamente. Ainda que nenhum deles trabalhasse em comunidades de risco ou na periferia, é impossível acreditar que sua sala de aula não tenha nenhum problema que mereça ser discutido. O professor-aluno 1, ao assumir os exames de avaliação nacional e internacional como parâmetro de qualidade da educação é um exemplo da apropriação do modelo do especialista técnico, que voltado à eficácia e à eficiência de sua prática para um certo objetivo pré-estabelecido por órgãos superiores acaba esquecendo do contexto sociocultural que o rodeia. O professor-aluno 2 chega a tangenciar o problema da falta de interesse dos alunos, mas essa demanda está apenas implícita em seu discurso e ainda pode estar sendo usada apenas porque é parte conceitual de seu próprio referencial teórico, escolhido previamente. O professor-aluno 3, ao assumir as políticas públicas sem uma maior discussão, apenas porque elas se configuram como as diretrizes nacionais impostas pelos órgãos responsáveis pela educação também depreende a apropriação desse modelo.
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É importante deixar claro que a questão do referencial teórico não seria um problema se ele fosse discutido, interpretado e reinterpretado através do problema próprio da escola e não o contrário como aconteceu nos trabalhos analisados. Nesses trabalhos, os autores parecem adaptar o problema ao referencial teórico que lhes agrada e não escolher o referencial adequado no sentido de que possa contribuir para a compreensão do problema que lhes aflige. A direcionalidade dos trabalhos de conclusão Bakhtin (2010) atribui ao enunciado as características de responsividade e direcionalidade; todo enunciado é prenhe de resposta e não resiste em antecipar as respostas de seu suposto ouvinte, direcionando-se a ele. Nos três trabalhos de conclusão analisados, a direcionalidade foi voltada para a academia e para o público-alvo da proposta dos produtos educacionais. De fato, a dissertação configura um documento acadêmico que será avaliado por docentes oriundos do meio acadêmico, seja o orientador (ou orientadores) ou os membros da banca avaliativa. Logo, o fato dessa direcionalidade ocorrer não é surpreendente, mas o fato de haver alguns capítulos notoriamente incluídos apenas para cumprir uma demanda oriunda da academia parece ultrapassar essa adequação do discurso. Por exemplo, no trabalho do autor 1, ficou claro que os referenciais teóricos foram incluídos apenas porque era uma exigência acadêmica, assim como nos trabalhos dos professores-alunos 2 e 3, instrumentos de pesquisa como questionário e entrevista foram criados para proporcionar dados empíricos e assim cumprir uma demanda acadêmica, já que os dados obtidos serviram apenas para corroborar aspectos positivos do produto e da implementação e nenhum dos autores fez mudanças significativas ou considerações críticas acerca de sua proposta após análise desses dados. Ao tratarem dados como secundários e apenas como indícios positivos, os professores-alunos 2 e 3 pareceram estar, de certa forma, desconsiderando as relações e questões que surgiram no contexto real de sua sala de aula ao implementarem o produto. Consideramos que tal atitude faz parte de uma apropriação discursiva do modelo propagado pelo MPEF, que não está preocupado com as questões reais de sala de aula, mas em cumprir demandas dos órgãos de fomento superiores. A racionalidade técnica nos produtos
Ainda que a ideia de elaborar um produto ou um material didático esteja de acordo com o modelo do professor reflexivo, que coloca o professor no papel de quem busca pesquisar e refletir e que possui capacidade para resolver criativamente as situações-problema para realização prática de suas pretensões educativas (CONTRERAS, 2012), devemos atentar
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para a forma como esse produto é elaborado, apresentado e implementado. Nos três trabalhos de conclusão analisados, os autores desenvolveram produtos educacionais e implementaram em sala de aula, mas, todos eles exibem características da racionalidade técnica, deixando de fora a oportunidade para uma reflexão genuína sobre os problemas da escola. O produto desenvolvido no trabalho 1 é direcionado para que os alunos do ensino fundamental tenham acesso a conteúdos de física através de atividades experimentais e cheguem ao ensino médio com estes conteúdos. Esse produto é construído através do gênero discursivo dos manuais e receitas, sendo assim impositivo e taxativo de que aquela é a única forma de se ter sucesso naquele assunto. Essa característica do produto, que determina como, onde e quando devem ser elaboradas as atividades, relacionada com a ideia do professor-aluno 1 de que o ensino de física tem sido um fracasso, avaliado pelo desempenho obtido pelos alunos em um exame vestibular, são totalmente compatíveis com o modelo do especialista técnico. Aceitar um teste quantitativo como parâmetro de qualidade educacional e elaborar todas as suas atividades com o único propósito de obter sucesso neste teste remete à ideia de que o docente é o grande responsável por todo e qualquer desempenho dos alunos. Logo, para o professor ser um bom profissional, seu desempenho deve remontar à ideia do expert infalível (CONTRERAS, 2012), ou seja, deve dominar muito bem o conteúdo determinado pelas grades curriculares cobradas nos testes avaliativos. O produto desenvolvido no trabalho 2, apesar de utilizar um estilo linguístico menos impositivo, acaba por reproduzir o modelo dos livros didáticos já existentes no mercado. E mesmo a história da ciência, que seria a novidade dessa proposta, é trabalhada apenas como coadjuvante e ilustrativa para os conceitos. Ainda que o professor-aluno 2 busque se informar acerca de uma perspectiva nova de ensino, a história da ciência, é na elaboração e implementação do produto educacional que notamos que seu discurso remonta às ideias propagadas pelos livros didáticos. Todo o aporte teórico que ele apresenta acerca dessa perspectiva acaba não sendo utilizado, nem na justificativa da proposta, nem no próprio produto. Assim, ele acaba vestindo o velho com roupas novas e não fugindo da ideia da racionalidade técnica. O produto elaborado pelo professor-aluno 3 busca cumprir uma demanda das políticas públicas através da inserção da utilização do computador em sala de aula. O autor aceita, sem questionamentos, diretrizes impostas por documentos educacionais direcionados ao ensino médio e ao ensino superior. Através das análises pudemos notar que a utilização de diretrizes curriculares para diferentes níveis de ensino pelo professor-aluno 3 se deveu provavelmente ao fato de ele considerar que os alunos que chegam ao nível superior não possuem as competências e habilidades que teriam de ter desenvolvido em níveis anteriores. A aceitação das políticas educacionais sem maior discussão remonta a uma das principais características do modelo do especialista técnico, assim como o conteudismo dos produtos 1 e 2 e a imposição da prática através do um discurso de autoridade e salvacionista do produto 1.
Fica claro então que os três produtos possuem muitos traços da racionalidade técnica, provavelmente por terem sido criados à luz do modelo do especialista técnico difundido implícita e explicitamente pelo MPEF.
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A influência dos contextos individuais Foi possível perceber que os contextos extraverbais individuais se mostraram decisivos nas escolhas dos professores-alunos, seja do nível educacional para qual se dirige o produto ou do referencial teórico adotado. No primeiro trabalho, o professor-aluno 1 é extremamente influenciado a escolher referenciais estrangeiros em detrimento dos referenciais nacionais, provavelmente porque trabalha em uma escola internacional, onde os seus colegas são oriundos de países de língua inglesa. Para esse autor, qualquer país é melhor do que o Brasil nas questões de educação e ele mesmo afirma que os docentes brasileiros têm muito a aprender com os docentes estrangeiros. No segundo trabalho, o professor-aluno 2 privilegia o referencial teórico atribuindo à academia um prestígio e status que acredita existir. Esse autor enquanto realizava o MPEF do IF da UFRGS também realizava um mestrado na área das engenharias em uma universidade particular. Sua alta apreciação pelo meio acadêmico e o ideal de que a academia é hierarquicamente superior à escola básica, remontam à característica do especialista técnico e nos auxilia na compreensão de sua escolha em atrelar o seu produto e dissertação às demandas de um referencial teórico aceito e prestigiado na área de ensino de física. No terceiro trabalho, o contexto individual parece ter influenciado o professor-aluno 3 na escolha do nível de ensino para o qual direcionaria seu produto educacional. Ele já trabalhava com monitoria em uma universidade particular e realizava uma segunda graduação por essa mesma universidade, o que pode tê-lo influenciado nessa escolha. O professor-aluno 3 é o único que elabora seu trabalho na linha de pesquisa de um dos seus orientadores. A escolha por seu referencial teórico pode ter sido influenciada pelo contexto extraverbal da orientação, já que mesmo que o orientador seja designado conforme as ideias e projeções do professor-aluno assim que ingressa no MPEF, os ajustes teóricos são feitos posteriormente. Considerações Finais
Muitos dos trabalhos encontrados na revisão de literatura realizada sobre a formação continuada no Brasil ou em outros países atribuem aos professores a responsabilidade sobre a melhora da qualidade da educação. Essa melhora, supostamente adquirida através da formação, visa a vários objetivos dos quais alguns tiveram eco em nosso trabalho. Os trabalhos de conclusão analisados buscavam apresentar propostas que tinham como objetivo renovar questões didáticas e metodológicas na prática docente da mesma forma que os autores de grande parte dos trabalhos revistos (RAMOS, LIMA e ROCHA FILHO, 2009; NICOLAU
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JUNIOR et al, 2011; NEZVALOVÀ, 2011; LOMBANA et al, 2011; SCHROEDER et al, 2011; TECPAN et al, 2012; SILVA et al, 2012b; DANTAS et al, 2012; DARROZ et al, 2013; CHAILE e JAVI, 2013). Assumir as demandas governamentais ou os testes de avaliação discente como parâmetro de qualidade, tal qual fazem o professor-aluno 1 e o professor-aluno 3, também é a atitude discursiva de autores da área (BAPTISTA e FREIRE, 2011; LAIUS e RANNIKMÄE, 2011). Implicitamente, esses trabalhos acabam por responsabilizar exclusivamente a prática docente pelo bom desempenho dos alunos. Outra tendência encontrada na revisão realizada foi o modelo de prática e formação eleito pelo maioria dos autores: a reflexão sobre a prática, ainda que cada autor tenha utilizado uma nomenclatura distinta (RAMOS et al, 2009; AMORIM, SOUZA e TRÓPIA, 2010; ROCHA, DORNELES e MARRANGHELLO, 2012; DOGAN et al, 2013; GABINI e DINIZ, 2009; LOPES et al, 2011; MOREIRA e MASSONI, 2009; POMBO e COSTA, 2009). No entanto, apesar desse modelo ter alto índice de aceitação pelos pesquisadores, o modelo com viés tecnicista parece ainda não ter sido superado nos processos formativos (NERY e MALDANER, 2012 ; OSTERMANN e REZENDE, 2009; SCHÄFER e OSTERMANN, 2013a, 2013b). Schäfer e Ostermann (2013a, 2013b), ao estudarem o mesmo MPEF que é objeto de pesquisa deste trabalho, afirmaram que os professores egressos desse curso acabam reproduzindo em sua prática o modelo do especialista técnico. Ao analisarmos os discursos produzidos no contexto de formação e não de sala de aula, como fizeram Schäfer e Ostermann (2013a, 2013b), notamos que ainda que o MPEF do IF da UFRGS exija a construção de um produto educacional, questão que o aproximaria do modelo do profissional reflexivo, a forma como a construção e elaboração desse material é realizada indicam apropriação da racionalidade técnica. Até mesmo o professor-aluno 2, que dá certa liberdade aos colegas docentes na implementação de sua proposta, supõe que a sua apostila por si só possa atrair a atenção dos alunos e resolver a questão da falta de interesse na física. Além disso, esse autor não buscou um suporte epistemológico para seu trabalho, deixando o referencial sobre história da ciência apenas como pano de fundo para apresentação do conteúdo de física. Assim pudemos notar, também no trabalho do professor-aluno 2, maior aproximação ao discurso da racionalidade técnica do que ao discurso do professor-reflexivo. Um ponto curioso na revisão de literatura realizada foi o fato de apenas artigos internacionais (INZUNZA et. al., 2011; NZAU et. al., 2012) realizarem críticas às ações governamentais. Enquanto, para esse autores, as ações são compensatórias, administrativas e pedagógicas, sem maior preocupação com as condições educativas reais de cada país ou com a modificação de elementos estruturais essenciais que atingiriam as desigualdades econômicas, sociais e culturais, os professores-alunos do MPEF parecem, discursivamente, concordar com as políticas educacionais brasileiras na medida em que se apropriam delas de forma acrítica em seu trabalhos de conclusão. Esse fato corrobora a conclusão que havíamos chegado na síntese crítica da revisão: a área de pesquisa em ensino de ciências no Brasil não está, majoritariamente, preocupada em analisar e tecer críticas às políticas impostas pelo governo, o que parece ser o caso dos orientadores dos trabalhos analisados, membros desta comunidade.
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Em nossa revisão inferimos que a área está muito mais voltada à criação de propostas, discussão de estratégias utilizadas e à avaliação das mesmas, o que encontrou reflexos em nosso estudo. As ferramentas computacionais utilizadas pelo professor-aluno 3 e os elementos da história da ciência utilizados pelo professor-aluno 2, não são novidade na área e aparecem em vários trabalhos encontrados na literatura (MOREIRA e MASSONI, 2009 ; GATTI e NARDI, 2009; SALVADOR et. al., 2010 ; SANTOS et. al. , 2012). Após realizarmos nossa pesquisa constatamos que o MPEF do IF da UFRGS está na contramão da indicação de muitos estudiosos da área, que afirmam que a solução para que haja impacto real da formação continuada sobre a vida escolar é que a realidade docente figure como protagonista nesse processo formativo (GONZÁLEZ et al, 2009; ANDRADE, 2010; LANGHI e NARDI, 2012). Ao analisarmos três trabalhos produzidos nesse curso concluímos que a elaboração e implementação do produto educacional pelos professores-alunos está totalmente de acordo com o contexto extraverbal, considerado prioritariamente como a proposta do MPEF, que privilegia o modelo de formação do especialista técnico. Esse modelo desconsidera qualquer aspecto sócio-histórico cultural relacionado com a realidade escolar, concentrando-se na prática para obtenção de objetivos fixos pré-estabelecidos. Dentro deste contexto, também o fato de o MPEF exigir a elaboração de um produto educacional e uma dissertação com regras pré-definidas obriga os professores-alunos a estabelecerem forte relação de direcionalidade discursiva ao meio acadêmico do programa. E na medida em que esse discurso privilegia o modelo do especialista técnico, acaba influenciando e fazendo com que os trabalhos de conclusão sejam impregnados de características racionalistas técnicas. É interessante notar que o modelo da racionalidade técnica se refletiu nos três trabalhos analisados apesar dos contextos extraverbais individuais no âmbito institucional serem bem diferenciados em termos de orientação acadêmica e das escolhas temáticas feitas pelos professores-alunos. Em relação aos contextos externos, caberia aqui dar continuidade ao estudo procurando investigar se a visão educacional da racionalidade técnica já se mostrava compatível com os contextos de trabalho e de formação (inicial) do professor, fazendo com que o professor tenha lidado com esse discurso como algo conhecido e já aceito ou se não havia esse compatibilidade e o professor precisou aceitar uma perspectiva diferente apenas para conseguir lograr reconhecimento acadêmico. De qualquer forma, esse estudo mostrou como o discurso é restringido no contexto educacional estudado e o quanto se deixa de fora, em termos de perspectivas formativas e de educação, em um curso de MP nos moldes do MPEF da UFRGS. Diante dos nossos resultados, consideramos que cursos de mestrado profissional em ensino com estas características precisariam de um movimento de abertura, que incorporasse uma variedade de discursos. Os modelos de professor reflexivo e de professor intelectual crítico, por exemplo, poderiam arejar as disciplinas, as discussões teóricas do curso e os produtos educacionais a serem elaborados pelos professores alunos. Assim, algumas questões que são naturalizadas, como a aceitação incondicional das políticas educacionais nacionais, poderiam ser discutidas e os professores-alunos teriam a possibilidade de repensar criticamente sua prática.
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Um primeiro passo para essa mudança seria a elaboração de um currículo que não privilegiasse a hierarquia prevista por Contreras (2012) no modelo do especialista técnico. Esse currículo poderia ser montado de forma horizontal, dando igual ênfase às disciplinas de conteúdo específico e aplicado e às de cunho pedagógico, social e político. Outro aspecto do currículo é que, não necessariamente, ele devesse ser estanque, mas moldável às necessidades dos docentes e construído ao longo da própria formação. Outro aspecto que poderia ser alterado no MPEF (e em outros cursos com as mesmas características) é a própria dinâmica do curso, através da estipulação de novas maneiras de justificar a elaboração dos produtos. A aproximação entre a escola e a universidade, segundo Zeichner (1993), seria uma forma de aumentar a capacidade docente em enfrentar a complexidade, as incertezas e as injustiças na escola e na sociedade, formando o docente para ter uma atitude mais reflexiva sobre os processos educativos e as condições sociais que o influenciam. O importante, para que houvesse uma mudança real, seria buscar na escola os problemas vigentes e moldar os referenciais, teóricos e metodológicos de acordo com a real necessidade do docente e não o contrário, como vimos na análise realizada. Na realidade, a própria necessidade de ter um produto educacional elaborado e implementado como instituído pelo MPEF, poderia ser repensada. A ideia de uma estratégia ou de uma proposta salvacionista, que mude, por si só, a qualidade da educação, remonta apenas à visão racionalista técnica do ensino que é propagada pelo modelo do especialista técnico. Se o programa estiver interessado em mudanças que possam romper com esse modelo, o trabalho de conclusão não pode ter ranços do racionalismo técnico e deve ser elaborado e implementado buscando principalmente ser responsivo à realidade escolar. Esperamos que a análise realizada possa auxiliar cursos de MP que eventualmente pretendam se posicionar criticamente em relação ao modelo do especialista técnico. As questões aqui discutidas, a proposta de curso do MPEF, o currículo, e, principalmente, a forma como o produto educacional é elaborado e implementado, podem contribuir para futuras propostas que busquem privilegiar outros modelos formativos.
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APÊNDICE I O trabalho a seguir foi apresentado em forma de comunicação oral no XV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física, realizado em Maresias, São Paulo, em 2014. INVESTIGANDO A FORMAÇÃO DO PROFESSOR NA PROPOSTA INICIAL DE UM MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE FÍSICA INVESTIGATING TEACHER EDUCATION IN THE INITIAL PROPOSAL OF PROFESSIONAL MASTER'S DEGREE IN PHYSICS TEACHING Josiane de Souza1, Flavia Rezende2, Fernanda Ostermann3 1UFRGS/Instituto de Física/PPG em Ensino de Física, josiane.souza@ufrgs.br 2UFRGS/Instituto de Física/PPG em Ensino de Física, flaviarezende@uol.com.br 3UFRGS/Instituto de Física/PPG em Ensino de Física, fernanda.ostermann@ufrgs.br
Resumo
Tem-se percebido uma expressiva expansão de mestrados profissionais na área de ensino desde a homologação pela CAPES em 2001 de documento que afirma a necessidade de desenvolvimento da pós-graduação profissional e o ajustamento do sistema de avaliação às características desse segmento. Para além da avaliação oficial que vem sendo implementada pela CAPES, vemos como importante desdobramento dessa ação política, a avaliação do seu impacto na qualidade da educação básica. Entendendo que o modelo de formação docente está diretamente implicado na qualidade da educação, nos propusemos a analisar como a proposta de programa de um Mestrado Profissional em Ensino de Física pioneiro no Brasil caracteriza um modelo formativo e poderia proporcionar qualidade. Para tal, utilizamos um dispositivo específico para análise bakhtiniana dos enunciados escritos que delineavam a proposta. Foi possível evidenciar que o modelo de formação que estrutura esse programa é o modelo de profissional racionalista técnico. Três pontos explicitados na proposta foram essenciais para essa conclusão: os professores que já trabalhavam na graduação e na pós-graduação seriam os professores do curso, subordinando-o à pesquisa acadêmica; o trabalho de conclusão é denominado dissertação, remetendo a um trabalho acadêmico; e a
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grade curricular contempla as três componentes que hierarquicamente caracterizam o modelo do professor racionalista técnico. Palavras-chave: Mestrado profissional, formação de professores, Bakhtin.
Abstract It has been observed a significant expansion of Professional Masters in Physics Education since the approval in 2001 of a document which states the need for its development and adjustment of the evaluation system to the characteristics of this segment. In addition to the official assessment that is being implemented by CAPES, we see as important unfolding of this political action, the evaluation of its impact on the quality of basic education. Understanding that the teacher education model is directly involved in the quality of education, we set out to analyze how the proposal for a Professional Masters in Physics Education, pioneer in Brazil, features a formative model and could provide quality. Therefore, we used a specific device for Bakhtin's analysis of the written utterances that outlined the proposal. We have found that the model of formation that structures this program is the technicalrationalism model. Three points in the proposal were essential to this conclusion: teachers who were working in the undergraduate and graduate courses would be the teachers of the course, subordinating it to academic research; the students’ final work was called dissertation,referring to anacademic work; and the curriculum comprises three components that characterize the hierarchical technicalrationalism model. Keywords: Professional master, in-service teacher education, Bakhtin.
Problematização
O mestrado profissional (MP) é uma modalidade de formação stricto sensu, que tem como objetivo suprir as demandas sociais, políticas e econômicas associadas à qualificação de trabalhadores em serviço. Sua origem remonta à década de 90, quando o ensino superior brasileiro passou por diversas mudanças e reformulações legais, sob a influência das agências internacionais de financiamento. Em outubro de 17/10/1995, a CAPES, através da Portaria nº 47, publicou a resolução 01/95, regulamentando procedimentos de recomendação, acompanhamento e avaliação de cursos de mestrado dirigidos à formação profissional, associada ao documento intitulado “Programa de Flexibilização do Modelo de pós-graduação Senso Estrito em nível de mestrado”. Esta foi revogada pela Portaria nº 80, de 16 de dezembro de 1998, que dispõe sobre o reconhecimento dos (MPs), onde é reiterada a necessidade da formação de profissionais pós-graduados (SEVERINO, 2006, p. 10). Uma das prioridades da CAPES é assegurar as condições para a consolidação dos cursos de MP, garantindo uma resposta positiva à demanda de formação qualificada no país.
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A indução da criação desse tipo de mestrado pela CAPES teve significativo impacto na área de Ensino de Ciências e Matemática12, na qual, hoje, constatamos um maior número de cursos de MP do que de mestrado acadêmico (64 e 44, respectivamente), dentre 132 cursos e 111 programas. Muito embora os cursos de MP tenham sido encarados com ceticismo pela área de Educação, na antiga área de ensino de Ciências e Matemática passaram a desempenhar papel relevante, conforme mostram os dados acima,sendo considerado por Moreira e Nardi (2009) uma inovação promissora, que visa à melhoria do ensino nessa área. Inovação na medida em que não pode ser “uma adaptação, ou variante de propostas já existentes” (p. 2). A partir de documentos utilizados nos últimos anos pelas comissões e coordenações da antiga área de Ensino de Ciências e Matemática da CAPES, os autores entendem que sua avaliação deve seguir critérios distintos dos utilizados na avaliação do mestrado acadêmico; deve haver maior cobrança na produção técnica; a estrutura curricular deve contemplar disciplinas de conteúdo e o acompanhamento da prática profissional e os trabalhos de conclusão devem, obrigatoriamente, gerar um produto educacional. O MP em Ensino de Física do Instituto de Física da UFRGS,iniciado em 2002, foi pioneiro no Brasil, tornando-se referência para os mestrados dessa modalidade que surgiram posteriormente, em todo o país.Por seu papel exemplar, consideramos muito relevante compreendermos o tipo de formação docente proposto. Recentemente, alguns estudos começaram a investigar a qualidade da formação proporcionada por esse curso. Schäfer e Ostermann (2013a), em uma pesquisa qualitativa realizada com alunos cursistas e egressos, concluíram que, apesar do curso contribuir para mudanças na metodologia de trabalho em sala de aula, há um grande distanciamento entre as disciplinas de formação oferecidas e a realidade escolar.Em outro estudo, Schäfer e Ostermann (2013b),a partir da análise do discurso de egressos do curso, concluíram que ao iniciarem o curso, os docentes trazem consigo experiências profissionais que são associadas aos saberes oriundos da formação inicial e saberes sociais definidos pela instituição em que trabalham. Esses saberes, em geral, são fortemente marcados pela racionalidade técnica. No entanto, essa epistemologia da prática docente não é abalada pela formação proporcionada pelo curso. No presente trabalho, também abordamos o problema da qualidade da formação proporcionada por este curso, tomando agora como objeto de estudo o documento oficial de sua proposta inicial.Buscamos avaliar, por meio de uma análise bakhtiniana de seus enunciados, o propósito do curso, os compromissos formativos com que o curso se compromete e assim, delinear a formação docente proporcionada.
Propostas de formação docente
Contreras (2002) busca a significação da autonomia de professores no contexto de diferentes concepções educativas, e para tal escolhe e define as três que denomina como tradicionais: "a que entende os professores como técnicos, a que defende a
12A área de Ensino de Ciências e Matemática deixou de existir em 2011 e passou a fazer parte da grande área de Ensino.
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docência como uma profissão de caráter reflexivo e a que adota para o professor o papel de intelectual crítico" (p. 25). Segundo o autor, o modelo de racionalidade técnica, consiste na solução instrumental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede da pesquisa científica. Ou seja, a prática suporia a aplicação inteligente desse conhecimento, aos problemas enfrentados por um profissional, com o objetivo de encontrar uma solução satisfatória. Nota-se uma hierarquização na relação entre prática e conhecimento, que produz reconhecimento e status acadêmico diferenciado para os produtores de conhecimento em relação aos professores. Os docentes são colocados em uma relação de subordinação aos elaboradores e ficam limitados à aplicação de técnicas, sem se envolverem com a sua elaboração. O esquema de concepção de currículo profissional também é, segundo Contreras (op. cit.), afetado por essa hierarquização. Nele, as disciplinas básicas da ciência são colocadas em primeiro plano, enquanto as disciplinas de ciência aplicada e de componentes do saber e os relacionados com o fazer são postas em segundo e terceiro planos, respectivamente. Já o modelo de racionalidade reflexiva, inspirado nas ideias de Schön (apud CONTRERAS, 2002), presume que o profissional deve guiar-se pelos valores educativos pessoalmente assumidos. Nesse modelo, a experiência e crença dos docentes são colocadas em pé de igualdade com o conteúdo e não há um molde comum a todos os alunos e situações. O compromisso docente é manter um equilíbrio entre os diferentes interesses sociais, interpretando o valor de cada interesse e mediando política e prática entre eles. Dessa forma, a formação docente deve ser ampla, não privilegiando os conteúdos específicos, mas valorizando as disciplinas de cunho pedagógico e socioeducativo. O profissional reflexivo faz mais do que a reprodução de materiais formulados por especialistas, pesquisando e refletindo constantemente sobre a sua prática. Segundo Contreras (2002), as dicotomias pesquisa/prática e saber/fazer deixam de ser o pilar do ensino como é no modelo de racionalidade técnica. Nesse modelo, a pesquisa e o ensino acabam se tornando atos muito semelhantes. O seu currículo estruturador acaba não sendo engessado e a hierarquização das disciplinas perde força. O modelo de profissional como intelectual crítico, baseado nas ideias de Giroux (apud CONTRERAS, 2002), avança no sentido de que, além de pesquisador, o professor é agente de transformação social. O professor intelectual crítico deve desenvolver um conhecimento sobre o ensino que reconheça e questione sua natureza socialmente construída e o modo pelo qual se relaciona com a ordem social, bem como analisar as possibilidades transformadoras implícitas no contexto social das aulas e do ensino. Assim, sua prática não se resume apenas a um ato educacional, mas é, sobretudo, um ato político e social, que produz reflexão e crítica a fim de promover a emancipação individual e social dos estudantes.
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A transliguística de Bakhtin
Neste trabalho,temos como objetivo analisar a proposta inicial do curso de MP em Ensino de Física da UFRGS, a partir da filosofia da linguagem de Bakhtin, por considerarmos que tal referencial teórico nos permite olhar criticamente para os enunciados presentes no documento e compreender suas relações com o contexto sociocultural em que esse documento foi produzido. Para Bakhtin (2003), o emprego “da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes de uma ou de outra esfera da atividade humana” (p. 261) e são caracterizados pelo conteúdo (temático), por seu estilo verbal e, sobretudo por sua construção composicional. O conteúdo temático está associado ao que se fala e o estilo de linguagem corresponde aos tipos de composição e de acabamento de um enunciado, ou seja, são os recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua utilizados para elaborá-lo. Bakhtin (2003) ainda aponta outras propriedades dos enunciados: (1) todo enunciado sobre um tema responde aos enunciados anteriores sobre o mesmo tema, critica-os, concorda com eles, reelabora-os (responsividade); (2) todo enunciado é prenhe de resposta e não resiste em antecipar as respostas do seu suposto ouvinte (direcionalidade); (3) todo o enunciado possui limites absolutos determinados pela alternância de falantes ainda que sua conclusibilidade específica possa também ser relacionada ao esgotamento do tema, ao desfecho do discurso ou a maneiras típicas de concluí-lo (conclusibilidade). Para a análise do documento, será utilizado um dispositivo analítico bakhtiniano (VENEU, 2012; FERRAZ, 2012), que prevê quatro etapas: 1 - Identificação do enunciado: O conceito de enunciado permite concluir que a própria alternância entre os sujeitos falantes já é suficiente para identificá-lo, ou seja, o enunciado inicia-se no momento em que o falante toma a palavra para si e finaliza-se no momento em que este termina o que gostaria de dizer, permitindo que o outro também fale. 2 - Leitura preliminar do enunciado: O objetivo desta etapa é o primeiro contato com os enunciados no sentido de: identificar preliminarmente seus elementos linguísticos (estilo, construção composicional, unidade temática) e fazer uma articulação prévia entre o material linguístico, as questões de pesquisa e os conceitos bakhtinianos. 3 - Descrição do contexto extraverbal: A partir da leitura preliminar e da articulação prévia das questões de pesquisa aos conceitos bakhtinianos, é realizada uma investigação do contexto extraverbal para identificar, dentre os vários elementos, aqueles que mais contribuirão para a análise. Esses elementos são então descritos e articulados com vistas a estabelecer o horizonte espacial comum dos interlocutores, seu conhecimento e compreensão da situação, sua avaliação comum dessa situação, o momento social e histórico em que ocorre, a rede de enunciados a que se relaciona, etc. 4 - Análise do enunciado: Consiste em articular os elementos linguísticos (estilo, construção composicional, unidade temática), o contexto extraverbal e os conceitos bakhtinianos envolvidos nos objetivos do estudo.
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Análise da proposta do curso
A proposta do curso de MP enviada à CAPES pelo Instituto de Física (IF) da UFRGS em 2001 foi produzida seguindo um modelo de documento fornecido por esta agência, no qual os seguintes tópicos deveriam ser preenchidos: Histórico, Objetivos, Inserção Regional, Justificativa de Implementação, Integração com a Graduação, Infraestrutura-Laboratório, Infraestrutura-Recursos de Informática, Infraestrutura-Biblioteca, Infraestrutura-Financeira, Atividades Complementares do Docentes, trabalhos em Preparação, Intercâmbios Institucionais, Auto Avaliação, Ensino a distância e Outras informações. Nem por isso nossa análise foi comprometida, pois entendemos, pela alternância, que cada um desses tópicos são enunciados da CAPES e as respostas dos elaboradores da proposta são os enunciados a serem analisados. Ao realizara leitura preliminar dos enunciados, notamos que o texto, apesar de envolver um número grande de tópicos, é escrito em poucos parágrafos e de forma objetiva, sem argumentações mais profundas. Mesmo tendo poucas páginas, o texto traz, mais de uma vez, a ideia de que não serão contratados novos professores para o MP. Devido à limitação de espaço para esse trabalho, optamos por escolher os enunciados que nos pareceram mais diretamente relacionados à qualidade da formação proporcionada por esse curso. Para analisá-los, utilizaremos os conceitos de direcionalidade e responsividade do enunciado. Tentando recompor o contexto extraverbal dos enunciados da proposta,recuperamos o fato de que a demanda por cursos de MP surge a partir das diversas mudanças e reformulações legais sofridas pelo ensino superior brasileiro sob a influência das agências internacionais de financiamento. Essas reformas são evidenciadas a partir das diretrizes de reformulação do Estado e da educação superior difundidas pelo Banco Mundial para os países periféricos, as quais envolvem o deslocamento da concepção de educação superior para o de educação terciária (LIMA, 2011). O programa de pós-graduação em Física do IF da UFRGS, com larga tradição em pesquisa, se propõe a criar um curso para cumprir essa demanda. Nesse momento, algumas dissertações e teses já tinham sido defendidas nesse programa, na área de Ensino de Física e o IF contava com alguns professores pesquisadores em Ensino. Esses professores tinham como objetos de pesquisa, principalmente: as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no Ensino de Física e a inserção de tópicos de Física Moderna e Contemporânea no Ensino Médio. De fato, esses assuntos tinham e têm grande visibilidade na área de ensino de Ciências e Matemática, ou seja, são objetos facilmente aceitos pela comunidade acadêmica. A introdução destes temas enquanto disciplinas no curso de MP se devia, assim, muito mais às linhas de pesquisa desenvolvidas no programa do que à preocupação com as demandas da realidade escolar brasileira. Iniciamos a análise dos enunciados pelo item Histórico. Neste item, os autores iniciam o texto citando a importância histórica da área de Ensino de Física, que integrava na época, a pós-graduação em Física da UFRGS. Em seguida, afirmam que por já terem sólida tradição na pesquisa em Ensino de Física, a instituição estaria habilitada a receber um mestrado profissional nessa área.
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No tópico Objetivos, os elaboradores expõem o objetivo do curso proposto: "Melhorar a qualificação profissional de professores de Física do nível médio, e das Licenciaturas em Física ou afins, em plena atividade no sistema de ensino, em termos de conteúdos de Física, de aspectos teóricos, metodológicos e epistemológicos do ensino da Física, e do uso de novas tecnologias." Percebe-se que os problemas da escola não fazem parte desse objetivo. Os autores utilizam o estilo de linguagem próprio das ciências da natureza, em um texto objetivo e pouco argumentativo. Em termos do conteúdo, percebe-se a menção ao uso de novas tecnologias. Como salientamos, essa demanda não parte da realidade escolar, ou realidade do professor, mas sim de especialistas acadêmicos que julgam ser esses os elementos necessários para aprimorar a qualificação do docente de nível médio e que, consequentemente, terão impacto na qualidade do ensino médio. No item Justificativa de Implementação, os autores explicitam que o programa deve ser implantado em resposta a uma demanda da CAPES e que a instituição se julga apta a cumprir essa necessidade. Percebe-se nesta justificativa, o interesse da instituição em apenas responder a uma demanda oficial que vem de fora, não sendo uma proposta almejada e legitimada pelos professores. Em resposta ao tópico Integração com a Graduação, os autores afirmam que os mesmos professores que já atuam na licenciatura e no bacharelado em Física serão os professores que ministrarão as aulas para o MP. Essa ideia é reafirmada no item Atividades Complementares Docentes com ênfase na dedicação exclusiva e nas atividades complementares dos professores exclusivamente ligadas à pesquisa e à academia. Não há preocupação com a possibilidade desses professores suprirem as necessidades específicas de um curso de MP, pois é assumido que se os mesmos dão aulas nos cursos de formação inicial também estão preparados para a formação continuada. Notamos, ainda, a hierarquização suposta pelos autores, ao entenderem que se os professores trabalham com pesquisa, têm igualmente condições de trabalhar com professores e com as demandas do ensino médio, subordinando-as, assim, à agenda da academia. Por fim, no tópico Outras Informações, são elencadas as disciplinas obrigatórias e opcionais que farão parte do currículo, contemplando: a formação em Física, a formação didático-pedagógica relevante ao ensino da Física, a prática docente supervisionada e a elaboração de um trabalho final de pesquisa profissional. Pela escolha da ordem desses elementos, podemos supor a ordem de importância dada pelos elaboradores aos vários tipos de formação propostos. A formação conteudista, típica do modelo de racionalidade técnica, é a primeira e será proporcionada por disciplinas obrigatórias e opcionais. As disciplinas obrigatórias são: Tópicos de Física Clássica (4 créditos), Tópicos de Física Moderna e Contemporânea I e II (4 créditos cada), Novas Tecnologias no Ensino de Física I e II (3 créditos cada) e História e Epistemologia no Ensino de Física (4 créditos). As disciplinas opcionais, todas com carga horária de 2 créditos, são: Teorias de Aprendizagem e Ensino, Ensino de Astronomia, Novas Tecnologias no Ensino de Laboratório e Física Moderna e Contemporânea: Teoria e Prática.
Na escolha das disciplinas, fica evidente que as disciplinas obrigatórias são pautadas na pesquisa dos docentes que viriam a ministrar disciplinas no MP e o trabalho final proposto remonta à ideia de pesquisa acadêmica. O conjunto das disciplinas é condizente com o modelo de professor racionalista técnico, na medida
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em que o currículo contempla componentes da disciplina básica, de ciência aplicada e de habilidade e atitude; esses últimos ficam nas disciplinas opcionais, enquanto os outros aparecem tanto nas disciplinas obrigatórias quanto nas opcionais. As disciplinas obrigatórias acabam por abarcar principalmente os componentes da disciplina básica, que não condizem com o contexto escolar vigente dos docentes de nível médio. Enquanto os componentes de habilidade e atitude ficam exclusivamente nas disciplinas opcionais, sendo possível um aluno obter título de mestre em Ensino de Física sem cursar um única disciplina sobre ensino e aprendizagem. A ideia de manter o currículo fixo e bem determinado na linha que foi proposto evidencia uma das características do racionalismo técnico, como se os problemas profissionais dos docentes de nível médio fossem apenas os que compreendem o entendimento e aplicação de materiais em sala de aula e essas disciplinas fossem o meio pela qual se pode melhorar a atuação do professor.
Conclusões
Nesse trabalho, nos propusemos a analisar a proposta inicial do curso de MP em Ensino de Física da UFRGS.Percebemos que a direcionalidade dos enunciados é a CAPES e o corpo docente do programa de pós-graduação que idealizou a proposta. Quanto à responsividade, podemos dizer que o enunciado responde à demanda por esse tipo de curso colocada pela CAPES e pela academia. Coerentemente com esta conclusão, percebemos que as demandas da escola e dos professores de nível médio não estão contempladas, sendo o objetivo do curso e as disciplinas estabelecidos a partir de outras prioridades, fundamentalmente as linhas de pesquisa dos professores do curso. A análise do conjunto de enunciados mostrou que a proposta tinha como projeto formativo o modelo racionalista técnico de professor. Três pontos foram os mais importantes para esta conclusão: os professores que já trabalhavam na pós-graduação em Física, especificamente na área de Ensino de Física, seriam os professores que ministrariam as disciplinas, subordinando assim, o MP à pesquisa acadêmica; o trabalho final para conclusão do curso de MP é denominado trabalho final de pesquisa profissional, remetendo a um trabalho acadêmico; a grade curricular, formulada para acomodar os docentes que ministrariam aulas no MP, contempla as três componentes que hierarquicamente caracterizam o modelo racionalista técnico. Uma vez que esse modelo é a referência de formação do curso, torna-se fácil entender a constatação de Schäfer e Ostermann (2013a e b) de que ele não seja superado pelos professores egressos. Referências BAKHTIN, M.Estética da criação verbal. São Paulo, Editora WMF Martins Fontes, 4ª Edição, 2003. 476 p. BRASIL (CAPES).Caracterização do Sistema de Avaliação da Pós-graduação. Disponível em: http://www.capes.gov.br/images/stories/download/avaliacaotrienal/3RegulamentoProfissionalTrienal07.pdf. Acesso em: 2012. CONTRERAS, J. A autonomia do professor. São Paulo: Cortez. 2002.
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APÊNDICE II O trabalho a seguir foi apresentado, em forma de comunicação oral, no GIREP-MPTL 2014 International Conference, realizado em Palermo, Itália, em Julho de 2014. Um olhar preliminar sobre os produtos educacionais desenvolvidos no âmbito de um mestrado profissional em ensino de Física Josiane de Souza, UFRGS Flavia Rezende, UFRGS Fernanda Ostermann, UFRGS O mestrado profissional (MP) é uma modalidade de formação stricto sensu, que tem como objetivo suprir as demandas sociais, políticas e econômicas associadas à qualificação de trabalhadores em serviço. Sua origem remonta à década de 90, quando o ensino superior brasileiro passou por diversas mudanças e reformulações legais, sob a influência das diretrizes de reformulação do Estado e da educação superior difundidas pelo Banco Mundial para os países periféricos. Para a área de Ensino de Ciências e Matemática, Moreira e Nardi (2009, p. 2) defendem que o MP é uma inovação promissora, que visa à melhoria do ensino e que não pode ser considerado “uma adaptação, ou variante, de propostas já existentes”, ou seja, ele é uma modalidade de formação stricto sensudiferente, que deve seguir critérios distintos dos utilizados na avaliação do mestrado acadêmico, com maior cobrança na produção técnica e ênfase nas disciplinas de conteúdo. Entre estes critérios, os trabalhos de conclusão devem, obrigatoriamente, gerar um produto educacional.
Instigados pela falta de pesquisas sobre este assunto e motivados pela alta valorização dos produtos educacionais na avaliação oficial dos MPs, nos propomos, neste trabalho, em apresentar um levantamento inicial dos produtos
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educacionais gerados, até dezembro de 2012, pelo MP em Ensino de Física do Instituto de Física da UFRGS, curso precursor desta modalidade no Brasil, considerado, desde 2002, como modelo para vários outros mestrados que surgiram posteriormente no país. Neste período, foram defendidos 70 trabalhos de conclusão de mestrado nesse programa. Procuramos analisar a tendência teórica dos trabalhos, o nível de ensino e o tipo de escola onde foram aplicados.Em relação ao primeiro aspecto, observamos que dos 21 teóricos citados em 57 trabalhos, David Ausubel, aparece como teórico em 40 deles e Lev Vygotsky em 36 desses trabalhos. Isso provavelmente se deve ao fato de o professor fundador desse programa ser o especialista pioneiro em Ausubel no Brasil e evidencia o comprometimento teórico do programa com uma visão tecnicista do ensino. Mas, talvez mais importante seja o fato de que, a análise dos trabalhos mostrou que mesmo os outros autores que foram utilizados para embasar os produtos educacionais foram direcionados para essa visão. Em relação ao nível de ensino, a maioria (42 trabalhos) e consequentemente dos produtos, são destinados ao Ensino Médio , enquanto apenas 7 se destinam ao ensino fundamental e apenas 3 a formação no curso Normal. Este dado evidencia a relutância dos professores da área de Física a trabalhar tal disciplina no ensino fundamental ou com professores que atuarão apenas nesse nível do ensino,dos restantes, dois trabalhos se destinam ao EJA, quatro ao Ensino Superior, quatro a cursos técnicos e seis à formação continuada de professores de Física. Em relação ao tipo de escola, observamos que 39 deles foram aplicados em escolas públicas (muitos em Institutos Federais), 28 em escolas particulares e um em uma instituição de caráter público/particular. Com essa análise foi possível evidenciar aspectos que deveriam ser levados em consideração no momento em que se elabora e se põe em prática uma política pública como a que propõe os cursos de MP em ensino no Brasil. A grande maioria dos trabalhos propõe produtos educacionais com base em referenciais teóricos tecnicistas e destinados ao ensino médio, sendo que muitos são aplicados em escolas privadas. Preliminarmente, é possível supor que estes produtos cumpram apenas um pré-requisito para titulação do professor cursista e não sejam significativos para melhorar a qualidade da educação pública, conforme prevê a política que norteia o programa de MP.